ALTINO CAIXETA DE CASTRO – CENTENÁRIO

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ALTINO - CópiaALTINO CAIXETA DE CASTRO: 100 ANOS – POR CAIO TIBÚRCIO

Altino Caixeta de Castro, o Leão de Formosa, completaria 100 Anos no dia 04 de agosto de 2016. Considerado por muitos um dos melhores poetas da literatura brasileira, Altino Caixeta de Castro é consagrado pelos especialistas desse setor das artes.

Assim, a solicitação feita pela Marialda Coury ao Wilson Pereira – outro grande poeta também considerado patense, e a mim, para escrevermos sobre o Altino Caixeta de Castro, tendo em conta a data referida, nos deixa honrados. No meu caso, não ousaria construir análises literárias da poesia altiniana, que já foi tema de artigos de especialistas e consagrados escritores, como, por exemplo, Affonso Romano de Sant’Anna, Ziraldo, Alan Viggiano, Danilo Gomes, Fábio Lucas, Rodrigo Guimarães Silva, Maria Esther Maciel, Wilson Pereira, Anderson Braga Horta, João Carlos Taveira, Antônio Barreto.

O que posso fazer é um depoimento, tomado pelo amor que Altino e eu ainda mantemos no “ventre das estrelas”.

Fui aluno do inesquecível Grupo Escolar Marcolino de Barros, onde, ainda menino, na década de 60 do século passado, conheci o Poeta. Altino comparecia às solenidades da escola, declamava ardentemente os poemas dele, a cabeça erguida e o bigode à frente, a mão direita em contínua gesticulação entusiástica.

Depois, fui morar em Uberaba (MG), estudar para Irmão Marista em um juvenato; as aulas do Ginásio eram ministradas no conceituado Colégio Diocesano. Não esqueço: um dia, na 3ª Série, em sala de aula, abri uma página do livro de Português, da editora FTD, de autoria do Irmão Wagner Ribeiro, e me deparei com um poema do Altino Caixeta de Castro. Dei um grito em plena sala de aula e o Professor João Fatureto pediu que eu fosse à frente para explicar o que havia acontecido. Contei que eu conhecia o Poeta. E o Professor determinou que eu lesse o soneto e fizesse comentários.

Ao final de 1969, concluído o Ginásio, voltei para Patos de Minas. Terminei o Científico no Colégio Fonseca Rodrigues, em 1972. Frequentei o Centro Cultural Rui Barbosa e as rodas e saídas noturnas com amigos amantes da literatura e da boa música (Wilson Pereira, Leninha, Dalla, Agenor, Dennis, Itamar, Augusto, Libêncio, Wander Porto, Adelson, Abel, Marlene, Ricardo Marques, Altamir Pereira da Fonseca, Agenor Gonzaga, Severo Marra de Lima, Laércio Rocha…).  De vez em quando, o Altino Caixeta aparecia e declamava poemas; creio que ele já não morava em Patos de Minas.

Em 1973, vim para Brasília, em busca de estudos e trabalho. No primeiro semestre do curso de Economia, eu era o Representante da Turma e, de quando em vez, anunciávamos o aniversário de um ou de uma colega; comprávamos um presente, uma lembrança, e eu escrevia alguns versos, alguma trova. Um dia, um colega – Walter Caixeta de Castro, me puxou pelo braço e me disse: “Eu tenho um tio que é poeta!”. Pedi ao Walter para me levar à casa do Altino. E o Walter morava na República de Estudantes mantida pela esposa do Altino, a Dona Alfa, numa casa na 707 Sul. Contei ao Altino sobre as lembranças que eu tinha dele. E disse que queria comprar um livro do Poeta. E ele me respondeu, secamente: “Eu não tenho livro publicado!”.

As minhas idas à casa do Altino tornaram-se habituais. Ficamos amigos. Andávamos a pé pela W3 Sul nos finais de semana. Visitávamos a Biblioteca Demonstrativa de Brasília, na 506/507 Sul, frequentemente. O Altino tinha o costume de pegar determinado livro na prateleira, ler cerca de 20 ou 30 páginas e recolocá-lo no devido lugar; voltava no dia seguinte e…

Um dia, a pedido da Dona Alfa, começamos, Altino e eu, a organizar os poemas dele. Os poemas estavam anotados em cadernos; folhas soltas;  livros de diversos autores que foram as fontes inspiradoras; ou seja, como registrou o próprio Poeta, talvez com ironia: “na caixeta”.

Altino dizia, para cada caso: “Este poema é do livro …”; “este outro é do livro …”. Datilografados, os poemas eram guardados em envelopes e caixas, um lugar para cada livro; depois, fariam parte da antologia “Cidadela da Rosa: Com Fissão da Flor”.

De vez em quando, um texto, um verso ou um poema reaparecia em outro registro.  Decidíamos qual verso ou poema ia prevalecer. Ou o Altino costurava adaptações poéticas, numa facilidade de quem vivia inspirado pelo “amor”, pela “beleza perdida”, pelo “espanto”, pela “flor”…

Íamos ao cinema, às reuniões da Associação Nacional dos Escritores – ANE.  Às vezes, éramos acompanhados por duas amigas inesquecíveis, colegas minhas de trabalho no Ministério da Saúde: Maria Rosa de Queiroz (que hoje mora no Canadá) e Vânia Maria Oliveira Alves (residente em Belo Horizonte).

Para as duas amigas, Altino escreveu trovas, evidentemente. E a genialidade do Poeta pode ser vista nos exemplos a seguir indicados.

Em um determinado dia, eu dei o mote, ou seja, escrevi os primeiros versos de duas trovas; e, quando os disse, o Altino completou-as, subitamente, em voz alta, gesticulando, dando fim ao poetar conjunto:

Ainda um dia, menina vou fazer o que tu gostas. Eu quero contar com beijos as sardas que tens nas costas. Não te beijo pelos beijos dessas fomes que são minhas. Mas te beijo pelas fomes de comer tuas sardinhas.

Enfim, em 1979/1980, “Cidadela da Rosa: Com Fissão da Flor” ficou pronta, ou seja, 14 livros de poemas compilados em única e rara antologia. Composições que haviam sido feitas em 30 anos, de 1950 a 1980. Poemas de feições diversas, desde os que captaram a realidade então presente, de angessências eróticas e, inclusive, o ser do pastor das palavras, aos que nos apresentaram tâmaras maduras colhidas nas veredas, nas claráguas. Ou seja, o constante Estado de Espanto que nos convida sempre para construirmos, com o Poeta, a Rosa.

É fundamental registrar que a publicação do livro foi efetivada com o auxílio financeiro da Prefeitura de Lagoa Formosa, terra natal do Poeta, quando da gestão do João Gomes Mundim.

Quando do lançamento, em Patos de Minas, compareceram importantes personagens do jornalismo e da literatura brasileira, como, por exemplo: Ziraldo; Affonso Romano de Sant’Anna; Alan Viggiano.

Depois, em 1991, foi publicada uma edição especial do Suplemento Literário do Minas Gerais (o Diário Oficial do Estado), em  comemoração aos 100 Anos da Imprensa Oficial de Minas Gerais. A edição teve como tema e título: “Poeta Altino Caixeta de Castro – O Leão de Formosa”, com a participação de diversos escritores e críticos literários. Foi concretizada devido à participação efetiva do Bernardo Rubinger de Queiroz; e à edição e organização do Paschoal Mota e da patense Maria Olívia Álvares da Silva Campos.

Registro, uma das maiores admirações que tenho do Poeta se refere à sonoridade das palavras que ele explora em favor de reforçar o significado do que está sendo dito. Veja um exemplo presente no poema AINDA:

Ainda é o advérbio lindo da Esperança: Que a palavra trema dentro da frase infinda. Nos lábios da criança o sorriso é ainda. Ainda a flor é a rosa. Ainda paz é o poema.

Depois do lançamento da referida antologia, registre-se, Altino teve dois outros livros publicados: Diário da Rosa Errância e Sementes de Sol, este último com o auxílio da Professora Maria Ester Maciel na organização dos poemas.

Ainda, poesias-canções do nosso Professor foram musicadas. O patense Teófilo Fernandes tem lindas e várias parcerias com o Altino; o Edinho é outro conterrâneo que fez canções à luz altiniana.

ALTINOAgora, recentemente, uma grande alegria. Minha filha, Milena Tibúrcio, lançou um novo CD, o “Canto de Mãe”, cada faixa com um parceiro ou parceira diferente. A faixa de número 8 (oito) chama-se “À Margem”; trata-se de uma parceria dela com o Altino Caixeta de Castro; um poema presente em “Cidadela da Rosa: Com Fissão da Flor” que ela musicou.

Enfim, tendo em conta a importância e o valor da poesia altiniana, devemos definir estratégias para divulgar este nosso patrimônio cultural junto aos jovens, amantes da Literatura, sobretudo de Patos de Minas. Programas com objetivos tais podem ser implantados com o apoio da Prefeitura Municipal, de unidades da rede escolar e das diversas faculdades hoje instaladas na Terra do Leão de Formosa, ou seja, Patos de Minas.

Caio César Alves Tibúrcio Silva é formado em Ciências Econômicas pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB; e pós graduado em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ); Docência do 3º Grau    (CESAPE/CEUB); e Administração Pública- CIPAD (EBAP/FGV).

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O CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO POETA ALTINO CAIXETA DE CASTRO, O LEÃO DE FORMOSA – POR WILSON PEREIRA

O poeta Altino Caixeta de Castro, Leão de Formosa, se vivo fosse (faleceu em 1996), completaria 100 anos de idade, agora, no próximo dia 4 de agosto.  O centenário desse extraordinário poeta não pode passar em branco. Pensando assim, a Marialda Coury pediu ao Caio Tibúrcio e a mim que escrevêssemos algo sobre ele para se publicar na Folha Patense. Outras iniciativas para homenagear o poeta bem que poderiam ser tomadas. Disso poderiam cuidar a Coordenação do Curso de Letras da UNIPAM e também a Secretaria de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer municipal.

Altino Caixeta foi uma figura humana singular, que a todos encantava com sua simpatia, sua cultura literária e seu humor poético. Gostava de estar sempre junto dos jovens, especialmente daqueles que demonstravam interesse pela literatura e, em especial, pela poesia.  Estar com ele era sempre um prazer e uma alegria, além de ser oportunidade de aprendizagem de elevada qualidade, pois ele falava durante horas de livros e de autores renomados do Brasil e do mundo. Sua predileção de leitura era a filosofia, a teoria literária e, evidentemente, a poesia. Não dedicava o mesmo interesse ao romance, ao conto ou à novela, a não ser com raras exceções, entre as quais Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, fonte de inspiração para um conjunto de poemas intitulados “Os Versos Vimiróseos das Veredas”, realizados “sequestrados, parafraseados, parodiados, saqueados, rastreados na epopeia roseana”, de acordo com o próprio poeta.

Eu, que tive o privilégio da convivência amistosa com o poeta de Cidadela da Rosa, tanto em Patos de Minas quanto em Brasília, posso dar o testemunho da cultura e da sabedoria de que ele era dotado, bem como de seu gosto e capacidade de falar com propriedade e alegre veemência de Platão, de Heidegger, de Michel Foucoult, de Júlia Kristeva, de Roland Barthes, de Jorge Luis Borges, de Rilke, de Fernando Pessoa, de Drummond, dentre muitos outros.  E muito aprendi, e me diverti, com suas lições informais e espontâneas.

A poesia de Altino Caixeta ampara-se em dois pilares, aparentemente opostos, mas que, na sua pena afinada e magistral, se entrelaçam e se complementam: por um lado, busca o poeta seus motivos e temas poéticos nas suas origens rurais e provincianas, no cotidiano e no familiar e, por outro, sustenta-se no veio erudito, de âmbito nacional e universal beneficiando-se das leituras a que nos referimos acima. Nesse sentido, basta notar as inúmeras citações, epígrafes, referências em versos, e paráfrases, que se espalham por todo o livro.

Mas o que distingue o poeta é, sobretudo, seu talento criativo e a capacidade de explorar, com efeitos semânticos inusitados e surpreendentes, a linguagem poética com os recursos estilísticos que lhe são inerentes. A exemplo, veja o leitor este primoroso soneto “Galo de Pirapora”:

Com sete estrelas dalva na garganta/Aquele galo preto ao ver a aurora/Rufla as asas, tatala-as, bate a espora,/Tenor da noite e das estrelas, canta.

A rubra crista relampeja agora/Na noite de si mesmo que o suplanta./Aquele galo preto quando canta/Bate o bico no céu de Pirapora.

Seu canto cai nas águas rio abaixo./É um galo conhecido, é um galo macho,/Madrugador e marcador das horas.

Ele é o relógio ali das madrugadas,/Rufla o tambor das asas assustadas,/Bate o bico de bronze nas auroras.

É de se notar, além das metáforas de rara beleza e vigor (a rubra crista relampeja…/tenor da noite/relógio das madrugadas/asas assustadas/bico de bronze), as aliterações constantes e a onomatopeia em “tatala-as”. A sonoridade se enriquece ainda com a alternância entre sílabas átonas e tônicas e com a aproximação de vogais fechadas e abertas como, para ficar apenas num exemplo, no último verso: “Bate o bico de bronze nas auroras”.

Mas não me cabe aqui, em espaço tão exíguo, proceder a uma análise estilística de alguns poemas altinianos. Antes, nessa breve e singela homenagem ao estimado poeta, quero comentar ainda que, a par da carga privilegiada de conhecimento literário, da inspiração incessantemente acesa (ele parecia viver em constante estado de poesia, sintonizado com as musas, capaz de sacar de sua caixeta de mago poemas de improviso a qualquer estímulo), da criatividade exuberante, do domínio pleno dos elementos de estilo e, por fim, de sua profícua produção poética, Altino Caixeta viveu vida simples, sem se importar com os festejos e aplausos do meio das letras, sem perseguir o reconhecimento e a glória literária que, por mérito, lhe era devida há muito tempo. Tanto é que só foi publicar seu primeiro livro quando já contava 68 anos de idade, o que só aconteceu graças ao empenho do Caio Tibúrcio, e à providencial iniciativa do escritor Alan Viggiano, que encaminhou a edição dos poemas no livro Cidadela da Rosa. E ainda que, de certa forma, se orgulhasse do seu prolongado ineditismo, ele já tivera, então, poemas publicados em alguns jornais e revistas, estudados em escolas e faculdades de Letras e, por isso, era reconhecido e admirado como bom poeta, principalmente em Patos de Minas, Brasília e Belo Horizonte.

Ainda bem que ele viveu para receber homenagem e reconhecimento de importância raramente concedidos a um escritor brasileiro vivo. Trata-se de um número especial do Suplemento Literário do Minas Gerais dedicada ao Altino Caixeta de Castro, cuidadosamente organizada pela atriz Maria Olívia Campos, publicação esta trazida a lume em 18 de maio de 1991, que estampou artigos e resenhas de renomados escritores como, entre outros: Affonso Romano de Sant’Anna, Ziraldo, Fábio Lucas  e dos nossos prezados companheiros da Associação Nacional de Escritores – ANE, os também renomados:  Anderson Braga Horta, Alan Viggiano e Danilo Gomes.

Aliás, neste momento, em comemoração ao centenário do nascimento do poeta, bem que o Suplemento Literário poderia, se não publicar novos artigos sobre sua obra, pelo menos selecionar e republicar alguns daqueles artigos do número especial editado naquela oportunidade.

Registre-se ainda que Altino teve dois outros livros publicados: Diário da Rosa Errância (prosa poética) e Sementes de Sol, este último devendo-se à organização da Professora Maria Esther Maciel.

Estas linhas que submeto à apreciação dos leitores não têm a pretensão de análise crítica, como já disse, mas tão-só de homenagear o poeta e de recomendar a quem interessar possa a leitura ou, para os já conhecedores da poética desse poeta maior, a releitura de seus preciosos poemas.

E fico torcendo para que algum dia um editor importante descubra a obra de Altino Caixeta de Castro e o lance para o conhecimento de novos leitores e para o reconhecimento pela crítica, pois um poeta dessa estatura não pode ser esquecido.

Wilson Pereira é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília (UnB). Poeta, contista, cronista, ensaísta e autor de livros infantis e juvenis.

* Fonte e fotos: Textos publicados na edição de 06 de agosto de 2016 do jornal Folha Patense.

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