TICO MANDACARÚ

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4Muito se fala de Tico Mandacarú. Dizem que mora naquele bairro chique de periferia daquela cidade emergente à beira da falência. Dizem até que a casa tem energia lunar, inventada por ele, tecnologia de planeta de quarto mundo. Estava nas anotações.

– Eu o conheço.

Ouviu de um passante o repórter de uma emissora de TV líder em audiência, cujas câmeras estavam confiscadas. O próprio repórter estava confiscado, pois o processo de divórcio estava lhe roendo as entranhas.

– É gente boa.

Os ouvidos do repórter caçado por um Promotor de Justiça atentaram para a injustiça. Para o bem ou para o mal. Mas, onde estava Tico Mandacarú? O que se sabe é que a cidade emergente com o único posto de saúde fechado sabia que o cara era muito inteligente, apesar da média geral de 2,8 no maternal, única experiência de ensino que teve. Energia lunar? Pois é, ele criou e foi um sucesso durante os eternos não se sabe quantos dias ele viveu em sua cidade natal, apesar de registrado em outra.

Lá estava o seu Adamastor, o homem de 94 anos mais moço da cidade. O repórter chegou de mansinho, olhando para tudo quanto era lado para verificar se não tinha nenhum advogado em volta. Mirou o microfone e nada de som. Seu Adamastor coçou o nariz, levantou a voz e soltou:

– Se fosse de energia lunar do Tico Mandacarú não falhava.

Sirene em ação. A polícia chega com um mandato e leva o repórter, acusado formalmente de ter surrupiado todo o estoque de indumentárias íntimas da ex-mulher, que não era sua esposa, mas uma amásia que estava casada com o amante da prima de Satúrnia, a garota com quem ele havia bebido uma vodca e que o denunciara depois por lhe ter servido uma bebida falsificada.

– Não faça isso com o cabra.

Era o seu Adamastor inquirindo sobre a brutalidade da polícia.

– Se fosse o Tico Mandacarú ele tinha logo resolvido o caso.

Não adiantou a manifestação do ancião mais novo da cidade sem cabines de telefone público. O repórter se foi e o câmera continuou assim mesmo, filmando a esmo. Ele não tinha a mínima ideia do que estava acontecendo e filmando. Captou a sirene sumindo de sua lente trincada e se assustou com uma enorme cara enrugada e disforme que tomou conta dela.

– Por que levaram o homem do microfone? Ele parecia ser tão sério, mas tinha um tipo de quem não pagava as contas, né? Será que ele assaltou algum açougue e levou todo o estoque de sardinhas em lata?

Seu Adamastor era curioso e perspicaz, aprendido com Tico Mandacarú. Enquanto isso, o câmera recolheu seu instrumento, a câmera, e verificou com atenção as anotações. Estava lá: trabalho em Santingrilá de Baixo… procurar seu Adipintor…  reportagem sobre lagartixa que dá choque de mil volts…

– Mas peraí, seu Adipintor? Santingrilá de Baixo?

Depois de consumir alguns neurônios esgarçados, o câmera foi até o carro da reportagem, um fusca com motor de reto-escavadeira, ligou a turbina e voou até a entrada, ou saída, da cidade. Estava bem visível na placa: Santingrilá de Cima, a terra do seu Adamastor, vulgo Tico Mandacarú, criador da energia lunar movida a raios solares. Depois da difícil leitura, engatou uma sétima e sumiu para a glória.

Alguns anos depois, explode a notícia em todos os jornais de renome do mundo pós-quinta guerra: “num dos países mais desenvolvidos da América do Leste, Brisal, o cidadão Tico Mandacarú, vulgo seu Adamastor, filmado por um ex-câmera de políticos honestos (ex porque não tinha o que filmar) inventou uma xícara com a asa do lado esquerdo. Esta grande invenção da humanidade pós-treinador-de-futebol-que-usa-terno-no-gramado-a-quarenta-graus vai ajudar bilhões e bilhões de canhotos”. E a reportagem acrescenta que “já está em vias de produção outra invenção do gênio, uma faca cega para cortar manteiga de leite de uma lagartixa que dá choque de mil volts”. A reportagem diz ainda “que ao tomar o leite desta lagartixa, o cidadão é eletrocutado de tal forma que das duas uma: ou ele morre na hora ou se cura de todas as doenças. Por causa disto, o efêmero governo do Brisal achou por bem, através de um Decreto-Lei, extinguir a saúde pública e distribuir gratuitamente o leite à população bolsal, isto é, noventa por cento do país que vive recebendo de graça o peixe porque não sabe pescar. Foi dado ao projeto o simplório nome de Bolsa Rosa-Choque”. E finaliza dizendo que “A faca cega do Tico Mandacarú inventada para cortar a manteiga produzida com o tal leite elétrico é fabricada à base de energia lunar, e este fato contribui para o choque não ser totalmente letal, isto é, ele não mata de vez, mas aos poucos”.

Entreouvido nos bastidores governamentais: – “Esta faca cega do tal Tico Mandacarú vai atrapalhar nossos planos. Temos que sumir com o cara”.

Pronta resposta: – “Deixa de ser besta, seu presidente, vamos é somá-lo aos nossos”.

Mas onde encontrar Tico Mandacarú?

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Br.freepik.com.

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