DIREITOS TRABALHISTAS

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

O advogado trabalhista Chico Silva, paladino defensor dos assalariados que recebem sem justa causa o bilhete azul em seus respectivos empregos, foi contratado pelo sindicato dos funcionários públicos municipais de Periquitinho Verde para representar a entidade em uma ação reivindicatória que ela pretendia apresentar à Justiça do Trabalho.

Tudo começou quando o João Muvuca, diretor daquela associação de classe e jornalista atuante na imprensa escrita local, descobriu que as pessoas que trabalhavam em caráter efetivo para o poder executivo de qualquer um dos três níveis de governo, estavam tendo suas férias anuais prejudicadas de forma absurdamente injusta, apesar desse direito ser garantido aos assalariados por força da lei que regula as relações de trabalho entre empregado e empregador.

Esse assunto foi debatido primeiramente pela diretoria do sindicato em questão, que estudando as alegações feitas pelo Muvuca, todas estribadas nos direitos de quem presta serviço à administração pública, concluiu pela pertinência da reclamação judicial por considerar que dessa forma talvez fosse possível eliminar um dos resíduos da “herança maldita” deixada pelo grupo político que havia deixado o poder.

O segundo motivo prendia-se à necessidade de que o sindicato cumprisse a sua destinação e liderasse seus associados de forma efetiva na luta pela preservação e/ou reconquista de prerrogativas paulatinamente escamoteadas ao funcionalismo de carreira, seja por vontade própria de quem o fazia, seja por interpretação incorreta daquilo que a legislação concede ao cidadão. O que, no caso em tela, era o que acontecia aos funcionários da prefeitura de Periquitinho Verde.

Na assembléia realizada pela entidade, o João Muvuca, ao expor o ponto de vista que defendia, explicou que como a matemática é uma ciência exata, ou seja, não convive com hipóteses, essa tinha sido a razão pela qual o trabalho de pesquisa que desenvolvera buscara apoio nesse rigor implacável, justamente para evitar a possibilidade de que erros de avaliação pudessem contaminar o resultado final. E complementando esse trecho de sua fala inicial, enfatizou aos presentes:

– Quem somar dois e dois sempre vai encontrar quatro… Aqui e na China… Pois é isso mesmo o que acontece com os dados levantados em minha pesquisa.

Em seguida, acercando-se de uma prancheta de desenho colocada verticalmente em um cavalete, bem à vista de todos os presentes, ele principiou a escrever alguns números na folha de cartolina branca que nela se encontrava presa, enquanto dizia:

– Acompanhem o meu raciocínio: o ano tem 365 dias, e cada vez que completamos um período desses em nosso posto de trabalho, que é o local onde nos colocamos à disposição do empregador para o cumprimento das tarefas que nos são atribuídas por ele ou seus prepostos, adquirimos direito a 30 dias corridos de férias remuneradas. Certo? Pois então vamos fazer umas continhas. Cada dia do ano tem 24 horas, mas dessas, cerca de 12 correspondem ao período noturno, dedicado ao repouso, e que por isso mesmo deve ser desconsiderado no cálculo do tempo em que permanecemos efetivamente à disposição do empregador.   Porque, vejam bem, durante essa dúzia de horas nós podemos ser qualquer coisa – pai, mãe, filho, namorado, estudante, telespectador, dorminhoco -, menos funcionário público municipal, e sendo assim, o desempenho de nossa obrigação funcional ficará restrito ao restante do tempo não utilizado, melhor dizendo, às outras 12 horas do dia, que correspondem então (e fez as contas) à metade de 365, ou o equivalente a 182 dias e meio de trabalho.  Vamos arredondar para 182, que é para ficar mais fácil. Acompanharam o raciocínio?

Aí ele esperou um pouco, para que a platéia pudesse assimilar devidamente o que tinha sido dito, e depois prosseguiu:

– Acontece que o ano tem 52 sábados e o mesmo número de domingos, o que corresponde a 104 dias em que não trabalhamos porque a prefeitura está fechada também por força de lei, e se assim é, precisamos fazer a mesma coisa, retirando-os daquela que seria a nossa jornada de trabalho obrigatória. Então, se os finais de semana não são levados em conta, então vamos deduzi-los do saldo da conta que fizemos anteriormente (e tornou a escrever no papel), isto é, subtraímos 104 dos 182 que sobraram na primeira conta, e ficamos então com quanto?

– Setenta e oito – responderam os sindicalizados em coro.

– Ótimo, pessoal, estou vendo que vocês estão atentos. Precisamos considerar, também, os feriados nacionais, estaduais e municipais, os dias santos e pontos facultativos, que são em torno de vinte e um, mais ou menos, porque o número certo vai depender de alguns deles caírem numa terça, ou quinta, pois nesses casos, ou a segunda, ou a sexta, vão de embrulho. Quanto sobra, então?

– Cinqüenta e sete dias! – alguém gritou.

– Cinqüenta e sete dias! Muito bem! Deixemos esses números de lado, por enquanto, porque precisamos fazer outra conta. Já verificamos que o funcionário municipal está desobrigado do trabalho (e apontou para o papel na prancheta) em 125 dias do ano normal, sendo 104 dos sábados e domingos, e 21 dos feriados e dias santos. Sobram, portanto, 240 dias úteis, nos quais o cumprimento de um horário de trabalho de 8 horas na repartição é inevitável, com intervalo de hora e meia para o almoço. O que temos?

Nesse ponto ele fez outra pausa, observou a platéia, percebeu que a curiosidade estava estampada na fisionomia dos presentes, e por isso tratou de prosseguir com sua explanação:

– Sabemos que o dia deve ser dividido em dois períodos de doze horas: o noturno, que não consideramos por razões óbvias, e o diurno, em que desempenhamos nossas atividades. Se ao longo dessas doze horas o funcionário municipal trabalha oito, com intervalo de noventa minutos para almoço, significa dizer que durante cinco horas e meia ele é um cidadão comum porque não está em horário de trabalho, e se multiplicarmos esse tempo por 240 dias úteis, encontramos 1.320 horas, ou 55 dias. Compreenderam?

Todo mundo fez que sim com a cabeça, e o Muvuca continuou:

– Vamos juntar agora as duas contas. Nessa, que acabamos de fazer, descobrimos que as horas não trabalhadas durante o período diurno correspondem a 55 dias. Por outro lado, verificamos anteriormente que os dias efetivos de prestação de serviço são em número de 57, dos quais devemos descontar esses 55 que levantamos agora. O que acontece? Sobram dois dias, vejam bem, dois dias!  Ocorre que a legislação nos concede anualmente trinta dias de férias, e é justamente aí que os nossos problemas têm início, porque se esse descanso nos é imprescindível, se precisamos dele para recuperar as energias gastas, para aliviar possíveis estresses, para readquirirmos a disposição de que precisamos como funcionários públicos prontos a reiniciar uma nova etapa de laboriosa faina diária, o que podemos fazer diante dessa situação tenebrosa com que nos deparamos, em que dispomos de apenas dois dias para usufruir os trinta de férias a que temos direito?

Alguém já disse que quando o silêncio é absoluto, ele chega a doer em nossos ouvidos. Pois foi isso mesmo o que aconteceu no salão, mas só por alguns poucos segundos, porque logo a seguir uma agitação imensa tomou conta de todo o auditório, cada um dos presentes querendo externar sua opinião no grito e na raça, de modo tal que por vários minutos ninguém ouvia ninguém. Mas os ânimos finalmente se acalmaram, porque na vida, todo mundo sabe, tudo tem princípio meio e fim, e a razão voltou a imperar no local.

Resumindo, a assembléia de sindicalizados aprovou por maioria absoluta a exposição feita pelo dirigente sindical e jornalista João Muvuca, o mesmo acontecendo quanto à autorização para entrega de uma reclamação à justiça, sobre os direitos de que os funcionários da Prefeitura Municipal de Periquitinho Verde vinham sendo impedidos de usufruir. Dessa tarefa foi encarregado o competente advogado trabalhista Chico Silva, também conhecido pelo nome de doutor Adams, que elaborou o texto reivindicatório e passou a acompanhar o andamento do processo no foro competente. Sobre isso, sabe-se por fonte digna de crédito que os papéis da ação já receberam 95 despachos, 143 pareceres técnicos e 122 pareceres jurídicos, além de terem sido enriquecidos com quase 100 carimbos de todos os tipos e tamanhos.

Infelizmente, porém, não existe previsão quanto ao desfecho dessa aspiração legítima dos funcionários da administração municipal periquitinhoverdense, que permanecem, portanto, até sabe lá Deus quando, sendo prejudicados em seus direitos trabalhistas justos e legítimos.

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