NÃO PAGUEM O RESGATE

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

Imprevisto é tudo aquilo que acontece com as pessoas sem que elas estejam esperando pelo sucedido. Assim sendo, se você, que reside em alguma capital populosa do nosso país, estiver dirigindo seu carro em rua de grande movimento, no chamado horário de pico, e um pneu estourar, teremos aí uma dessas situações que pega todo mundo de surpresa, e bem complicada, por sinal, porque tudo o que precisa ser feito em um momento desses – colocar o macaco, levantar o carro, desapertar os parafusos da roda, colocar o estepe, guardar o pneu furado e retornar ao veículo – estará sujeito aos muitos riscos que qualquer morador de cidade grande conhece muito bem. Afora esse exemplo, já não tão esporádico diante da ocupação de cada metro quadrado de nossas ruas por carros de todos os tipos e tamanhos, hoje vendidos a perder de vista para gente de todas as classes sociais, e cobiçados pelos mal-intencionados que se multiplicam como erva daninha nos quatro cantos da nossa amedrontada nação, existem muitos outros que também poderiam ser citados, o que não precisa ser feito aqui e agora porque todo mundo, por experiência própria, tem perfeito e aprofundado conhecimento do assunto.

Em Periquitinho Verde, pacata e ordeira cidade mineira localizada à beira do rio Águaprarriba, os imprevistos também acontecem, se bem que mais ligados às coisas simples do dia-a-dia de qualquer cidadão ou cidadã, seja qual for a sua idade. Por isso mesmo, quando alguma ocorrência fora dos padrões normais chega ao conhecimento de determinadas pessoas da localidade – uma delas, por exemplo, é o Zé Corneteiro, considerado o maior fofoqueiro da paróquia -, a notícia passa a correr como fogo num rastilho de pólvora, e logo, logo os comentários começam a explodir aqui, ali e acolá, com cada um querendo tirar uma casquinha do infeliz envolvido na história. Mal comparando, a impressão que se tem é de que tudo isso não é outra coisa senão uma espécie de espetáculo pirotécnico da maledicência local.

O episódio em que se viu envolvido Roberval Pimenta, mais conhecido como Miquimba, casado com a Maria das Dores e dono de uma casa comercial na rua Vigário Fornalha, região central de Periquitinho Verde, serve como amostra de que o imprevisto anda sempre de olho vivo em algum desprevenido, e para surpreendê-lo vai tecendo a sua teia de circunstâncias e acasos aparentes, na qual o infeliz acaba mergulhando de ponta-cabeça.

Tudo aconteceu numa quinta-feira chuvosa e fria, no horário de fechamento do comércio. Depois de trancar a porta da loja o Miquimba correu apressado até o estacionamento próximo, pegou o carro, e quando o colocou no caminho de casa percebeu que uma de suas funcionárias, cujo nome não vem ao caso, estava parada sob a marquise de um prédio próximo, provavelmente aguardando que a chuva desse uma trégua para poder seguir até o ponto de ônibus mais próximo a fim de embarcar na condução que a levaria ao Alto do Morro, bairro onde morava. Prestativo, Miquimba decidiu oferecer-lhe carona porque, afinal de contas, naquele úmido início de noite nada mais natural que o patrão demonstrar solicitude para com a empregada, principalmente se considerarmos o fato de que ela era eficiente no cumprimento de suas obrigações trabalhistas. Por isso ele parou e perguntou se a moça queria carona.

– Claro! – ela respondeu, e entrou imediatamente no veículo.

O percurso da Vigário Fornalha ao Alto do Morro não era muito longo, mas mesmo assim demorou o tempo suficiente para que o casal mantivesse uma conversação entremeada de sorrisos e comentários alegres, que acabou sendo interrompida quando eles chegaram ao edifício onde ela morava. Foi aí, então, que o imprevisto apertou o nó da laçada com que desejava complicar a vida do Miquimba. Uma vez o carro estacionado junto ao meio-fio, ela perguntou com naturalidade:

– O senhor não quer subir e me dar o prazer de lhe oferecer um cafezinho? Eu o preparo num instante.

– Não, obrigado. Eu preciso ir para casa.

– Não vai demorar. O senhor foi tão gentil comigo que eu me sinto na obrigação de retribuir de alguma forma. Suba só um pouquinho…

Diante disso ele resolveu atendê-la. Meio sem jeito, o Miquimba subiu com a funcionária os dois lances da escadaria do prédio, entrou no apartamento dela, acomodou-se em um sofá na sala, e minutos depois, quando saboreava um drinque que lhe fora servido, a dona da casa desculpou-se e pediu licença para retirar-se por alguns minutos. E saiu. Mas não demorou muito para voltar toda perfumada, com o corpo coberto por uma camisola rendada que permitia ao patrão ver tudo o que quisesse, sem a menor dificuldade. Aí, vocês bem podem imaginar. Depois de mais um ou dois drinques, não haveria quem pudesse resistir a um convite tão explícito como aquele, não é mesmo?

Patrão e funcionária fizeram o que fazem qualquer homem e mulher que se vejam em situação semelhante. E a relação deve ter sido boa para ambos, porque foi repetida com ardor, e por isso mesmo demorada. Ao final da transa, satisfeito consigo mesmo e mais ainda com a sua parceira, ele virou-se para o lado e dormiu sossegado, com um sorriso prazeroso nos lábios.

Mas acordou assustado às quatro da madrugada, e lembrou-se no mesmo instante do que havia acontecido algumas horas antes. A vantagem que distingue o Roberval da grande maioria dos mortais, é que ele é um homem que encontra em tempo curto a resposta correta e necessária para as situações de emergência, de urgência urgentíssima. Por isso o comerciante encrencado agiu depressa: pegou o telefone, discou o número da sua casa, e quando a esposa o atendeu ele gritou em voz bem alta e nervosa:

– NÃO PAGUEM O RESGATE! Eu consegui fugir dos bandidos e já estou indo para casa…

Ao que parece, no silêncio da madrugada o vizinho do apartamento ao lado também ouviu a mensagem, e foi assim que a notícia da aventura amorosa de Roberval Pimenta, prestigiado e respeitado comerciante periquitinhoverdente, chegou ao conhecimento dos faladores de plantão, e daí em diante vocês bem podem imaginar o que foi que aconteceu.

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