JORNAL “A CARAPUÇA” IRONIZA FUNCIONÁRIO PÚBLICO EM 1915

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CNos idos da primeira década do século 20 havia um funcionário da Câmara Municipal que tinha a incumbência de fiscalizar os cidadãos quanto a obediência ao Código de Posturas vigente. A cobrança era dura e as multas realmente aplicadas. Alguns exemplos: a lei n.º 122, de 22 de setembro de 1909, “manda fechar as casas comerciais estabelecidas nesta cidade, das duas horas da tarde em diante”; a lei n.º 126, de 23 de setembro de 1909, “modifica o sistema de cobrar multas por cada suíno apreendido nas ruas da Cidade”; a lei n.º 154, de 30 de setembro de 1912, “proíbe o plantio de arroz dentro do perímetro da cidade”; a lei n.º 168, de 05 de outubro de 1914, “autoriza o Agente Executivo a mandar fechar o patrimônio da cidade” (para que animais de criação não perambulassem pelas ruas e praças); a lei n.º 173, de 17 de julho de 1915, “proíbe amarrar animais nos postes de luz elétrica e telefones”.

O jornal “A Carapuça”, mordaz em seus textos, publicou um artigo em sua edição de 16 de setembro de 1915 onde ironiza o tal funcionário quando fiscalizava a obediência ao Código de Posturas referente às leis 122 e 168 e, principalmente, quanto à sua postura como profissional:

Domingo. Apòs a missa conventual, o nosso amigo fiscal foi dar um passeiozinho em torno do patrimonio, afim se verificar si alguma criação importuna estava calcando o terreno vedado.

As passagens das cercas estavam intactas, o patrimonio respeitado: tudo estava dentro da lei.

Com a consciencia tranquilla por ter cumprido o seu dever, recolhe-se o nosso amigo á sua casa, e atira-se, prazenteiro e cançado, à sua adorada caminha.

Morpheu vem logo bafejar-lhe a fronte, estreitar-lhe em doce e salutar amplexo.

Correm as horas e nosso bonissimo velhote, vagando, despreoccupado e feliz, pelas regiões infinitas do reino encantado d’aquelle deus pachorrento e gostoso, vira-se e revira-se mollemente no leito delicioso, sem se lembrar que o regulador publico, não fora contractado para martellar-lhe na cabeça, chamando-o á fiscalização.

Duas e meia badala o sino da Matriz.

O nosso amigo ouve, confusamente o badalar do sino e diz para o seu macio travesseiro: – “Bem, posso ainda somnecar uma hora, pois, bateu agora uma vez…”; vira-se para o canto e zaz: nova somneca.

A’s duas horas e meia ainda a sua empreitada não estava concluida.

A’s trez elle acorda-se sobresaltado, como si um barbeiro lhe dera um beijo catingoso em a ponta do nariz.

Levanta-se de um salto e consulta o relógio: – “Duas horas! Diz elle. Sou pontual como inglez!” e sai, ás pressas, a fiscalizar, a ver si os negociantes estão respeitando a lei.

Chega-se em frente a um negocio, justamente, no momento em que o proprietario fecha as portas.

“Então! exclama elle; o pessoal está correcto! Mas o relógio bate duas horas… portas fechadas!…”.

Mas, è que o nosso amigo, ainda tonto pelo somno, ao consultar o relogio, viu sobre as duas o ponteiro grande… quando o ponteiro pequeno já cavalgava, ha dez minutos, nas trez.

E assim é que se escreve a história.

* Fonte: Texto publicado com o título “História Verdadeira” e assinado por “Lorota” na edição de 16 de setembro de 1915 do jornal A Carapuça, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Gartic.com, meramente ilustrativa.

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