JUSTINO: A TRISTE REALIDADE DE UM JOVEM QUE SE TORNOU MARGINAL POR IMPOSIÇÃO DA LEI

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TEXTO: EITEL TEIXEIRA DANNEMANN (2017)

Conheci o Justino, um jovem de 14 anos de idade. Aliás, foi o Justino quem me conheceu. Estava ele num ponto qualquer da Cidade quando cruzei seu caminho. Abordou-me e perguntou: – Você é aquele cara do Efecadepatos? Assim deu-se início a um bate-papo que consumiu pelo menos uma hora de nossos tempos. O Justino é um nome fictício, usado pelo próprio jovem. Foi assim que ele se apresentou a mim. Confidenciou-me que adora o site e que o conheceu quando frequentava a escola. Mas não foi indicação da escola, e sim casualidade quando fazia uma pesquisa sobre o local onde estudava. A partir daí, sempre o acessa. Falando isso, mostrou-me o celular de última geração, dos mais caros do mercado.

Triste história de vida do Justino, contingenciada pela lei, como ele faz questão de asseverar. De família extremamente humilde, criado pelos avós, ele carroceiro (70) e ela dona de casa (60), tem muito orgulho dos dois. Quando tinha 12 anos frequentava com afinco a escola porque já sabia que somente com estudo poderia ser alguém na vida. Tinha, como desejo intenso naquele momento de sua ainda efêmera existência, trabalhar para ajudar os amados pais nas despesas da casa, justa causa pelo carinho e amor recebidos pelos dois idosos. Determinado, pediu ao avô que conversasse com o proprietário de uma pequena mercearia do bairro. Deu certo e o emprego foi conseguido. “Foi uma das maiores alegrias da minha vida. Eu estudava de manhã e trabalhava à tarde. À noite, fazia os deveres de casa e ainda sobrava tempo para um futebolzinho na quadra do bairro, a um quarteirão de casa. Após uma semana de trabalho, eu me considerava o jovem mais feliz de Patos de Minas, por sentir na alma que estava sendo útil, e mesmo sendo pouco dinheiro eu poderia ajudar meus pais e ainda sobrar um dinheirinho para comprar algumas coisas que queria”, declarou sorridente.

Infelizmente a alegria durou apenas uma semana, pois o dono da mercearia foi preso por empregar um menor e teve de pagar fiança para lá não ficar. Justino não se conformou e sempre se perguntava: – Por que não posso trabalhar se o trabalho estava me fazendo tão bem? Era uma injustiça, ele não aceitava aquilo de forma alguma. Pouco tempo depois percebeu que o avô, alquebrado pela vida, já não conseguia fazer fretes pesados em sua carroça e por isso estava perdendo clientes. “Então sugeri lhe auxiliar, pois tinha mais força que ele para carregar objetos. Assim, em pouco mais de um mês, o número de clientes voltou a aumentar e a esperança de melhorar a renda de nossa família renasceu forte em mim. Eu estudava de manhã, trabalhava com o vovô à tarde e fazia os deveres de casa à noite. Novamente me encontrava feliz, radiante, me considerando importante, alguém útil”, disse com voz embargada.

Mas novamente podaram a felicidade do Justino. Seu avô também foi preso por empregar um menor e, pior, acusado de explorar o neto. O dinheiro da fiança lhe fez falta durante muito tempo. Muitas noites Justino não dormiu pensando naquilo tudo, pensando porque lhe proibiam de trabalhar se ele se sentia feliz em trabalhar. “Li no seu site a quantidade de jovens que trabalharam ainda novos e se transformaram em gente que contribuiu muito para o progresso de Patos de Minas. Veja só, o Júlio Bruno começou a trabalhar aos quatro anos de idade. Trabalho é coisa nobre, engrandece a qualquer um, independente da idade”, afirmou Justino com convicção. Com expressão carregada, falou: “Uma noite, assistindo a uma novela, percebi que vários jovens, incluindo crianças e bebês, atuavam como atores. Ora bolas, eu me perguntei um milhão de vezes: – Por que aqueles jovens podem trabalhar em televisão e eu não posso trabalhar onde quiser? Foi aí que comecei a me revoltar, a sentir raiva do governo que me proibia trabalhar”.

Os dias passaram, Justino estava com pouco mais de 13 anos. Sentado no meio-fio à frente de casa, remoía-se de raiva por não poder trabalhar para apoiar financeiramente os seus avós. De repente, parou a seu lado uma moto, novinha, brilhante, e nela um antigo conhecido do bairro, uns seis ou sete anos mais velho, há muito tempo sumido, com roupas de primeira e um tênis daqueles caríssimos. “Perguntou-me o porquê da minha tristeza. Depois de ouvir o que eu disse o motoqueiro contou-me a sua vida e descreveu os excepcionais negócios que estavam lhe dando lucros imensos, e o antigo conhecido fez questão de esclarecer que no seu expediente ninguém lhe proibia nada e já tinha até comprado casa. Dito, partiu urrando o motor, e eu fiquei mais triste e revoltado do que nunca”.

A partir daquele dia, Justino passou a receber visitas diárias do antigo conhecido que lhe tentava com um mundo novo e cheio de dinheiro: o fatídico comércio de drogas. Durante longuíssimos três meses, Justino recusou de todas as formas possíveis, até que um dia o antigo conhecido surgiu com uma camionete de luxo novinha. “Minha mente estava tão transtornada e revoltada por não poder trabalhar honestamente que aceitei o pequeno e inicial trabalho desonesto: entregar uma encomenda no Bairro Alto dos Caiçaras. Executei o serviço com galhardia, e mais outros, mais outros… Comecei a fazer melhorias na casa de meus pais. Comecei a melhorar a vida de meus pais. Era tudo que eu queria. Mas meus pais não compreendiam de onde eu tirava o dinheiro. Eu consegui convencê-los que estava trabalhando como vendedor autônomo de planos de saúde. Para não causar-lhes problemas, fui morar com alguns colegas de trabalho, alegando que precisava montar um escritório. Coitados, meus amados avós, tão ingênuos por acreditarem que um garoto de 13 anos pudesse ser vendedor de planos de saúde e ainda ter um escritório”.

“E os negócios foram crescendo com a velocidade do raio até que, aos 14 anos, fui detido pela primeira vez. Depois, a segunda vez, a terceira, a quarta, a quinta e a sexta. Esta foi complicada, mas só um pouquinho, porque assassinei um cliente inadimplente. Foi aí que meus pais ficaram sabendo. A desilusão dos velhos foi tanta que meu avô teve um ataque cardíaco fulminante e faleceu. Minha avó perdeu a noção da vida e fui obrigado a hospedá-la num lar de idosos. Banco tudo, é claro, até onde puder”.

Justino abaixou a cabeça, suspirou longamente, olhou para o céu, encarou-me e com olhos pinçados de ira extrema desabafou: “Assim vai ser a minha vida até os 18 anos; vou continuar a vender drogas, a matar quando necessário e, aí sim, quando deixar de ser menor, vou finalmente poder trabalhar honestamente e viver uma vida sadia. Mas isso se der tempo e eu não for morto antes. Pois é, meu prezado, neste país injusto, o menor pode fazer o que quiser, desde bater em professoras até matar qualquer um que lhe encher o saco. Aqui, meu caro, neste país perdido onde aqueles que deveriam formatar a nação são os que mais roubam, nós, jovens, somos intocáveis, mas, de jeito nenhum, em hipótese alguma, podemos trabalhar honestamente. Eu sou apenas um exemplar dos jovens que o governo está gerando para herdar o país”, disse Justino encerrando o bate-papo com lágrimas nos olhos. Ao virar a esquina, parou, mirou-me atentamente e, como se tivesse uma arma na mão, simulou um tiro, assoprou o cano e desapareceu.

* Foto: Gartic.com.br.

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