LEMBRANÇAS DE LAURINDO BORGES – 1

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2Cidade sem luz elétrica, água encanada, estradas de rodagem e sem nenhuma outra via de comunicação com o exterior era quieta, monótona, dando a seus habitantes um viver tranquilo. A iluminação das casas com lampião e lamparina a querosene, candeias de azeite de mamona ou velas de sebo. Essas velas eram fabricadas em casa. Todos, pais e filhos, partilhavam desse trabalho interessante. Os pavios, cinco ou seis, em varetas, são mergulhados inúmeras vezes no sebo derretido e quente contido em um barril, até adquirir a consistência necessária. Trabalho paciente e demorado que levava todo um dia, de manhã à noite. Compensava, a produção dava para seis meses.

O sabão caseiro, chamado sabão preto, mais usado para lavagem de roupa, também fabricado em casa, com sebo e torresmo. Doces, bolos, biscoitos, tudo feito em casa. E que sabor gostoso, delicioso, essas gulodices davam ao nosso paladar. Não era conhecida a farinha de trigo. Usava-se polvilho, fubá de munho ou de canjica. O fubá de munho é extraído do milho com a polpa, o de canjica, do milho sem a polpa. Esses e outros afazeres domésticos concorriam para que as famílias vivessem unidas, os pais mais em contato com os filhos.

Um costume que muito bem definia a simplicidade e espontaneidade da atitude das mulheres na vida social, era comum nas duas únicas igrejas existentes. Os homens assistiam às cerimônias religiosas, uns em cima, próximos ao altar-mor, outros em baixo, na entrada. As mulheres de pé ou sentadas no chão, no meio da igreja. Geralmente senhoras e moças usavam vestidos compridos e rodados. Nas horas das práticas do Padre, para ficarem à vontade, dobravam os joelhos como se fossem ajoelhar, mas deixavam-se cair assentadas. E com um jeitinho todo delas, faziam que as barras dos vestidos se espalhassem no assoalho em volta do corpo. O coro, somente de vozes, harmonioso e belo – não havia instrumento musical. Quando cantavam em dueto, no silêncio reinante, e melodia bulia com o coração da gente.

Realizavam-se casamentos. As cerimônias, as mesmas de hoje: bênçãos, troca de alianças, conselhos do Padre, o sim dado com humildade, enfim unidos e para sempre. Diferia no encaminhamento dos noivos, padrinhos e convidados para a igreja. Iam em cortejo, saindo da casa da noiva. Esta pelo braço do pai, na frente. Em seguida o noivo, pelo braço da mãe. Os padrinhos também de braços dados com as madrinhas. Por último os convidados. Celebrado o casamento, retornavam à casa da noiva, os casadinhos à frente do Cortejo. Não faltava o baile animado por sanfona, após o saborear de uma lauta mesa de doces e sequilhos.

Nos casamentos de roceiros, a chegada à igreja era singular. Os noivos de mãos dadas, não de braços dados, e o noivo portando um guarda-chuva. Esse costume simbolizava a proteção que o noivo daria à sua noiva se acaso chovesse. Após vivas e saudações aos recém-casados, ao chegarem a casa, seguia-se a ceia. Suculenta e saborosa, puxada a tutu apimentado, carne variegada, de vaca, porco, aves e outras apetitosas iguarias. Seguia-se um sarau, onde todos, velhos e moços, saracoteavam movidos pelo som choroso de uma sanfona e animados do espírito estimulante de um gostoso quentão servido em canequinhas. Essas canequinhas apresentadas dentro de uma cuia com água passavam de mão em mão, alternadamente enchidas com o quentão, e, saboreado este, colocadas novamente na cuia e apanhadas por outra mão. Serviço prático que a todos contentava.

Prosseguindo com nossas lembranças, diremos que até em sapos se tropeçava numa das principais ruas da cidade. Partindo da Praça Santana, um rego d’água passava pelas ruas Agenor Maciel e Olegário Maciel, atravessava a rua da Independência, desaguando no córrego da Cadeia. Alguns trechos eram recobertos com tábuas e terra, no cruzamento com outras ruas. Sapos e rãs saiam à noite de seus esconderijos, saltando pelas imediações. No silêncio das noites, de longe se ouvia o seu coaxar soturno.

Também nos estrepávamos em arame farpado, quando afoitos, penetrávamos em searas alheias, para roubar frutas. Em muitas ruas existiam cercas de arame farpado substituindo muros. Uns primitivos, outros de urgência.

A Natureza, como agora está acontecendo, mandava abundantes chuvas que se prolongavam por meses seguidos, ou castigava com secas prolongadas. Secas de arrebentar mamona, como se dizia, esturricar folhagens, levantar nuvens de poeira e secar as cisternas.

Nas chuvas, o jeito era andar descalço, patinar na lama e tropeçar nos entulhos provindos dos muros caídos. Muros feitos de adobo, não resistiam ao temporal. Os proprietários para não terem os seus terrenos invadidos por cavalos, vacas e cabritos, construíam cercas de arame farpado. Muitos ali ficavam enfeiando ruas e avenidas.

* Fonte: Texto publicado com o título “Patos de Minas – II” na edição de 13 de janeiro de 1977 do jornal Folha Diocesana, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Do arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 02/02/2013 com o título “Avenida Paracatu na década de 1920”.

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