DESGRAÇADOS E INFELIZES DE GUARATINGA

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A1TEXTO: JORNAL FOLHA DE PATOS (1945)

Uma nota deselegante desta formosa Guaratinga¹, nestas noites escuras de estação chuvosa, é o ajuntamento de menores abandonados e pedintes à porta do Cine-Tupan e dos principais cafés da cidade. Nada mais triste, do que contemplar o triste espetaculo, qual seja o de um pequeno maltrapilho penetrar num bar rodeando as mesas, de cigarro no canto da boca, para solicitar a miseria de um niquel. Ao vê-lo, sorridente, ficamos perturbados, pensando no seu destino. Qual será o seu futuro? Analfabeto, doente, ladrão, pronto para o crime, com a alma vasía de qualquer sentimento nobre… o pobrezinho vai vivendo, guardando no coração a esperança única de no dia seguinte continuar a sua vida infeliz.

Alguns apreciam-no, conversa com ele, outros o despresam. Mas, para quem nos visita não passa a figurinha desgraciosa, de um quadro horrendo, permanente exposição, demonstrativo da nossa incuria e crescente incapacidade para dar e encostar o nosso ouvido no peito de quem padece.

Quando nós ouvimos o barulho de movimentos novos, quando nós vemos barraquinhas levantadas nas esquinas das ruas, um raio de esperança enche de luz a nossa alma. Agora, sim, vai sobrar alguma coisa para os desgraçados e infelizes de Guaratinga! Pouco tempo depois os donativos angariados desaparecem misteriosamente, vão parar em mãos extranhas e em terras distantes e os nossos pequenos continuam esmolando, sofrendo, á véspera de um asilo, de uma roupinha melhor e de um alimento mais sadio, já que para o espirito ninguem se lembra de lhes dar uma cadea de pão amarelecido.

O homem que pensa e que observa não pode deixar de dar a sua opinião sobre o assunto, porque não é possivel deixar-se ficar indiferente, diante de tão cruciante problema. Os menores abandonados precisam de assistencia. Ter dó tão somente, lamentar a sua sorte, não resolve a situação. Quando se aglomeram á porta do cinema, o quadro ainda se torna mais deprimente. São palavrões que soltam aos berros, taponas, imitações dos filmes impróprios, gritos que deveriam ferir profundamente os corredores da nossa conciencia. No momento atual, quem não toma decisões firmes, ha de fracassar. Felizmente é o que se vê e o que se sente.

Uma nova atmosfera moral está impregnando os ares oxigenados de Guaratinga. Homens livres não querem ficar estacionados com simples palavras de protestos e de reprovação a tudo o que aí se encontra e se vislumbra. Um grupo pequenino pode transformar a mentalidade de uma população, sequiosa por uma experiencia nova, já cansada de tanta velharia e insatisfação espiritual. Uma arrancada gloriosa, uma luta pela conservação de um ideal, que não pode perecer, é o que está reservado para todos os que amam a liberdade e acreditam na vitoria final contra os prepotentes de qualquer ordem ou natureza!

* 1: O decreto n.º 1.058, de 31 de dezembro de 1943, mudou o nome de Patos para Guaratinga, que entrou em vigor no dia 1.º de janeiro de 1944. A revolta do povo patense foi tanta que o governador Benedito Valadares modificou o decreto em 03 de julho de 1945, caracterizando a denominação do município sob a forma de Patos de Minas. Leia em “O Dia em Que Patos Deixou de ser Patos I” e “O Dia em Que Patos Deixou de Ser Patos II”.

* Fonte: Texto publicado com o título “Ao calor de uma experiencia nova” na edição de 25 de fevereiro de 1945 do jornal Folha de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Pimentasnoreino.blogspot.com.br.

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