GOSTO NÃO SE DISCUTE NEM O MACUCO

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2Lá estava o Ademar Mota com suas elucubrações sobre o famoso “gosto não se discute”. A turma, dez veteranos mancebos acomodados na manhã de um domingo num buteco do Mercado Municipal, até que estava no ritmo das explicações do amigo, apesar de alguns torcerem o nariz. Afinal, gosto é um troço esquisito pra caramba. Tão esquisito que quando chegou o tira-gosto, tirinhas de fígado acebolado, daqueles típicos do Mercado Central de BH, o placar foi de seis a quatro contra.

– Pô, fígado? – reclamou o Amador Mitório.

– Deixa de cê burricido – retrucou o Oscar Bureto.

Não demorou muito e veio um picadinho de contrafilé. Foi unanimidade. A conversa então prosseguiu no assunto. Inevitavelmente, a paixão futebolística tomou conta da discussão. E tome Atlético pra cá, Cruzeiro pra lá, URT, Mamoré e até lembraram os áureos tempos do Gavião Esporte Clube da década de 1960. E sobre as manias dos jogadores atuais, entraram na conversa os brincos e os cabelos armados. O mais contundente foi o Agripino Nato:

– Fico imaginando o cara no vestiário em frente ao espelho tirando os brinquinhos e armando um coque no cabelo. Ora, vá ver se estou lá na esquina, o cara devia é jogar bola e não ficar com essa viadagem…

Não deu pro amigo terminar a frase, pois o Gabriel Dorado interviu:

– Cuidado, Agripino, gosto é gosto e essa de dizer que só pelo fato dele usar brinco e fazer coque no cabelo não quer dizer que é viado e além do mais isso de falar da boca pra fora dá cadeia.

E tome zunzum, cerveja geladíssima, pinga de alambique e acepipes, cada um no gosto de cada um. De repente, não mais que de repente, o Alan Terneiro jogou na conversa a mania das tatuagens nos braços e os cortes esdrúxulos de cabelo dos jogadores de futebol. Foi o suficiente para uma pausa, longos suspiros. O primeiro a comentar o assunto foi o Vital Mude:

– Gente, tô com 60 anos de idade, vocês sabem que tive criação religiosa rígida, no meu tempo tinha o tal do macuco, aquela sujeira encrostada na pele que a gente novo não fazia questão de tirar e meus pais viviam danando comigo. Quantas vezes minha mãe me pegou com aquela bucha vegetal e passou até ferir, só por castigo. Lembro também que todo mundo se incomodava com manchas nos braços porque é feio pra chuchu, as pessoas usavam qualquer produto químico pra tirar as manchas e quem não conseguia só usava camisa de mangas compridas pra não mostrar as manchas. Cheguei a ouvir de parentes que estas manchas eram coisas do capeta, de punição. Agora, taí, os caras com os braços manchados de tatuagens, coisa horrível.

Mal o Vital acabou de falar, o Astolfo Dido não perdeu tempo para interpelar:

– Ó Vital, deixa dessa mania de criticar o gosto dos outros. Eu também já tive muitos macucos quando era criança. Se os caras hoje emporcalham os braços com tatuagens, o que é que você tem com isso? Cada um faz com seus braços o que quiser e a gente tem que respeitar. Deixa de ser quadrado, cara!

A discussão corria solta quando, serenamente como sempre, chegou o Sr. Juca Marote, a sapiência em pessoa, que tinha ido ao Mercado para comprar açafrão na loja do Zelito Mate e ouviu a conversa ali de pertinho. Todos cumprimentaram o velho amigo com carinhos esfuziantes esperando seus dizeres, que não demoraram:

– Prezados amigos, também sou da época do macuco, não aquela ave sul-americana de grande porte da família dos Tinamidae, mas das sujeirinhas agarradas à pele. Concordo que preencher os braços com tatuagens é feio pra caramba, mas, gosto é gosto, não se discute. Vocês não apreciam, mas outros apreciam, eis a questão. Cada ser humano tem a sua mania, cada de um de vocês tem uma mania que, de vez em quando, é injuriada na base da gozação, mas a coisa fica restrita ao grupo por causa da amizade. Vivam suas vidas da melhor maneira possível sendo útil aos outros, não importando se têm tatuagens, rabos de cavalo ou piercings na pleura. Se é questão de autoafirmação ou não estou me lixando porque cada um é que sabe onde seu calo dói. Eu não perco um segundo do meu tempo me preocupando com isso. Como escreveu o Eduardo Gudin, “o que importa é que a nossa emoção sobreviva”. E assim, vou seguindo meus finalmentes da vida procurando ser útil à sociedade de alguma forma. Parem de perder tempo preocupando-se com a vida dos outros, mas jamais deixem de ajudar o próximo!

O médium Juca Marote se foi com um leve abano de mão. Foi o suficiente para a turma pedir a conta e passar a régua na discussão.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Nativaperiodico.wordpress.com.

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