RUAS CACHOEIRAS: TRAGÉDIA ANUNCIADA

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7TEXTO: EITEL TEIXEIRA DANNEMANN (2016)

Até 1950, quando Patos de Minas teve a primeira rua asfaltada¹, enchentes e alagamentos só ocorriam às margens dos cursos d’água e lagoas. É importante lembrar que nossos pioneiros foram inteligentes ao não se instalarem próximos ao Rio Paranaíba, ficando assim isentos dos vários transbordamentos homéricos. O que mais aborrecia o povo daquela época no tempo das chuvas era a lama espessa que tomava conta de todas as ruas. Imensas poças se formavam nas depressões de terreno existentes, mas não alagamentos, pois a água vinda das alturas tinha amplo espaço para ser devidamente absorvida e alimentar os lençóis freáticos.

Pouco depois do asfaltamento da Rua Tenente Bino, foi a vez de alguns quarteirões centrais da Avenida Getúlio Vargas. Os homens que comandavam o destino do Município naquele tempo eram por demais diferentes dos de hoje. Havia “guerra” pelo poder, como sempre houve e haverá, mas eles se comprometiam com o desenvolvimento da cidade. Tanto que projetavam galerias pluviais e o conceito de “asfaltamento” era realmente levado a sério. Fato é que o asfalto usado na Getúlio Vargas foi importado da Inglaterra. As poucas galerias construídas eram mais do que suficientes para evitar transtornos numa ainda pequena localidade urbana, e a cobertura asfáltica das ruas resistiam bravamente às pequenas enxurradas que começaram a se tornar frequentes, mas sem provocar maiores danos.

A partir da década de 1970, os comandantes do Município passaram a adotar uma política de crescimento sem muita responsabilidade com o resultado. Loteamentos foram surgindo de maneira desorganizada e sem controle pela inexistência de fiscalização, mesmo com a presença dos Códigos normativos, cujo primeiro, o de Posturas, é datado de 1868. Assim, os loteamentos foram se transformando em bairros sem redes pluviais com bons calçamentos de bloquetes e/ou pedras inversamente proporcionais ao asfaltamento de péssima qualidade.

Já na década de 1980 era visível a irresponsabilidade do poder público ao permitir ou ele mesmo produzir habitações nas áreas alagáveis do Rio Paranaíba e do Ribeirão da Fábrica. Foram muitas enchentes que suscitaram perdas de vidas e de bens materiais. Enquanto isso, ainda havia muito espaço de “terra” para amparar as águas das chuvas. Estas águas torrenciais ainda não causavam maiores estragos quando corriam céleres pelas ruas calçadas ou asfaltadas.

Neste quadro serial de omissão do poder público, Patos de Minas chegou ao século 21 com um amontoado de problemas estruturais². Todos têm solução, mas se forem ajustados custariam bilhões de reais, valor que o Município não tem. Poderiam ter sido evitados, se no transcorrer das administrações houvesse gente comprometida com a Cidade e não com a permanência no poder por anos a fio.

É fato da natureza que toda água de chuva que cai na parte alta vai escorrer para a parte baixa. Se o poder público tem conhecimento disso, não sabemos, mas as crianças aprendem esta máxima na escola. Quando há muita área de campo, apenas uma parte desce pelas ruas, enquanto o maior volume é absorvido pela terra. Assim foi durante muito tempo, mas a transformação da cidade está mudando este comportamento pluvial.

Todas as nossas encostas estão urbanisticamente sendo ocupadas por loteamentos que logo serão definidos como novos bairros ou expansão dos já existentes. E todos estes empreendimentos têm duas características em comum cujo poder público é ciente: inexistência de rede pluvial e ruas cobertas por uma finíssima lama asfáltica. Diante de tais fatos, uma pergunta se faz presente: por que o poder público libera e oficializa através de leis tais empreendimentos?

A realidade de hoje ainda não é de catástrofe, mas é inexoravelmente cruel em toda temporada das águas. Qualquer chuva substancial por poucos minutos transforma nossas ladeiras em verdadeiras cachoeiras, pois, pelo precaríssimo sistema de rede pluvial e diminuição de áreas de campo, só resta à água que cai descer pelos logradouros levando enormes pedaços de lama asfáltica tão deficientemente assentadas. Já são cruelmente famosos: os transbordamentos do Córrego do Monjolo transformando a Avenida Fátima Porto num “rio de furiosas corredeiras”; as enxurradas da Rua Major Gote, que causam enormes alagamentos na baixada entre as Praças Champagnat e Antônio Dias; as “cachoeiras” da Avenida Tomaz de Aquino e colegas próximas, cujas águas chegam ferozmente à Praça do Rosário, descem pela Avenida Paracatu, avançam pela Avenida Padre Almir e vão se empossar na Praça Felisberto Versiani, defronte ao local onde está sendo construído o novo Fórum. Eis aqui um gravíssimo problema para o novo Fórum, quem sabe jamais alentado pelos construtores.

Como o dito, a realidade ainda não é de catástrofe, mas ela está próxima, muito próxima. É uma tragédia anunciada tão evidente que quem tem um neurônio a mais do que os outros percebe o que está por vir. E esta tragédia anunciada tem dois locais pré-estabelecidos, duas Avenidas: Marabá e Fátima Porto. Atualmente, pela enorme existência de áreas livres, apenas um pequeno percentual das águas de chuva cai no asfalto, mas já suficientes para serem consideradas enxurradas perigosas. Proporcionalmente à ocupação de toda as áreas circunvizinhas às duas avenidas, e isso está em ritmo acelerado, chegará o dia em que as únicas vias de condução das águas das chuvas serão os logradouros. E as Avenidas Marabá e Fátima Porto com suas ramificações se transformarão numa massa monstruosa de água descendo ferozmente, distribuindo-se pelas inúmeras ladeiras e carregando tudo o que encontrar pela frente. Não muito longe no tempo, as cenas televisivas de carros, pessoas e qualquer grande objeto sendo arrastados pelas ruas nas grandes cidades serão uma realidade ao vivo em Patos de Minas. A tragédia está anunciada!

* 1: Leia “Tenente Bino: A 1.ª Rua Asfaltada”.

* 2: Leia “Água: O Líquido Celeste Que Incrimina o Poder Público”.

* Foto: G1.globo.com. Em 19/12/2015, uma tempestade desabou sobre a cidade de Palmital-SP, inundando casas e arrastando carros pelas ruas.

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