SERVIÇOS FUNERÁRIOS: OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS

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TEXTO: JOSÉ ALBERTO DAS CHAGAS (1995)

Manifesto publicamente meus sinceros cumprimentos pelo oportuno tema da matéria “Concorrência de Abutres” (Diga n.º 5 – Dezembro/94), num momento extremamente propício à reflexão sobre o serviço funerário prestado à população patense ao longo dos últimos 40 anos.  Os cumprimentos se estendem também à saudosa revista “A Debulha”, que anteriormente já havia abordado o mesmo tema¹, provando que a imprensa local jamais esteve alheia à questão. Ressalto, porém, um lapso de ambas ao não aprofundar-se às covas onde se escondem os verdadeiros culpados pela situação atual do setor funerário no município. Transformando velórios em palanques, os políticos incentivam os “papa-defuntos”. Céticos à idéia da morte (porque se julgam imortais), os homens públicos se atentam às grandes obras, esquecendo-se da dignidade do ato funerário para qualquer mortal. Todo cidadão tem direito a um enterro decente. A começar pelo cemitério no qual está enterrado.

O debate em torno de serviços funerários em Patos de Minas deve começar obrigatoriamente na porta do campo de “Santa Cruz”. Nosso cemitério não possui iluminação, nem conta com estrutura adequada para acomodar o público em dias de sepultamento. Sem o mínimo de segurança, ele fica mercê de vândalos, diante do descaso das autoridades ditas competentes. O trecho da rua Ouro Preto à rua Vereador João Pacheco, que também não é iluminado, já se tornou ponto de encontro de marginais e gente suspeita. Há 8 anos, cerca de 60 sepulturas foram profanadas sem a devida punição dos contraventores. A construção de seu anexo marcou mais um funeral eleitoreiro impregnado de ignorância do poder público em relação aos nossos mortos. A obra ocupa um terreno de topografia irregular, mais apropriado à criação de burros e cabras. Muito utilizado como terreiro de macumba, o Cemitério Municipal se enquadra tragicomicamente aos rituais de magia negra, com sacrifício de animais, que ali são promovidos. Reflete ainda o espírito jocoso do fato ocorrido no dia 2 de novembro do ano passado, quando uma urna foi retirada de seu interior e exposta na quadra do Projeto Saci. Pior do que isso é a ridícula “sala de necropsia”, improvisada e inaugurada recentemente no local, sem a presença de políticos ou queima de fogos. Talvez por isso, eles não sabem da sujeira que ali impera com focos de baratas e escorpiões, nem notam que o nosso cemitério é o único que fecha duas horas para almoço.

Me lembro bem da antiga Funerária Dalariva e da Funerária do “Lazinho Pereira”. Naquela época, Patos de Minas contava com três funerárias agindo eticamente, sem qualquer comportamento indecoroso. Antes de funcionar legalmente, em 1959, meu pai, José das Chagas, dono da Funerária Chagas, protocolou requerimento na Prefeitura Municipal reivindicando concorrência pública do serviço funerário na cidade. No documento, ele deixou registrado sua preocupação com a idoneidade moral e financeira das pessoas e firmas que concorressem à prestação deste serviço. O documento foi indeferido por pura acomodação política. Com o fechamento dessas duas funerárias, outras vieram e transformaram e o setor nisso que aí está. Enquanto em Uberlândia, com 368 mil habitantes, existem apenas duas funerárias – uma da família Olavo Chaves e outra da família Ângelo Cunha – Patos de Minas, com 103 mil habitantes, já conta com cinco.  Até 1976, tivemos um mercado estável, sem abalos éticos ou conduta amoral das empresas que operavam na cidade. De lá para cá, foi só dissabores, vergonha e decepção. Por “imposição” do falecido padre Almir Neves, tentamos construir uma “capela velório”, idéia aprovada pela Câmara Municipal, que votou a doação de um terreno destinado à realização da obra. O então vereador José Simões (presidente da comissão de doação) nos informou que o terreno era de 300 m². Como o projeto previa a construção de 1.200 m² de área coberta, desistimos da empreitada.

Até o popular Paulinho Mota (1.º suplente a vereador do PL) já foi vítima da ambição de certos profissionais do setor funerário. Em 1989, ele estava internado no Centro de Observação do Hospital “Imaculada Conceição”, sobre forte efeito de sedativos. Agentes da extinta funerária “Irmãos Almeida” invadiram o local para conferir se ele havia morrido, inclusive, puxando o lençol que cobria seu rosto. Certa vez, o médico Hely Tarquínio fez retirar-se um agente funerário de dentro do Centro Cirúrgico do Hospital Regional. O patrão do moço, em reunião convocada pelo Doutor, exigiu do médico tratamento mais humano para o seu funcionário. Pensei que o tratamento humano seria deixar o agente tomar o bisturi do médico e matar o paciente para obter mais um cliente. Coincidentemente, o citado agente, hoje, é o herdeiro das “técnicas” de seu antigo patrão e o profissional que mais provoca desentendimentos entre a classe. Ainda no ano passado, fui comunicado pelo administrador do Hospital Vera Cruz que está terminantemente proibido a permanência de agentes funerários no interior daquela unidade hospitalar. Disse ao administrador que não tínhamos culpa pelos enfermeiros acionar duas funerárias para atender ao mesmo caso, provocando tumultos nas dependências dos hospitais da cidade. Causadores: Funerárias Bom Pastor e Frederico Ozanam. Também lembrei ao administrador que ele deveria se preocupar com os níveis dos salários dos enfermeiros. Quem ganha mal, fica sujeito a receber propinas para reforçar o orçamento doméstico.

Vítima do monopólio que atualmente domina o setor, a Funerária Chagas já passou por um longo período sem obter serviço nos Hospitais São Lucas e Nossa Senhora de Fátima. Numa ocasião, fui solicitado pelo amigo Rufino a dar socorro a uma senhora que passou mal em frente a catedral. Juntos, transportamos a mesma até ao Hospital Vera Cruz, onde infelizmente faleceu. Saímos, eu e o Rufino, para comunicar o fato ao filho da citada senhora. Quando retornamos, a Funerária Frederico Ozanam já estava de posse do corpo. A deslealdade na concorrência extrapola até os limites legais. A Funerária Chagas é a única de Patos de Minas que tem convênio com o INSS, cumprindo tabela expedida pela Prefeitura Municipal. As demais, fazem propaganda do mesmo serviço, apesar de não serem conveniadas com o órgão.

Para conter os excessos notados no setor funerário em Patos de Minas é necessário eliminar urgentemente o caráter eleitoreiro da expedição de alvarás para o funcionamento de empresas do ramo. Abrir uma funerária não é como instalar um boteco numa ponte de rua. É preciso acima de tudo, haver respeito à dignidade humana para se lidar com a morte e seus reflexos entre os vivos. No entanto, o setor se expande no município sem o controle de qualidade do serviço e da honestidade de quem o explora. Lamento dizer, porém que novas dores de cabeça poderão surgir nesta área com a criação dos chamados “consórcios de caixões”. Eles são “canalisticamente” denominados de “Fundo Mútuo” e representam uma verdadeira “arapuca” para as pessoas incautas. Sem uma lei que dá amparo ao consorciado, sou capaz de apostar que muita gente vai meter o pé nesta cova e morrer de raiva quando requerer o que pagou e a funerária já haver solicitado sua própria baixa.

* 1: Leia “Disputa Acirrada por Defuntos no Final da Década de 1980”.

* Fonte: Texto publicado com o título “O Fim Justifica os Meios” na edição n.º 06 de janeiro/1995 da revista Diga, do arquivo de Luis Carlos Cardoso.

* Foto: Informativo.com.br.

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