FESTA JUNINA DE 1955

Postado por e arquivado em ARTIGOS.

2TEXTO: DÉLIO BORGES DA FONSECA (1955)

Para todos quantos já passaram a casa dos 30, como eu, ou então a dos 40, como o Pai Vaca e o Dr. Luiz Alves de Oliveira, não deve ser lá muito canja sair de noite com este frio. Mas a gente sái assim mesmo, vai a estas festas juninas, tão belas, tão evocadoras e tão brasileiras, vencendo a indolência e o comodismo, que nos faz tão anti-sociais e egocêntricos.

Por causa daquele frio bruto que quási me matou, quando da festa das debutantes, em benefício da cantina do grupo escolar, apezar de estar equipado com dois pares de meias e pijama por baixo da roupa, supuz que a festa lá da praça de esportes, seria um autêntico fracasso. Não obstante o meu escasso entusiasmo por qualquer tipo de festa, lá fui eu, levando comigo a D. Déa, minha mulher, e este broto bonito cá da família, que é a Dilzóca, Dilze Mundim, para que não exista a menór sombra de dúvida, para que tudo fique muito bem explicado, tudo muito “bene-dicto”.

Devo dizer de início, que a festa foi uma surpresa. Uma agradável surpresa. Um sucesso. Debaixo daquele caramanchão pitoresco, imaginado, executado e decorado a caráter, sob a inspiração deste grande apaixonado pelas coisas belas da vida, por este presidente de praça de esportes, que a sêca do Ceará fêz brotar e florescer em Patos de Minas, divertiu-se a valer a melhor sociedade patense.

Parabens ao Dr. Luiz Alves de Oliveira, sempre alegre e sempre jovial, que sabe contagiar de entusiasmo as suas magnificas realizações. Observei, a certa altura dos acontecimentos festivos, que o Arialdo Frazão, este rapaz que tanto tem de feio como de simpático, estava imensamente sério e compenetrado, com muita clásse, bailando com uma senhorita bem bonitona. Puxou o pai, disse logo o José Frazão, que estava perto, com o que parece não ter concordado o Dr. Ximenes de Morais, nosso amigo comum, que ouvira a conversa. Quanto a mim, sou neutro. Digo no entanto, que o Arialdo deveria abrir um pouco aquela carranca e deixar à mostra o seu temperamento de gaiato.

Apostei 50 pratas, com um cidadão entusiasmado que estava perto, como ele não sería capaz de arranjar uma senhorita, para ir tirar o Arnaldinho Magalhães para dar uma dançada; negócio feito. Dalí à pouco, estava eu desapontado, pois o rapazola saiu dançando tranquilamente, convencidamente, com o brôto que o solicitara… Diría o meu bisavô: esses rapazes de hoje são mesmo de morte!

E o tempo foi correndo, foi passando, foi voando, o povo dançando, eu bebendo uma cervejota e botando reparo no pessoal que estava ali por perto. O Ilidinho Pereira, e dois dos irmãos Carvalho, lutavam desesperadamente contra o frio, na meza ao lado, bebendo um negócio branco que estava dentro de uma garrafa muito grande, de embrulho com um negócio preto que estava numa garrafa muito pequena. Gin com coca-cola, pensei. Não há frio que aguente.

A Cléa Nice, que é também de Oliveira Gondim, filha de um dos sócios proprietários desta grande U.R.T., improvisada em “lady crooner”, abrilhantou e deu mais vida à magnifica orquestra, com o seu entusiasmo vibrante e com a sua vozinha prá lá de bôa. Cantou umas coisas que eu não me lembro mais, por que a luz estava apagando à tôa. Mas isto não faz mal. A orquestra, batuta mesmo, com o maestro Zico Campos dando magníficas arcadas em seu violino, e um acordeonista magnífico, deste de feichar o comércio ou de desabotar o botão do paletó.

Quando eu saí para dar umas voltas no salão, simulando qualquer coisa, que talvez estivesse mesmo longe de ser dança, e unicamente para satisfazer a insistentes apêlos de pessôas caridosas, interessadas em meu desinferrujamento, foi um autêntico chuá!

O Eurípedes, como diz a D.ª Etinha, ou então o Pai Vaca conforme digo eu, pôz o ouvido à escuta, muito atento, quando se aproximou aqui do papai… Estava ouvindo ruídos extranhos, lembrando o atrito de coisas sólidas, sem unto e sem lubrificação. Fiquei atento, para descobrir então, que eram as minhas proprias juntas, duras, precisando de oleo de máquina, fazendo dueto com as ilustres juntas do ilustre casal, que morava lá no bréjo do Mamoré. Serviu prá rir e rimos a valer. Quando a fé, como diria um cronista nascido lá na Lagôa Formosa, a luz começou a piscar, a acender e a apagar, trazendo a intranquilidade a muita gente.

Vimos então, aparecer o sr. delegado de polícia, acompanhado de 3 ou 4 soldados e de 1 detetive com o chapéu quebrado na testa! O que teria havido, para precisar de tanta polícia?…

Não demoramos muito em obtermos a resposta à nossa indagação. Dentro em pouco, saia o meu amigo delegado, levando consigo a minha afilhada Nilza. Acontece que a Nilza, é filha adotiva do sr. Simão Pascal, xerife nas horas vagas. E houve muita coisa mais, minhas senhoras e meus senhores! Muita moça casadoira fingindo displicência, dando uma de suas derradeiras cartadas, e muito solteirão à procura daquela que será o pesadêlo de sua existência bôba. Mas isto fica para outra vez… e depois eu conto.

* Fonte: Texto publicado com o título “Festa Junina” na edição de 12 de junho de 1955 do jornal Correio de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Soucatequista.com.br.

Compartilhe