MINEIRINHO NA PRAIA

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

A grande frustração de muita gente em Periquitinho Verde é a de que a cidade não fica à beira-mar. É claro que não estou me referindo aos graúdos, aos financeiramente bem arranjados na vida, ou politicamente agasalhados em alguma boca rica na administração pública municipal, estadual ou federal, porque aí já é covardia, não é mesmo? Falo, sim, da plebe ignara, dos cidadãos cujo cotidiano é o da briga de foice no escuro para pagar as contas no dia do vencimento, porque o mês desse povo tem duração sempre maior que a do salário recebido.

Daí o desânimo que toma conta de quase todo esse pessoal quando chega o verão, época em que a vontade de ir à praia contamina os moradores da cidade como se fosse uma epidemia. Porque se a orla marítima estivesse logo ali, alguns quarteirões adiante, ou até mesmo um pouquinho mais longe, não importa, desde que os ônibus bairro a bairro quebrassem o galho dos interessados, então não haveria necessidade de se gastar tanto dinheiro com o bronzeado mixuruca da família, ninguém há de negar, mas ainda assim suficientemente moreno para que as suas mulheres, cheias de prosa, possam exibi-lo a conhecidos e desconhecidos, expondo a olhos anuviados pelo despeito a tira branca que a parte de cima do biquíni comprado à prestação deixou-lhes nos ombros. Pois essa é a prova provada de que haviam passado uns dias em Guarapari ou cercanias, sim senhora, e isso é para quem pode, e não para quem quer, não é mesmo?…

Mas se a alegria do periquitinhoverdense é passear no litoral sudeste todo princípio de ano, a fim de minimizar o desconsolo que sente por morar tão longe daquele mundão de água salgada que não exige condomínio dos freqüentadores, nem distingue os que podem dos que não podem, isso é problema do dito-cujo, e nós não temos nada a ver com isso. E se estou tratando aqui do que aconteceu no ano passado com o irmão mais novo do Nicomedes Prancheta, num desses lugares em que a mão divina caprichou na obra de criação, é porque ele próprio comentou comigo sobre o que considerava ser a implicância que certos capixabas têm em relação aos turistas do interior que todo mês de janeiro saem de onde moram e viajam centenas de quilômetros sem descanso, só para tomar na praia deles o banho de mar planejado com antecedência e financiado com sacrifício.

E que sacrifício!…

É o que acontece com o Nicomedes, dono de uma borracharia instalada na rua Doutor Masculino, perto da estação rodoviária. Ele, a mulher, filhos e alguns parentes mais chegados aproveitam todo princípio de ano para passar de quinze a vinte dias em alguma praia espírito-santense, e o esquema que utilizam para garantir a “grana” necessária funciona da seguinte maneira: a turma do borracheiro faz em janeiro uma previsão do montante das despesas que terão com o passeio – tanto para o aluguel da casa; tanto para a condução de ida e volta, tanto para alimentação, tanto para as bebidas, tanto para os extraordinários, e assim por diante -, sempre puxando um pouquinho para cima, porque doze meses é tempo pra burro e se ninguém sabe como vão ficar as coisas no amanhã, quanto mais daqui a um ano. Uma vez calculado o gasto presumido, ele é dividido pelo número de participantes – sempre em torno de vinte – para que possa ser então determinada a parcela correspondente a cada um deles. Depois, é só dividir o resultado por doze e pronto, está definido o valor da prestação mensal que cada cotista precisará entregar, de janeiro a dezembro, ao responsável pela caixinha das férias, no caso o próprio Nicomedes.

Entenderam?

E foi o que eles fizeram no ano passado, só que o Filomeno, vulgo Mineirinho, irmão mais novo do Nicomedes, decidiu integrar-se ao grupo praticamente em cima da hora. Dono de uma fazendola no distrito periquitinhoverdense de Boacura, ele havia vendido uns porcos no mês anterior, apurado os “cobres” e pago com parte deles o mesmo tanto que os outros já haviam desembolsado, ganhando assim o direito de embarcar serelepe para a beira do oceano Atlântico, “piscinão” que o moço conhecia apenas de nome porque nunca o tinha visto, nem de perto, nem de longe. Por isso não podia perder aquela oportunidade.

Assim foi que os visitantes chegaram já à noitinha ao lugar previamente escolhido, e depois de terem arrumado seus pertences o muito que fizeram foi dar uma volta pela beira da praia, a fim de apreciar o panorama que a lua cheia colocava a disposição dos seus olhos. Depois eles se acomodaram felizes e satisfeitos em um desses quiosques sempre encontrados em qualquer trecho da orla marítima, tomaram algumas cervejas, e em seguida foram dormir, pensando no dia seguinte.

Tão logo o sol despontou no horizonte a turma foi direto para a praia. As mulheres se lambuzaram com protetor solar e deitaram em seguida nas esteiras de palhinha que haviam levado, dando início ao imprescindível processo de bronzeamento epidérmico com que viviam sonhando nos últimos dois meses; as crianças passaram a brincar na faixa de areia aonde as ondas vêm morrer de cansaço depois de rolarem conformadas por quilômetros de mar aberto, em busca de seu destino; e os homens… bem, esses ficaram à beira d’água naquele chove-não-molha, naquele vai-não-vai que todos conhecem, um rindo da indecisão do outro quanto a molhar algo mais que a ponta do dedão do pé direito.

Foi nessa hora que o Nicomedes mexeu com os brios do seu mano Filomeno, e este, para mostrar que macho é macho, deu uma corridinha meio desajeitada até a linha da arrebentação, disposto a mergulhar, a dar cambalhota, a plantar bananeira, a pegar jacaré e tudo mais a que tivesse direito. Mas se limitou a uma agachadinha rápida na rasura, daquelas de abaixa, levanta e pronto, só para tirar a areia do calção, porque assim que viu de perto o mundaréu de espuma raivosa com que o mar o ameaçava, a coragem se foi não sei pra onde e ele tratou de voltar depressa para a segurança da areia seca.

Nesse instante aconteceu, então, o incidente de que desejo lhes falar.

O Filomeno, ou Mineirinho, é um homem dotado generosamente pela natureza de certo atributo físico masculino, desses cidadãos aos quais os gozadores costumam chamar maldosamente de três pernas, vocês entendem o que estou tentando dizer, não é mesmo? Como era marinheiro de primeira viagem nesse negócio de férias na praia, ele estava vestido apenas com um calção branco de time de futebol, mas a peça era de tecido mais fino que o necessário e por isso ficou meio transparente assim que molhou, e ainda por cima grudadinha na pele. Resultado: no momento em que o nosso amigo saiu da água, todo mundo percebeu a existência de alguma coisa estranha debaixo dos panos, tal como se um cabo de marreta tivesse sido guardado naquele lugar.

Os banhistas ali presentes se entreolharam espantados porque nunca tinham visto coisa igual. De um lado as mulheres com um sorrisão matreiro no rosto, de outro os homens com um ar de inveja que procuravam esconder a todo custo, mas logo todos começaram a comentar uns com os outros, em voz baixa, mas sem tirar os olhos dos quadris do Filomeno, que vinha caminhando pela areia totalmente inocente sobre o fato de ser ele o alvo da atenção do público ali presente.

Mas Nicomedes percebeu o que acontecia, e por isso acercou-se do mano e o avisou do que se passava. Este ficou surpreso com a revelação, olhou para baixo, examinou-se por alguns instantes, mas em seguida consertou o corpo, olhou em volta, e perguntou em voz alta aos banhistas que o encaravam, com cara de quem comeu e não gostou:

– Qué qui foi, uai!…Seus bobão!…  Vai dizê que quando oceis pula n’água fria o pintim doceis num incói tamem.

Compartilhe

You must be logged in to post a comment. Log in