NOS TEMPOS DO GRANDE PATRIARCADO

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7TEXTO: GERALDO FONSECA (1976)

Ocorre algo interessante com aqueles que se desligam de seus torrões natais – pelo menos aconteceu comigo –, o vácuo dos anos de ausência. Um espaço que não conta, e que leva o ausente a fazer uma ligação entre o momento em que deixou sua terra e aquele em que pisa seu solo, de volta.

Quando voltei a Patos, após dezoito anos de busca por um lugar ao sol, pareceu-me ter sido ontem. Olhei em redor, para a cidade diferente por naturais modificações, evolução, e – também tantas involuções. Depois, mirei para dentro de cada um, e veio o vazio. Não era a mesma Patos de 1945. Os quintalões, com a febre de ouro que jorrava da cornucópia brasílica, foram esfacelados. Tipos populares: seu Chico da Santa Casa, Bentinho, Lourenço Gato, Candinha, Zé Cambota, Zé Albino, deixaram a arena do cotidiano, integrando-se na memória da alma pura da cidade.

O patriarcado não era o mesmo. E, é sobre o patriarcado, que o patureba permita-me estas rememorações. Vivíamos uma época de intenso amor filial. Nas telas e nas maiores vendagens, um campeão absoluto: “Gone With The Wind” (… E o Vento Levou) de Margareth Mitchell. Ainda na tela, muitas famílias, exemplares famílias americanas, com realce para o Juiz Hardy e seu protótipo de bom rebento, o tão imitado Andy Hardy. Quanto a “e o Vento Levou” mostrava a história de apego de Scarlet O’Hara a Tara – paradisíaca mansão do sul dos States; e vinha sua luta, seu sacrifício ao extremo, para preservá-la, para perpetuar a posse daquela terra que era tudo para seu pai Gerald O’Hara. O Cine Glória, e mais tarde o Cine Tupan, recebia famílias quase inteiras em sua platéia onde o forte era Dianna Durbin, as Irmãs Lane (Lola, Rosemary e Prisciala), entre outros modelos familiares de uma verdadeira bela época patense. Mesmo os circos, eram familiares em todos os sentidos: Irmãos Prata, Irmãos Costa, Irmãos Elias, e o Circo Universo regido pelo velho Portugal e uma fila de filhos, sobressaindo as moças pela imorredoura beleza. Quem, até hoje, e enquanto houver memória desse circo, esquecerá a bela Amélia Portugal?

Os bares… o do Laurindo, por exemplo, tinha enfeites variegados, de pais e filhos, em torno de uma mesa, servindo o delicioso sorvete, já que não era de boa praxe tomar bebidas em público.

Mas, um ângulo desse patriarcado distante ficou e perdurará, como chave de ligação nostálgica. Ninguém era de si mesmo, naqueles tempos. Existia o direito de ir e vir, com certas restrições. Todavia, caso fôssem objeto de indagação ou conversa, tínhamos uma forte ligação com a chefia do clã.

Comecemos pela Beira da Lagoa, assim por alto. Lá tínhamos o Tiná, o Waldemar e o Mário da Altina; o Aparício e o Antônio do João Maria; o Tali e o Roque do Manoel Belizário; o Tião do Jaime, o Tião, o João e o Geraldinho do Tomazinho; o Antônio e o Aparício do Prego; o Lili e o Zezé do Toninho; a Maria da Bárbara; o Augusto da Sá Rita; o Sebastião e o Geraldo do Felicíssimo; a Maria do Ibraim; o Adelino do Pedro Martins. E por aí, poderíamos ir longe. Na cidade, o Alaor do Cecílio, o Lauro do Ananias, o Milton do Osório Corrêa, o Raimundo do Osório Corrêa (um dos maiores humoristas vivos do Brasil), o Pico e o Duque do João de Barros, o Zé Maria do Zé Vaz, a Maria da Josephina, o Carlos do Zico, o Carlos da Sidoca, o Nozinho do Renée, o Dácio do Ilídio Pereira, o Nicolau do Deodato, o João e o Antônio do Zama, o Tião do Satiro, o Zé do Ildefonso, a Iracema do Nicomedes, o Hélio e o Alaor do Marinho, o Azarias da Duca, e fiquemos por aqui. Lá no limiar da Várzea e dentro da própria, o Zezinho do João Senhorinho, o Manezinho do Mané do Madeu, o Tininho do Paulista, a Maria do Tito, o Tonho da Elvira do Domingos, e quase todo um bairro. Todo um mundo, um pequeno e terno mundo, ligado ao patriarcado. O nome do filho, da filha ou da esposa atrelado ao do pai ou esposo.

Hoje, o mundo está noutra. Eu na minha, você na sua. Linguagem nova. Tempos mudados. A televisão, os filmes antigos que ela exibe, as novelas, vão distanciando pais e filhos. Os pais, em casa, fascinados pela magia do caixote. Os filhos, que em sua maioria acham muito do gagá essa de amontoar na sala, fazendo cortesias a Tarcísio Meira, Francisco Cuoco e outros deuses falsos, debandam para seus grupos.

Já era o tempo em que aquele nosso ilustre e honrado antepassado, pai de famosas donzelas, proclamava que filhas suas era para DR (doutor) e deu vinte e quatro horas a certo pretendente para deixar os Patos. Aflito, ele procurou o Toniquinho do Farnese (Dr. Antônio Maciel). Foi-lhe sugerido pedir licença para namorar, por carta, em latim. O pai, procurando o Toniquinho, que fez três minutos de significativo silêncio antes de destrinchar o latim, ouviu: “Capitão, estamos em face de um verdadeiro gênio. Um doutor – DR legítimo! – em latim. Latim como só encontrado no mestrado da Sorbone”. O pretendente foi aceito. Constituiu família, hoje honradíssima. Isto, noutros tempos. Nos tempos do grande patriarcado patureba.

* Fonte: Texto publicado com o título “Conversando com os Paturebas (III)” na edição de 05 de agosto de 1976 do jornal Folha Diocesana, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Igrejaemmovimento-gdl.blogspot.com.

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