QUANDO PILAR QUIS SE EMANCIPAR

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Recém elevado à categoria de Distrito¹, Pilar é o pólo rural mais distante da sede de Patos de Minas. Situado ao Noroeste do município, a 64 km da cidade, o povoado conta com cerca de 1500 habitantes no perímetro urbano e 4 mil nas localidades adjacentes. A estimativa é do candidato a vereador derrotado nas últimas eleições municipais, Aurélio Dias da Silva, do PDT, que obteve 337 votos. “Pilar não conta com a proteção específica de um vereador”, lamenta ele que, com 164 votos, foi o primeiro colocado nas quatro urnas do distrito, onde muitos candidatos receberam expressivas votações. Apesar da característica suburbana, com seus quase 500 imóveis, Pilar difere dos outros distritos pela dinâmica de suas atividades produtivas. Vinculado historicamente à Usina da Rocinha, explorada pela Fosfértil, o povoado se beneficia ainda dos reflexos de uma ativa produção agrícola, com culturas programadas de tomate, café, milho e feijão. “Aqui, quem não trabalha nas lavouras, trabalha na Fosfértil”, observa o vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Pilar, João Martins Sobrinho.

Contando com vias pavimentadas, rede de esgoto e de abastecimento de água, energia elétrica e sistema de telefonia, Pilar possui também postos de saúde e policial. A escola do povoado, que funciona há 30 anos, abriga 226 alunos, divididos em sete salas de aula e três turnos. Além da diretora, Maria Corrêa Caixeta e uma secretária, a instituição conta com um quadro de 10 professores de primário e ginasial. Para os jovens do povoado a natureza foi muito pródiga. A cachoeira do Ribeirão do Pilar fica há poucos metros da sede do distrito, formando um belo lago, que atrai inúmeros banhistas nos dias de sol e se transforma em ponto obrigatório de lazer nos finais de semana. Outras opções de entretenimento são a quadra poliesportiva, o campo de futebol e a danceteria “Wester House”, onde se promovem os bailes que embalam as noites de sábado. A juventude costuma se concentrar também na sorveteria, localizada na rua central, onde estão localizados os principais bares, lanchonetes e lojas do comércio local. O transporte é feito pelo Expresso Leãozinho, com dois horários de saída via Lagamar/Vazante/Coromandel, e para Patos de Minas. Na necessidade de medicamentos, a população de Pilar dispõe de uma farmácia com variado estoque, de propriedade do vice-presidente do Conselho Comunitário. Na área de comunicação, o distrito sintoniza a transmissão de diversas rádios e capta os sinais da Rede Globo, TV Bandeirantes, Cultura, Manchete e TVS. Apenas a Globo e a TVS possuem sinais regulares do povoado. As demais, registram problemas técnicos no sistema de retransmissão.

LIBERDADE PARA PROGREDIR – Buscando um estágio de maior desenvolvimento econômico e social, a população de Pilar vem absorvendo um conceito emancipacionista que tem o incentivo de seus principais líderes comunitários. “A distância que nos separa da sede do município dificulta o atendimento de nossas reivindicações”, analisa o professor João Martins. “A emancipação vai melhorar nossas condições de vida”, apregoa Aurélio Dias. Ambos acreditam que o distrito possui potencial político e econômico para caminhar com as próprias pernas. Na verdade, Pilar interliga-se mais com Lagamar, que fica a poucos kms dali, do que com Patos de Minas. “Todo mundo recorre a Lagamar quando precisa de médico, hospital, banco ou alguma coisa que não tenha no povoado”, explica Dias. Os mais pessimistas acreditam que o distrito vai acabar se não for emancipado. “Estamos na base da independência ou morte”, radicalizam-se alguns de seus moradores. Dona da única pensão existente no povoado, Maria Martins Silva não emite opinião sobre o tema. Sabe que a idéia pode beneficiar seu negócio, já que o movimento anda restrito apenas ao fornecimento de refeições. Com a instalação do cartório, que deverá funcionar brevemente, Pilar ganhará ares de cidade. O escrivão, Elcir Machado dos Santos, que tomou posse no último 2 de dezembro, informa que o cartório expedirá certidões de nascimento, casamento e lavratura de escrituras. “Ninguém precisará mais sair daqui para obter estes documentos”, diz.

Os comerciantes também poderão se beneficiar com a possível emancipação de Pilar. Este é o caso do mini-empresário Arcanjo Pacheco, dono da loja Machado & Garcia. Com a ajuda da esposa Áurea e do filho Omar, ele fabrica conjuntos de malha para crianças, calções e camisetas para adultos, num total de 50 peças/dia. A produção é vendida na própria loja e nas localidades vizinhas. O lojista Moacir Rodrigues Caixeta, absorve a proposta da emancipação como forma de impulsionar o distrito. Atuando no ramo de confecções, calçados, cama, mesa e banho, Caixeta não agradou das vendas de Natal. Espera que seu comércio tenha mais movimento se o povoado for mesmo emancipado. No aspecto religioso, Pilar já se divide como nos grandes centros. Existem três templos no povoado: um da Assembléia de Deus, outro da Congregação Cristã no Brasil e a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, na qual, segundo a zeladora, dona Tôca, há missa, batizado e casamento uma vez por mês, sob a responsabilidade do padre João Batista, da Diocese de Patos de Minas.

Há doze anos trabalhando no Posto da Rocinha, Antônio Alves é de opinião que Pilar precisa de liberdade para progredir. Ele lembra dos tempos em que ali funcionava as agências transportadoras, quando a Fosfértil gerava em torno de 600 empregos na exploração do Fosfato da Usina da Rocinha, no período de 1980 a 1986. Naquela época, recorda Alves, o restaurante do posto servia uma média de 150 refeições por dia e dispunha de vários funcionários para atender a clientela. Hoje, este número caiu para 50 refeições e o movimento fica por conta dos passageiros dos ônibus do Expresso Leãozinho, que fazem parada obrigatória no posto.

VILA DA AMARGURA – Existe uma vila em Pilar que reflete fielmente a necessidade de estruturação urbana no povoado. Concentrando 25 famílias, o núcleo carece urgentemente de saneamento básico e é chamado de Vila dos Atrevidos. A maioria das casas não conta com rede de esgoto e instalações sanitárias. “Os adultos e as crianças fazem as necessidades no terreiro”, reclamam os moradores. Sem pavimentação, os becos da vila se transformam em verdadeiros brejos quando chove. O homem mais velho de Pilar, Augusto Nunes, de 93 anos, mora na vila há 16 anos. Perfeitamente saudável, ele cultiva uma vasta horte no quintal de sua casa e não tem esperança de ver melhoria na vila. Sua vizinha, Dona Afonsa, de 96 anos, é a mulher mais velha do distrito e compartilha da mesma opinião. O filho de Sô Augusto, Geraldo Nunes, recrimina o pessimismo do pai e acha que a situação pode melhorar. Ele é eletrotécnico prático e foi autor de uma façanha que impressionou o povo de Pilar. Anos atrás, Geraldo Nunes instalou uma rádio pirata no povoado. “A rádio só passava música, mas tive que desmontar o equipamento porque estava interferindo nos aparelhos de TV”, lembra ele, que anteriormente já havia testado a mesma experiência na localidade de Boassara.

Quem mais sofre com a falta de saneamento na vila são as crianças, pois ficam expostas à contaminação de verminoses. O risco se agrava com o fato do fornecimento de água ser escasso. Como se isto não bastasse, os moradores da vila estão enfrentando no momento, o mau cheiro e a proliferação de pernilongos, provocados por um problema no sistema de escoamento do esgoto de Pilar, cujo dreno encontra-se entupido. A saída da rede se localiza numa fazenda situada nos fundos da vila, onde os detritos correm a céu aberto e desaguam no córrego, comprometendo a água utilizada pela população ribeirinha. O perigo atinge mais diretamente a família de Maria Helena de Oliveira, mãe de três filhos – Poliana (8 anos), Aline (4 anos) e Rangel (2 anos). O fazendeiro Romes Teófilo de Lélis, que permitiu a instalação do dreno em sua terra, está indignado. Ele teve que retirar o gado do local porque o pasto foi contaminado, o mesmo acontecendo com sua roça de milho.

Todas as mulheres da vila são trabalhadoras rurais, inclusive, Maria Helena. Ela enfrenta dificuldades para deixar os filhos na creche, que funciona na escola do distrito. O filho mais novo nunca aprendeu a usar o vaso sanitário e ficou traumatizado ao ser duramente repreendido por evacuar no pátio da escola. “Agora ele tem até medo de fazer cocô no terreiro”, revolta-se a mãe por não ter sanitário em casa. Em tom de ironia uma das moradoras promete deixar para sempre a “vila da amargura”. Sua esperança é de que sejam construídas casas populares para que ela possa atravessar a Rua Dolor Rodrigues, mais antiga via de Pilar, e mudar-se para outra parte do povoado. A rua, onde fica a primeira casa construída no distrito, é totalmente urbanizada, dividindo a precariedade da vila e a prosperidade de Pilar.

VIVENDO DE PROMESSAS – A diretoria do Conselho Comunitário de Pilar, presidido por Matias Luiz da Silva, já está com mandato vencido. Três candidatos postulam sua presidência: Maria Corrêa, Elcir Machado e o próprio Aurélio Dias. Conforme seu vice-presidente, o órgão teve muita dificuldade para ser atendido em suas reivindicações nos últimos dois anos. “Estamos vivendo de promessas”, se conforma ele. Uma delas é a construção do centro comunitário. O conselho já tem alguns materiais, mas depende de recursos para iniciar o projeto. Outra preocupação da entidade é a demora na execução da obra de infra-estrutura e asfaltamento em novas ruas. Há um compromisso político para que isto seja feito ainda na atual administração. Mas enquanto o asfalto não vem as ruas não pavimentadas estão cheias de buracos e praticamente intransitáveis. O abastecimento de água também preocupa. O sistema é da Prefeitura e funciona somente de 7 às 10 horas. No setor de saúde, o anseio é a melhoria do atendimento médico, que acontece apenas uma vez por mês. A implantação do 2.º grau é a principal reivindicação do conselho junto à Semec. Para viabilizá-la é necessário que haja, no mínimo, 40 alunos. “Já cadastramos em torno de 25 estudantes. Mas como podemos incentivar os alunos se o curso não estiver funcionando?”, questiona o professor Martins. Ele quer ainda a construção da sede da creche, para desmembrá-la da escola, onde ficam uma média de 30 crianças de 2 a 6 anos.

A falta de moradia incomoda os membros do conselho. O órgão possui o cadastro de 25 famílias carentes e aguarda a construção de casas populares desde os tempos da administração do ex-prefeito Antônio do Valle. “A habitação para nós é uma questão de emergência. Enfrentamos um gravíssimo problema de êxodo rural por falta de moradia”, alerta um membro do conselho. A segurança também não anda bem em Pilar. O destacamento policial, formado por um cabo e dois soldados, não conta com viatura e recorre à veículos emprestados para fazer o patrulhamento. No campo da telefonia o distrito vai mal. O sistema da CTBC integra 26 aparelhos telefônicos ligados a um único canal dotado de dois dígitos e funciona via telefonista-auxiliar, sem o benefício do DDD. “Quando um usuário fala, o outro tem de esperar”, esclarece Martins. O posto de serviço instalado recentemente no distrito utiliza o mesmo sistema e não contribui em nada para a melhoria do sistema. Muitas críticas pesam sobre o serviço de transporte. Os usuários reclamam do Expresso Leãozinho e cobram a implantação de mais horários, alegando que os ônibus andam sempre lotados. “Até o veículo extra colocado há poucos dias pela empresa já está saturado”, complementa o professor.

Com tantos problemas que afligem seus moradores, Pilar anseia pela independência política e econômica. Para João Martins, o sonho de emancipar-se não representa um simples ato de rebeldia coletiva. Ele entende que a emancipação contribuirá para os cofres do município de Patos de Minas, que não terá mais de desembolsar recursos para manter a existência do distrito. “Estamos cientes de nossas precariedades. Mas achamos que já temos condições de bancar a nossa liberdade”, conclui.

* 1: A elevação de Pilar a categoria de distrito aconteceu em cumprimento ao Artigo 15, do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica Municipal, promulgada em 24 de maio de 1990. No dia 30 de junho de 1992, o então prefeito Antônio do Valle sancionou a Lei n.º 3.027, criando efetivamente o distrito de Pilar. Em seguida, a Lei Municipal n.º 3.103, de 12 de novembro do mesmo ano alterou o processo de criação e definiu as divisas e confrontações do novo distrito. Atendendo determinação do Decreto-Lei n.º 1.455, baixado pelo então prefeito Jarbas Cambraia, em 14 de janeiro de 1993, o povoado finalmente foi elevado a categoria de distrito, com perímetro urbano de 325 mil m² de área, delimitado da seguinte forma: Começa no Rio Paranaíba, na foz do Córrego São Luiz, sobe por este Córrego até a sua mais alta cabeceira; daí, por espigão, segue contornando as cabeceiras do Córrego Santo Inácio, indo atingir o Ribeirão Santo Antônio das Minas Vermelhas, na foz do Córrego da Divisa, sobe por este córrego e depois pelo Córrego da Estiva até sua cabeceira, nos limites do município de Coromandel.

* Fonte e fotos: Texto publicado com o título “Independência ou Morte” e subtítulo “Pilar quer emancipar-se para não morrer” na edição n.º 06 de janeiro/1995 da revista Diga, do arquivo de Luis Carlos Cardoso.

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