VAI SUBINDO, MALANDRO!

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ANTIGANos idos tempos morava um cidadão no Largo da Matriz cuja residência ficava de frente ao lado esquerdo da antiga Igreja. No quintal reinava um frondoso pé de laranja que chamava a atenção de todos, não só pelo tamanho como também pela prodigalidade dos frutos doces repletos de líquido nutritivo.

Enquanto a árvore e seus frutos eram admirados, a opinião do povo a respeito do proprietário era o oposto. Comentários gerais diziam que o cidadão era o maior “mão de vaca” da cidade. Para começar, nem com o dízimo ele contribuía. E quanto às laranjas, nenhum conterrâneo fora do seu mais íntimo convívio havia saboreado um gomo sequer. Até com a própria família ele contestava, pedindo para não “panharem” muitas. É evidente, então, que muitas frutas apodreciam no chão por causa da avareza do homem.

Até que um dia um gaiato disse ao amigo:

– Hoje eu vou chupar laranja daquele pé.

O amigo retrucou:

– Essa eu quero ver, pois ele não dá laranja pra ninguém.

Decidido a chupar laranja do pé do munheca, o gaiato escolheu uma manhã de domingo quando acontecia uma missa fora da antiga Matriz. Foi de caso pensado, pois assim o esperto mancebo imaginou que o povo estaria entretido com as obrigações religiosas e não ia reparar na sua diabrura. Então, furtivamente, pulou o baixo muro da residência e começou a escalar o pé. Enquanto isso, na celebração religiosa chegara o momento da Comunhão. Lá estava o padre com uma hóstia na mão pronto para depositá-la na língua de um fiel. Nisso, uma mosca lhe incomodou. Ao balançar a cabeça para afugentá-la, seus olhos se depararam com o gaiato trepando no pé de laranja do mão de vaca. Como todo mundo conhecia todo mundo, logo o padre percebeu que aquele indivíduo não fazia parte daquele ambiente.

Naqueles tempos não era nada comum um desconhecido adentrar a uma residência alheia sem ser convidado. Por isso o padre se assustou e, acima de tudo, considerou aquilo uma invasão indevida. Já estava depositando a hóstia na língua do fiel quando, sem querer, “pensou alto”:

– Vai subindo, malandro!

As palavras do padre causaram um estupor nos presentes. Todos se espantaram com aquilo, ele, o padre, depositando a hóstia, o corpo de Cristo, na língua de um fiel e dizendo:

– Vai subindo, malandro!

O fiel recebeu a hóstia contrariado e, amuado, voltou ao seu lugar. O próximo ficou na dúvida com a atitude do padre. Mas foi assim mesmo. E o pároco:

– Subiu, né malandro!

Foi um constrangimento geral, pois ninguém esperava do religioso tanto desrespeito ao “corpo de Cristo”. Então, uma das mais devotas da paróquia resolveu se manifestar e questionou, em alto e bom som, a atitude do padre.

Para encerrar, tudo foi esclarecido e o gaiato devidamente pego com a “boca na botija”. O que aconteceu daí em diante não há relatos, mas sabe-se que o padre saiu ileso da enrascada.

* Fonte: Baseado em depoimento de José Rodrigues Filho (71) intitulado “O Roubo da Laranja”, sem data especificada, cujo documento original datilografado faz parte do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam, registrado como “Texto n.º 83 e “Fita n.º 05/A”.

* Foto: Antiga Matriz na década de 1930, do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho.

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