JUCA MAROTE, O MÉDIUM, EXPLICA O BRASIL

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3Nos seus 80 anos bem vividos honestamente, Juca Marote tem uma conversa mansa que transmite aos mais chegados diversos ensinamentos sobre a vida. Espírita convicto, vire e mexe conta experiências mediúnicas que às vezes dá o que pensar. Nós, os amigos, já nos perguntamos se ele estava ficando lelé da cuca. Ninguém concordou, pois o Juca Marote é 99,99% íntegro e nunca deu sinais de que estivesse sofrendo de qualquer sandice mental dessas propaladas pela Ciência. E, venhamos e convenhamos, suas narrativas de contatos com seres que já se foram para o além são por demais divertidas e, evidente, realíssimas!

Certo dia eu estava numa roda de bate-papo ao lado do prédio da Recreativa. Reclamava acintosamente da corrupção desenfreada no Brasil quando chegou o Sr. Juca. Ao ouvir o que eu falava, cumprimentou a todos e puxou-me lentamente pelo braço conduzindo-me pela General Osório em direção à Getúlio Vargas. Não estranhei o fato, pois sabia que o nobre senhor queria me dizer alguma coisa em particular. Enquanto caminhávamos ele disse que há muito tempo teve um contato mediúnico com o navegador português Duarte Pacheco Pereira, que tem tudo a ver com a minha decepção com o país. Duarte Pacheco Pereira? A pergunta ressoou poucos segundos na mente, pois o Sr. Juca já foi explicando quem era Duarte Pacheco Pereira.

– O Duarte chegou a esta terra hoje chamada Brasil em 1498 a mando da Coroa Portuguesa. Obviamente os portugueses se consideram os legítimos descobridores, o que é uma tremenda asneira, isso é pela vontade deles, é uma bobagem essa de descobrir o Brasil, pois até os sumérios em priscas eras estiveram aqui antes deles e também muitos outros, até os vikings…

– Uai, e o Cabral? – perguntei interrompendo sua fala.

– Baboseira. Depois que o Duarte voltou com tudo documentado mandaram aquela imensa esquadra do Cabral só para oficializar a descoberta.

E o Juca foi explicando o imbróglio. Antes de sentarmos num banco em frente à Escola Normal ele parou diante do busto de Olegário Dias Maciel. Ali ficou uns trinta segundos, olhando… olhando. Depois direcionou seu olhar para a casa que o Olegário construiu. Mais uns trinta segundos com direito a um profundo suspiro. Aí sentamos e ele começou a falar.

– Toda vez que eu passo por aqui muitas coisas me veem à mente. Há intensa energia nesta região da cidade. Patos de Minas teve muitos homens honrados que contribuíram demais para seu progresso. Um deles pediu para o Duarte me contatar. A coisa é assim, vai de médium para médium. Este nobre homem morreu triste, muito triste por saber o que estava acontecendo no seu tempo e, pior, por saber que a coisa ia ser muito mais trágica no futuro. Tudo isso o Duarte contou a ele e há tempos me contou. Duarte e toda a sua tripulação foram recebidos pacificamente pelos habitantes daquela terra, seus legítimos donos. À noite reuniram-se em volta de uma imensa fogueira, mas o português não entendia nada do que os indígenas falavam e vice-versa. Foi então que o Duarte entrou em transe e este transe foi correspondido numa sessão mediúnica impressionante. Aí os nativos perceberam que todos eles estavam condenados à extinção com a futura chegada de milhares e milhares de outras naus, e naquela mesma noite, com a anuência e compreensão de Duarte, criaram uma maldição para os vindouros visitantes: qualquer um que chegasse àquela terra estaria irremediavelmente condenado a ser hipócrita em todos os sentidos tornando inviável a formatação do que Duarte entendia como Nação. Somente não sentiriam os efeitos da maldição os verdadeiros homens, e estes, na visão dos nativos, seriam raríssimos por aqui, insuficientes para qualquer ação corretiva.

O sábio senhor deu uma pausa e suspirou profundamente. Ficou um minuto em silêncio, pensativo, ora olhando para o busto ora para a casa do Olegário. Foi a deixa para eu perguntar:

– Sr. Juca, quem foi o honrado patense que pediu ao Duarte para te contatar?

O octogenário e sadio senhor encarou-me com uma serenidade instigante. Percebi um leve sorriso irônico em seus lábios, sorriso que se transformou numa farta gargalhada, esta nada irônica. Firmado o semblante, disse-me:

– Você não é médium e não está preparado para saber quem era o nobre homem. Talvez algum dia… então, como eu estava dizendo, o Duarte era muito amigo do Cabral e contou tudo a ele sobre a maldição dos índios. Quando Portugal resolveu armar a esquadra para o Cabral vir ao Brasil para oficializar o fajuto descobrimento, Duarte fez tudo para o amigo desistir da empreitada, sem sucesso. Então, antes de chegar à costa brasileira, Cabral começou a sentir estranhas sensações. Andava amuado, gritava muito com a tripulação e a coisa piorou quando percebeu que estavam mexendo nas suas coisas, na cabine dele. Até que um dia deu falta de várias moedas de ouro.

Juca Marote deu mais uma pausa, olhou para o chão, olhou para os lados, para cima e fixou o olhar na casa do Olegário. Respirou profundamente e voltou a falar.

– O Cabral, ao invés de tomar uma atitude sobre o roubo, sentou e foi aí que ficou em transe. Foi um contato espiritual do Duarte, e nele, o Duarte disse que a maldição indígena estava atuando nos tripulantes.

2Eu sabia que o Juca Marote era muito bom da cabeça, tinha uma memória fantástica e, principalmente, nunca foi chegado a conversa fiada. E que história ele me contava!  Olhei para aqueles cabelos brancos, para aquele rosto que denota incrível credibilidade, e me perguntei se, desta vez, pela primeira vez, o nobre Juca estava delirando.

– Resignado, Cabral nada reclamou à tripulação, mas trancou a porta de sua cabine. Já com a certeza do Duarte na cabeça, quanto mais se aproximava do Brasil mais o Cabral ficava amuado por saber que a nova terra já nasceria fracassada. E assim foi até o fatídico dia que a gente conhece muito bem: a farsa de 22 de abril de 1500.

– E teve mais roubos na cabine do Cabral? – perguntei com seriedade.

– Arrombaram duas vezes, meu caro, duas vezes, e mais moedas se foram, e o Cabral não falou nada, ficou quietinho, pois sabia que jamais conseguiria consertar aquela gente amaldiçoada. Ele queria mesmo era chegar, oficializar a descoberta e cair fora daquela terra.

– Pelo que já li a respeito, a esquadra de Cabral era muito grande, com dez naus, três caravelas e uma naveta de mantimentos. Também aconteceram roubos nelas?

– Sim, em todas elas, porque o Duarte foi claro em dizer que, exceto raríssimas pessoas de integridade inabalável, como eram Cabral e o Frei Henrique de Coimbra, todos que se aproximassem daquela terra seriam amaldiçoados para sempre, juntamente com seus descendentes. Ele não me falou a respeito dos outros comandantes. Mas, então, meu prezado, eis que chegou o grande dia, e o Cabral mais acabrunhado do que nunca. De repente, o marinheiro que fica lá naquela cesta no alto do mastro principal do navio, a gávea, gritou com força: – Terra à vista!

Pela terceira vez, Sr. Juca se calou. Como nas duas anteriores, olhou para o busto e depois para a casa do Olegário. Quando voltou a falar, senti muita emoção nas palavras.

– A Patos de antigamente, entre o fim do século 19 e início do século 20, era dominada por duas famílias, uma católica e outra protestante. Mesmo o Allan Kardec já ter publicado o seu famoso Livro dos Espíritos em 1857, naqueles tempos falar de “espiritismo” aqui era o mesmo que ser condenado à morte. Entretanto, dois líderes da cidade, um de cada família, tinham dons mediúnicos mantidos em total segredo. E estes dois tiveram contato com o Duarte e o Cabral. Um deles foi o que mais sofreu com o futuro lhe apresentado. Sofreu demais, em silêncio. Ele não se conformava que este país nunca seria uma nação séria, e que sempre estaria nas mãos de corruptos e corruptores. Ele que tanto fez por esta Cidade, pelo Estado e pelo Brasil, ficou deprimido por saber que nenhum esforço, por mais heroico que fosse, transformaria esta terra numa nação gloriosa. Quem sabe, ele nunca me disse, mas quem sabe a morte dele… hum, deixa isso pra lá. Mas como eu estava dizendo, depois do grito do cara da gávea, um Cabral desanimado, extremamente entristecido e conformado com a desilusão do fracasso, olhou para cima e, praticamente por instinto, em voz potente, já prevendo o futuro, respondeu: – Monte de que?

Após estas palavras, Juca Marote se levantou e eu, incontinente, o segui. Ele colocou a mão direita sobre o meu ombro, olhou fixo nos meus olhos e disse:

– Olhe para o passado. O Brasil foi “descoberto” pelos portugueses há 517 anos. Pois é, caro amigo, já se foram 517 anos e hoje ainda somos um projeto de país com inúmeros e inaceitáveis bolsões de pobreza. Todos que aqui chegaram, com raríssimas exceções, espoliaram de alguma forma esta terra passando às vindouras gerações os seus “atributos”, e assim adiante. A Coroa Portuguesa, a espoliadora-mor, chegou a enviar fiscais para vigiar os donatários, tamanha era a roubalheira que eles praticavam. Mas, não demorava muito, praticamente todos os fiscais caiam nas garras da maldição e se juntavam aos espoliadores. O que o Império roubou do Brasil em prol de Portugal não dá para mensurar. Em todos os períodos governamentais, sem uma única exceção, aconteceram inúmeras fraudes que consumiram bilhões e bilhões de dinheiro, nunca recuperados. A maldição, amigo, é fatal. Não há solução. Os dignos, meu prezado, os dignos são raros, muito raros, tão raros que não conseguem formar um exército suficiente para combater os contaminados pela maldição. Sempre foi assim e sempre será. Hoje, os remanescentes daquele povo legitimamente donos da terra, os criadores da maldição, estão próximos do fim e nem mais se lembram do passado, só esperando o suspiro final do último membro. Mas não desanime, lute contra isso e jamais se esqueça: você faz parte do exército dos dignos. Captou a mensagem? Espero que, enfim, tenha compreendido o motivo da atual situação do país e não perca tempo por aí em especulações inúteis.

Juca Marote, o Médium, saiu a passos lentos em direção à Praça Dom Eduardo. Olhei para o busto e a casa do Olegário e uma imensa desilusão tomou conta de mim. Fazer o que?

NOTA: Esta narrativa é de inteira responsabilidade do Sr. Juca Marote Silva Lioso. Qualquer um que se sentir contrariado com nomes e situações inseridos no texto favor entrar em contato com o Advogado Marcos Tumeiro. 

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto 1: Dinheirama.com.

* Foto 2: Webservos.com.br.

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