CARNAVAL DE 1995: SAMBA, SUOR E RECLAMAÇÕES

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Desde que foi reestruturado, no início da década de 80, o carnaval de rua de Patos de Minas passa por um processo lamurioso de preparação às vésperas dos desfiles na Rua Major Gote. Este ano, o quadro não é diferente. A Câmara Municipal já aprovou projeto destinando recursos, na ordem de 30 mil reais, para a promoção do evento. “Isto equivale a cerca de 2% da receita municipal do mês de fevereiro”, informa o secretário da Fazenda, Manoel Mendes, o Pompéia, integrante da comissão de organização do carnaval. Este ano, cada uma das quatro escolas disporão de R$ 4.500,00 para bancar os custos de seus respectivos desfiles. No próximo dia 11 acontecerá o primeiro baile pré-carnavalesco no ginásio do PTC, quando serão eleitos o Rei Momo e a Rainha do Carnaval/95. “Dependendo da chuva, os desfiles já estão marcados para o sábado (25) e segunda-feira (27)”, comunica a chefe da Divisão de Cultura, Eliza Guedes. Ela informa que os quesitos e critérios de julgamento continuam os mesmos. No que se refere a ornamentação do local do desfile, Pompéia observa que a novidade será a instalação de “pórticos” com coreografias alusiva ao tema. Além disso, a idéia é instalar caixas de som nos postes existentes entre as ruas Farnese Maciel e General Osório.

Ainda depende de licitação a contratação da equipe de som e dos músicos do trio elétrico. No último ano, a sonorização ficou a cargo da Planáudio e a animação foi feita por uma banda integrante de músicos locais.

O secretário descarta as críticas que possam haver em relação ao investimento no carnaval de rua. Para Pompéia, o recurso investido é muito pouco, considerando que o carnaval atrai cerca de 40.000 pessoas, que têm nos desfiles e no trio elétrico, a única opção de lazer durante os quatro dias de folia. Não resta dúvida de que o evento é indispensável como manifestação popular que já se tornou tradicional. Por outro lado, não há como omitir-se diante da necessidade de uma reavaliação da sua forma de promoção no contexto de costume dos foliões.

TROPEÇANDO NO SAMBA – Campeoníssima  por dez anos consecutivos, a escola Muda Brasil reflete o amadorismo que também impera nas demais escolas. “Não temos sequer um carro alegórico”, reclama Célida Bahia, recém iniciada diretora da Muda Brasil. Ela concorda que no ano passado a escola não quis concorrer, mas mesmo assim sua apresentação foi julgada a classificada em 3.º lugar, com 720 pontos, superando apenas a Lagoa Azul, lanterninha do desfile daquele ano. Quem também confirma o fato da escola estar tropeçando no samba é o seu carnavalesco Osmildo Eustáquio, envolvido há doze anos no movimento do carnaval de rua da cidade. Segundo ele, apenas a recuperação dos dois carros alegóricos da agremiação deve girar em torno de R$ 4 mil reais. “Não temos local para guardar nosso material e tudo se deteriorou com o tempo”, lamenta. Outra reclamação do carnavalesco é contra a importação do carnaval carioca para Patos de Minas. Ele critica a iniciativa da Unidos do Alvorada ao buscar alegorias no Rio de Janeiro, transfigurando o caráter regional do carnaval de Patos de Minas. “Eles justificam isso dizendo que querem escapar da dependência financeira do poder público. Mas vivem de pires na mão na porta da Prefeitura”, alfineta. Desanimado, Osmildo recorda que a Muda Brasil surgiu como um bloco em 1982 e elevou o nível de desfile nos últimos anos. Ele diz que muitos carnavalescos e foliões, que sempre participaram do movimento, estão desalentados e não devem se envolver com o carnaval este ano.

Este é o caso de Joselito Borges, popular Zelito, ex-carnavalesco da Acadêmicos do Samba, que este ano não vai passar o carnaval em Patos de Minas. Ele não faz nem idéia de qual será o custo da alegoria da escola, da qual está afastado. Zelito começou como destaque em 1988, na Muda Brasil e em 1993 transferiu-se para a Acadêmicos como carnavalesco. Magoado com o resultado do ano passado, quando sua escola ficou em segundo lugar com 740 pontos, ele acusa os jurados de não terem agido com coerência ao julgar o conjunto do desfile. Frisa, indignado, sua decisão de não participar do carnaval, dizendo que este ano não quer nem ouvir o som do tamborim.

Também o carnavalesco Antônio Castro, da Lagoa Azul, parece indisposto a cair no samba. Ex-presidente da escola, que também não tem sede, ele já transferiu o cargo para o vive, Altamir Roza. O carnavalesco diz que a escola está bem desestruturada e não sabe como fará para desfilar este ano. “O máximo que posso fazer é continuar apenas como carnavalesco se a turma da escola resolver mesmo participar do desfile”, conclui. Em 1994 a Lagoa ficou em quarto lugar, obtendo 572 pontos, após apresentar o tema do “Tetra”, com a participação de 200 figurantes.

DUELO RESTRITO – Considerando o desânimo que se abateu sobre a Muda Brasil e a Lagoa Azul, tudo indica que o duelo pelo título ficará restrito à Unidos do Alvorada e a Acadêmicos do Samba, que estão a pleno vapor na preparação de seus respectivos desfiles. Pela desestruturação da Lagoa Azul e Muda Brasil, elas dificilmente conseguirão montar um bom espetáculo, se decidirem participar do desfile. Com a tradição de seus 23 anos de existência, a Acadêmicos tem agora a garra do jovem presidente Waldir Belo, 30 anos, que participa há 8 anos da escola e foi eleito recentemente ao cargo. No ano passado ela desfilou com 140 figurantes mas desta vez quer colocar 20 na rua. “Acho que vai dar para a gente fazer bonito com a verba da prefeitura e mais um dinheirinho que temos em caixa”, anima-se o presidente, que ainda espera obter mais alguns recursos com patrocinadores. Única escola a contar com sede própria, a Acadêmicos sai este ano com um enredo que mistura Tom Jobim, Airton Senna, o Tetra e Carmen Miranda. O samba enredo mais uma vez é de autoria do popular “Batom”, que deverá cantá-lo com a ajuda do puxador “Lascadão”.

O presidente acha difícil calcular o custo total da escola na elaboração das alegorias alusivas ao tema de seu samba enredo. Além dos gastos com material, este custo inclui 3 salários mínimos para cada puxador e 10% da verba da prefeitura para o carnavalesco, uma praxe utilizada por todas as escolas de Patos de Minas. Com o afastamento de Zelito, o carnavalesco será Serginho, discípulo de Osmildo Eustáquio, que teve formação na Muda Brasil.

A campeã do ano passado também está em ponto de bala, segundo avisa sua carnavalesca Nilza Cássia. Improvisada num barracão cedido pelo empresário Décio Bruxel, a Unidos do Alvorada promete “estraçalhar” o desfile com o tema “Mad in Brazil”, ressaltando a cultura e a arte popular brasileira. O samba enredo foi estilizado pela madrinha carioca União da Ilha, com arranjos de integrantes da bateria da escola. “Queríamos sair com 500 figurantes, mas a grana só dá para 300”, revela Nilza, alegando que a verba da prefeitura não é suficiente. Para isso, a escola conta com dinheiro em caixa, oriundo de promoções feitas no decorrer do ano passado. Novamente, o puxador será o radialista Walter Soares.

Indignada com as farpas contra o fato de sua escola buscar apoio no Rio de Janeiro, Nilza explica que o material obtido junto à União da Ilha não passa de lixo. “São alegorias que a gente tem de reciclar para ser utilizada novamente”, esclarece. Com o trabalho de reciclagem ela incorpora o perfil da escola, fazendo prevalecer sua própria criatividade. Com peso maior na alegoria, a Unidos do Alvorada vai sair este ano com três ou quatro carros alegóricos.

TRANSMISSÃO – A exemplo do que aconteceu em 1994, a NTV vai transmitir o carnaval ao vivo na Major Gote. “Este ano vamos trabalhar com cinco câmeras e mais profissionalismo”, garante o diretor da emissora Jonas Silva, lembrando que da vez anterior a NTV estava praticamente em fase experimental, razão pela qual enfrentou várias dificuldades técnicas. A emissora, segundo ele, já está formando um pool de empresas para patrocinar a transmissão. No ano passado, o patrocínio ficou em US$ 10 mil, sendo que 70% deste total foi dividido entre as escolas que participaram do desfile. Este ano, a idéia é a mesma, mas Jonas Silva ainda não sabe o valor do patrocínio.

No epicentro do Carnaval de Rua de Patos de Minas o panorama também parece que não será alterado. Dos tradicionais bares e lanchonetes existentes no local apenas o Bar Saci deve ficar aberto durante o desfile e o baile popular. “Acho que o trabalho compensa”, afirma Luiz Eduardo Tavares, o popular Luizinho do Bar Saci. Ele só lamenta a falta de sanitários destinados ao grande público que se concentra naquela área e sugere que a prefeitura instale mictórios nas saídas dos bueiros para resolver o problema. A falta de banheiros é o maior obstáculo para que o conhecido “Quinze” mantenha a Churrascaria Chalé aberta durante o carnaval. “As pessoas fazem a maior bagunça e nosso banheiro não comporta tanta gente”, se desculpa ele, decidido a não abrir seu estabelecimento este ano. Também o comerciante Ilídio Neto, o Netinho, da Lanchonete Água na Boca, não deverá trabalhar no carnaval. Ele acha que a folia exige muito serviço e gera pouco lucro, além de comprometer o atendimento de sua pequena lanchonete. O mesmo acontece com os proprietários da tradicional lanchonete Brotolândia, que, segundo o exemplo dos outros anos, também ficará fechada.

SAUDOSISMO – Indiferente a movimentação em torno do carnaval deste ano, o popular Tonhão Andrade, 62 anos, ainda vive do saudosismo de outros carnavais. Autor de marchinhas que marcaram época, como “Bicicleta”, “O Pinto Pia” e outras, Tonhão cantou suas músicas pela última vez no carnaval de 1991. “Hoje elas continuam sendo tocadas, mas eu não tenho mais pique para subir no trio elétrico”, lamenta ele, que passou recentemente por uma séria cirurgia cardíaca.

Alternando momentos de brilho e de decepção, o Carnaval de Patos de Minas caminha para uma fase inevitável de reflexão. Seu contexto cultural, originado pelo antigo Clubinho Carnavalesco do Povo, já desvirtuou-se com o passar dos anos, ganhando outros aspectos incorporados pelas gerações de novos foliões. Cabe agora aos promotores do evento a tarefa de reciclar sua trajetória para definir o conceito carnavalesco mais apropriado ao espírito dos patenses.

* Fonte: Texto publicado com o título “Samba, Suor e Reclamações” e subtítulo “Indefinições marcam os preparativos das escolas” na edição n.º 6 de janeiro/1995 da revista Diga, do arquivo de Luis Carlos Cardoso.

* Foto: Montagem meramente ilustrativa.

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