LOBISOMEM DE PRATA DOS NETOS, O

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Nos tempos em que o município de Presidente Olegário era distrito de Patos de Minas e se chamava Santa Rita de Patos¹, ocorreu um fenômeno estranho na localidade de Prata dos Netos, mais precisamente na Fazenda dos Peixes, de propriedade do Sr. Ilídio Baltazar de Araújo.

O Sr. Ilídio (55), selador de profissão, apesar de ter conseguido completar apenas o 3.º ano primário era muito inteligente e ativo em sua lida diária na roça. Numa de suas inúmeras lembranças da infância, conta ele que no período da quaresma costumava aparecer pela região uma criatura estranha que todos afirmavam ser um lobisomem. “Eu me lembro, na época eu tinha uns cinco, seis anos de idade mais ou menos e quando chegava a coresma dava de escurecer eu fechava a porta e janela lá na fazenda e ficava naquele medo”.

O que se comentava a respeito do bicho em toda a região não diferenciava muito da versão do Sr. Ilídio. “Ele sai nas fazenda, comia cachorrinho novo, gatinho novo, diz que vai nos rim dos porcos, vira três cambalhotas e vira lobisomem. Depois à meia noite em ponto ele tem que voltar a da três cambalhotas ao contrário e disvira. Mas a essas alturas ele já comeu muita coiserada, inclusive comeu os leitãozinhos da porca do meu tio, comeu os cachorrinho novo do meu pai. Ai quando voltava a ser pessoa ele caia na cama doente, até chamava a vizinha Lourença Rodrigues, que era muito boa pa tratar dessas coisas assim, com oração e fazia chá caseiro, era um prejuízo terrível, era os leitãozinho e cachorrinho, ele devorava tudo, não pudia matar capado que ele virava lobisome e comia tudo o intestino do porco”.

Numa certa noite, o pai de Ilídio conversava com dois amigos. De repente, um dos cães da propriedade rural começou a latir desesperadamente. “Meu pai levanta e abre a porta da cozinha, a lua clara, tem um bichão preto sentado debaixo do baldame de aroeira de mais ou menos um metro e meio de altura, daquele bichão preto esquisito sentado debaixo do baldame, virado com as costas pro lado da porta da cozinha. Não demorou muito e outros cães do lugar começaram a latir. Uns cinco cachorro vigiano ele e ele bateno o queixo lá, bateno os dentes que aquilo estralava, estralava igual um bando de quexada lá no mato”.

Aquela aparição estranha e o latido da cachorrada assustaram a todos. Rápido nas atitudes, o fazendeiro se armou com uma garrucha. “Aí meu pai pegou uma garrucha grande de porveira dois canos e armou ela, dos dois canos e puxou. No ele puxar o gatilho o bicho saltou de banda. Uma coisa mais atrapalhada, os chumbos pegou tudo de baixo, até a bucha de porva pegou debaixo lá da onde o bicho tava e ele saltou por cima dos cachorro. Imediatamente após o tiro, a cachorrada partiu para cima da criatura, tentando mordê-la, mas o bicho se esquivava de tudo quanto era jeito e disparou em fuga. Ele corre jogando os quartos prum lado e outro e os cachorro naquela ânsia de morder, mas nenhum num consegue morder. E aí o bicho desapareceu”.

No outro dia, o acontecimento andava de boca em boca em toda a comunidade de Prata dos Netos. E assim foi toda a semana seguinte. Não demorou muito surgiu como um raio o comentário de que um homem chamado Mané Bunitu, morador nas redondezas e conhecido da família, se transformava em lobisomem. Foi então que os pais do garoto resolveram visitar o vizinho para assuntar sobre o que estava acorrendo. A conversa fluía regularmente quando Mané Bunitu pediu licença dizendo que ia conferir uma arapuca armada numa matinha ao lado. A esposa estranhou a atitude do marido, pois sabia que não havia nenhuma arapuca armada. Desconfiada, também pediu licença dizendo que ia ajudar o Mané, e saiu com a velocidade de um foguete, nem dando tempo para ouvir as visitas se oferecendo para acompanhá-la.

Não demorou muito a mulher encontrou uma criatura muito estranha numa encruzilhada. Ele a viu e correu em sua direção. Apavorada, ela subiu numa árvore e mal acreditou que estava diante de um lobisomem. “O lobisomem ainda segurou sua saia e mordeu a saia que ficou até pedaço de linha da saia de baieta. Antigamente falava num tecido com nome de baieta, parecido com lã. Lá de cima, vendo a criatura se afastar, a mulher teve a certeza absoluta de que o lobisomem era mesmo o seu marido. Foi então que resolveu quebrar o encanto do Mané Bunitu”.

O povo comentava que o Mané Bunitu se transformava em lobisomem quando comia os intestinos de porco. Então a mulher matou um bem gordo e guardou-o na despensa da casa, deixando a porta aberta. Às sete e meia da noite ele entrou e começou a comer as entranhas do animal. Mané, já transformado no bicho, não viu a esposa chegar em silêncio e trancar a porta. Mané “Lobisomem” Bunitu não esperava se ver trancado num espaço tão pequeno. Começou a gritar com estardalhaço. “Ele assustou e desvirou lá, quebrou o encanto dele. Ela falou uai que barulho é esse? Ele falou, não, é eu muié. Eu tô aqui, pelo amor de Deus, ocê me esqueceu, me trancou aqui. Vem cá abrir a porta senão eu não saio”.

A esposa deixou o marido trancado na despensa até as dez horas do outro dia. Durante todo este tempo ele não parou de gritar e até pedir “pelo amor de Deus” para a mulher abrir a porta. “Ela abriu a porta e ele tava lá pelequim lá, todo nu de tudo, falou: – Minha nossa senhora, pelo amor de Deus. É ocê mesmo seu cachorro, seu cafajeste, ocê é um pilantra. Ai arrumou a roupa pra ele, ele vistiu a roupa e vei pra dentro. E desse dia em diante quebrou o encanto dele. Mas foi a sorte dessa senhora, senão um dia ele ia comer era ela achando que era gatim novo, né!”.

O Sr. Ilídio não sabe explicar porque o “encanto” foi quebrado quando Mané Bunitu foi trancado pela esposa na despensa, mas diz que vire e mexe ouve gente dizer que ainda tem coisas estranhas acontecendo em Prata dos Netos.

* 1: O Decreto-Lei Estadual nº 148, de 17 de dezembro de 1938, desmembrou do município de Patos o distrito de Santa Rita de Patos para constituir o novo município de Presidente Olegário.

* Fonte: Projeto Raízes Culturais da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da FEPAM (Categoria História Oral – Causos e Narrativas), em pesquisa de Andréia Mendonça Carvalho e Silvana Reis (10/09/1999), do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto de rfitaperuna.com.br.

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