LEMBRANÇAS DE LAURINDO BORGES – 2

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7Em nossa existência e em nosso labor constante, a água é o elemento insubstituível, não só para mitigar nossa sede, como indispensável na higiene corporal e na limpeza de tudo que nos proporciona conforto.

Os peregrinos, aqueles que chegaram e ficaram, aqueles que tiveram fé e esperança na produtividade das terras que palmilhavam, para terem à mão o precioso liquido, construíram as suas moradias à beira das lagoas, dos córregos e do rio. Com a expansão geográfica, outros as construíram em terrenos elevados, distantes dos veios d’água. Para consegui-la, buscavam-na no sub-solo. Perfuraram cisternas de 10, 15, 20 e mais metros de profundidade. A água puxada por sarilhos em um balde preso a uma corda, depositada em pipas ou latas, dava para as exigências diárias.

Os banhos corporais, somente em águas naturais. Em casa, lavava-se em bacias. Lavava-se em partes. Primeiro o rosto e o tórax, depois o tronco, por último os pés. Só as crianças tinham o privilégio de entrarem de corpo inteiro em uma bacia.  Sem água corrente em casa, impossível uma instalação sanitária. Para as exigências fisiológicas, o jeito era se esconder no quintal, no mato. Ou como diria o poeta: “A sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais”.

Nas secas prolongadas, as águas das cisternas baixavam do nível até a exaustão. Quando isto acontecia, a água tinha que ser apanhada em um carrinho de mão. Desde o amanhecer, formavam-se filas na Praça Santana, onde vindo da mata, descia o precioso e cobiçado líquido. Por milagre a biquinha situada no Beco do Sobradinho não secava. Tão pouca que tacitamente era destinada somente como água potável.

Quando a cisterna de nossa casa secou, nosso pai mandou limpá-la, retirando do fundo o barro que lá ficava. Notamos no barro mole um tom azulado. O colorido que o querosene deixa sobre a água. Quando o mundo sofre as consequências da guerra do petróleo, quem sabe se Patos de Minas não estará guardando em seu sub-solo esse ouro negro, tão cobiçado? É possível a existência de outros minérios nessa região que tem sido castigada com inúmeras descargas elétricas. Se realmente depósitos de minérios atraem raios, isso é um bom indício. Deixemos essas possibilidades para os estudiosos da matéria. Mas não sejamos apáticos, o fosfato é um fato. Sejamos otimistas, outros minérios serão nossos.

E os fatos de quando em quando acontecem. Vamos relator um ocorrido em 1906. Foi no “Ano da Fumaça”, designação dada por aqueles que presenciaram os acontecimentos. Uma nuvem de gafanhotos desceu sobre a terra e com voracidade incrível, destruiu até a raiz, toda vegetação de cereais e hortaliças recém-plantadas. Não bastasse essa calamidade, a chuva que caíra naqueles dias cessou. Uma espessa fumaça pairou no ar, encobrindo o sol. Houve pânico. Os produtos hortigranjeiros escassearam, menos a mandioca que providencialmente estava debaixo da terra, livre da sanha dos gafanhotos. Do outro lado do rio, nosso avô tratava de uma boa fazenda com engenho de cana. Fabricava açúcar, rapadura, polvilho e farinha. Na ocasião, era grande a sua plantação de mandioca, com o qual socorreu a muitas famílias. Por vários dias formou-se um cortejo de pessoas que iam e vinham sobraçando a abençoada mandioca.

Lentamente foi também o processo educacional e cultural de nossa gente. Patos só tinha três escolas primárias: duas para meninos e uma para meninas. De cursos rudimentares escrita, matemática e leitura. “Saber ler e contar é o bastante para se vencer na vida”. Muitos assim pensavam e diziam. Aqueles que nenhum estimulo davam aos filhos para se dedicarem aos estudos. Aprendia-se primeiro o ABC, depois o B–A=Bá. Tudo muito bem sabido e decorado passava-se a estudar na cartilha. Um dos colegas frequentou a escola mais de um ano, não passando do B–A=Bá. Outro preferia dormir debruçado na carteira a estudar. Não aprendeu a ler, mas tornou-se bom violonista.

Apesar de suas deficiências, Patos não podia parar, tinha de ir para frente por seus próprios meios. Para isso urgia preparar homens de maior saber, como Advogados, Médicos, Odontólogos, Cientistas. Despontavam entre os estudantes, jovens inteligentes e dedicados aos estudos. Seus pais, mesmo sabendo das dificuldades e dos sacrifícios a enfrentar, deliberaram mandá-los para colégios em outras cidades mineiras. Os primeiros foram para Cachoeira do Campo.

Outros e outros seguiram o exemplo dos primeiros, indo alguns para o Asilo, outros para o Caraça e para outras cidades como: São João Del Rei, Oliveira, etc. Dureza viajar para aqueles centros de ensino. Sem estradas de ferro, sem automóvel, somente cavalgando por estradas carreiras, durante vários dias, chegavam ao destino. Viajavam em comitiva – Uma pessoa de confiança e conhecedora dos caminhos, o arrieiro e os estudantes. Bestas de carga levando em bruacas os pertences dos estudantes e utensílios indispensáveis. No dia da partida, os pais e familiares juntavam-se aos viajeiros, seguindo-se até a primeira parada, além do Ribeirão da Fábrica, apeando todos debaixo de uma árvore que passou a ser denominada “Árvore do Choro”. Ali aconteciam os últimos conselhos, os abraços e as lágrimas vestidas pelo pesar da longa separação.

* Fonte: Texto publicado com o título “Patos de Minas” na edição de 03 de fevereiro de 1977 do jornal Folha Diocesana, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Do Arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 04 de abril de 2014 com o título “Largo da Matriz na Década de 1910”.

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