CASO RHEEM, O

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No início da década de 1990 a empresa Rheem Metalúrgica negociou com a Prefeitura de Patos de Minas a instalação de uma fábrica na cidade com o objetivo de produzir latas de alumínio para embalagem dos produtos da Cica, primordialmente. Seria a primeira fábrica de embalagens metálicas instalada no Estado de Minas Gerais, com capacidade para produzir 300 milhões de unidades por ano. Uma área de 30.475 metros quadrados localizada no Bairro Cidade Nova foi desapropriada para doação. Estava tudo encaminhando de acordo com os tramites burocráticos quando o PDT obteve na Junta Comercial uma certidão de ato constitutivo provando que o então vice-governador Arlindo Porto era um dos sócios da empresa Empreendimentos Imobiliários Cidade Nova Ltda., da qual foi desapropriado o terreno.

O projeto de doação do terreno foi então contestado pela bancada do PDT na Câmara Municipal – formada por Cleonaldo Silva, Edimê Avelar, Nascimento Xel, Oton Rego e liderada por Pedro Lucas – e aprovado por 11 votos a 5, apesar das denúncias de irregularidade no processo. A desapropriação, segundo o líder da bancada do partido, foi ilegal, já que a área se encontrava caucionada na Prefeitura e não poderia ser alvo de nenhuma negociação e ainda que o terreno adquirido pela Prefeitura ao preço de 2 bilhões e 275 milhões de cruzeiros foi supervalorizado.

Diante do fato, o então vice-governador Arlindo Porto optou por manter-se em silêncio quanto ao seu envolvimento no imbróglio. Em entrevista à Rádio Clube AM em 23/04/1993 ele esclareceu que jamais omitiu o fato de ser sócio da empresa citada e que obteve 10% dela depois que deixou a Prefeitura de Patos de Minas e antes de assumir o Governo do Estado, esclarecendo que como cidadão e empresário podia participar de qualquer negócio que lhe fosse interessante. Na oportunidade enfatizou que não ia responder a ataques políticos, principalmente de elementos da oposição.

Com a polêmica envolvendo a desapropriação do terreno tomando repercussão política além do esperado, o vice-presidente da Rheem, Francesco Vergara Cafarelli, que esteve com o prefeito Jarbas Cambraia em 05/05/1993, disse que o projeto é de alto interesse do município e não pode ser questionado por um valor tão pequeno. De acordo com o empresário, os investimentos da Rheem ultrapassam a faixa de 10 milhões de dólares e o preço do terreno não representa praticamente nada no custo do projeto e que a indústria deverá ser inaugurada no prazo de 60 a 90 dias.

No mesmo dia cinco de maio, algumas entidades divulgaram o Manifesto à População Patense:

As Entidades abaixo-relacionadas, representativas de segmentos diversos da economia patense, sentem-se no indeclinável dever de vir a publico, para condenar e repudiar a atitude de uns poucos políticos ressentidos que pretendem denegrir o nome do vice-governador Arlindo Porto e colocá-lo, perante a opinião pública, como beneficiário de negócios escusos que teriam sido praticados pela atual Administração Municipal, quando da compra e doação de terreno à Rheem Metalúrgica, para a implantação de sua unidade industrial em Patos de Minas. Uma recente Nota, publicada em nossa imprensa e assinada pelo Prefeito Dr. Jarbas Cambraia e todo o seu secretariado, já esclareceu sem subterfúgios e evasivas, todos os procedimentos e cuidados que foram adotados, tanto para a aquisição quanto para a doação do referido imóvel […]:

Sindicato Rural de Patos de Minas, Presidente José Ribeiro de Carvalho; Sindicato do Comércio Varejista de Patos de Minas, Presidente Sebastião da Silva Andrade; Sindicato da Indústria Metalúrgica, Mecânica e do Material Elétrico de Patos de Minas, Presidente Lisando Queiroz Bicalho; Sindicato dos Contabilistas de Patos de Minas, Presidente José Humberto Silva; Sindicato da Indústria da Construção Civil de Patos de Minas, Presidente Tarcísio Queiroz Bicalho; Sindicato Intermunicipal da Indústria do Vestuário de Patos de Minas e Alto Paranaíba-SINDVESTIPAL, Presidente Milton Eustáquio Rodrigues; Clube dos Diretores Lojistas de Patos de Minas-CDL, Presidente José Soares Filho; Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas, Presidente Dário Rodrigues Caixeta; Associação dos Comerciantes de Carne de Patos de Minas, Presidente José Luiz Borges; 45.ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, Presidente Fernando Saraiva Rios; Associação Médica Regional de Patos de Minas, Presidente Paulo César Teixeira Duarte.

Poucos dias após, o vice-governador Arlindo Porto interpelou judicialmente o vereador Pedro Lucas Rodrigues, líder da bancada do PDT na Câmara Municipal de Patos de Minas, através de procuração passada ao seu irmão, o advogado Humberto Eustáquio Porto (Xaxá). A interpelação, protocolada na Vara Criminal da Comarca e despachada no último dia 13 de maio, pelo juiz Substituto, José Sérgio Palmieri, requer a notificação do vereador, com prazo de 48 horas, para esclarecimentos quanto às suas denúncias.

Em 08/05/1993, uma carta do Presidente do Sindicato Rural de Patos de Minas, José Ribeiro de Carvalho, foi divulgada nos veículos de comunicação com o título Arlindo Porto: Político Correto:

[…] Meses atrás uma comissão composta por cidadão patenses avaliou um terreno para a Prefeitura, terreno este que seria doado à Rheem Metalúrgica (indústria que está se instalando em Patos de Minas e que muito beneficiará nossa economia). De posse da avaliação, a Prefeitura comprou o imóvel e o doou à referida indústria. Diante disto, alguns políticos de Patos de Minas andaram publicando matérias alegando que nosso vice-governador teria sido beneficiado por uma suposta supervalorização do terreno. Pois bem, será que estas pessoas têm memória curta? […] Arlindo merece todo o nosso respeito, ante a mesquinhez e falsidade de tais publicações. Se alguém merece críticas, este tem que ser a comissão que fez a avaliação e, como conhecemos o gabarito das pessoas que compuseram esta comissão, ficamos seguríssimos que a avaliação foi a mais correta possível.

Diante dos acontecimentos, a Rheem Metalúrgica suspendeu os investimentos em Patos de Minas. O caso tramitou na justiça durante três anos. Até que a revista Diga, em sua edição de abril/1996, publicou esta matéria com o título “O Último Round” e subtítulo “Prefeitura ganha ação que impedia a instalação da Rheem Metalúgica”:

Alvo da primeira polêmica envolvendo a administração do atual prefeito Jarbas Cambraia, a Rheem Metalúrgica, maior indústria de embalagens metálicas do país, volta a ocupar espaço na imprensa de Patos de Minas. “Foi uma vitória da comunidade”, comemorou o prefeito ao anunciar que a indústria finalmente poderá ser instalada na cidade, depois de provocar uma celeuma que resultou numa Ação Popular encabeçada pela bancada local do PDT, por iniciativa do vereador Pedro Lucas. O próprio Cambraia faz questão de reviver o rumoroso Caso Rheem, que provocou estardalhaço em 1993, com a proporção de um escândalo político desgastante para o seu governo. Para se instalar em Patos de Minas, a indústria ganhou da Prefeitura um terreno de 30.000 m², totalmente urbanizado, localizado ao lado da Cica. ‘É um projeto idealizado para que a Cica possa consumir parte das latinhas produzidas pela Rheem”, observa o prefeito. A doação foi contestada pelos vereadores que assinaram a Ação Popular sob alegação de irregularidade no processo e suspeitas de supervalorização do terreno. Contrariada, a diretoria da indústria decidiu suspender o projeto, e aguardar a conclusão da pendenga jurídica, após ter injetado cerca de 2,5 milhões de dólares na construção de suas instalações físicas.

No início deste mês Jarbas Cambraia respirou aliviado. Depois de tramitar por todo este tempo a Ação Popular foi julgada em última instância e a justiça concluiu que a Prefeitura cumpriu as determinações legais na operação mantida com a Rheem Metalúrgica. “Nós vencemos o último round desta briga, pois a decisão agora não cabe mais recursos”, comemorou um assessor de Cambraia.

PREJUÍZO SOCIAL – Desde o início do caso o prefeito Jarbas Cambraia sempre alertou para o prejuízo que a Ação Popular representava para o município. “A Rheem já poderia estar em funcionamento, gerando empregos e divisas para a cidade”, lamenta. O investimento na instalação da indústria é estimado em 15 milhões de dólares, para um faturamento anual de aproximadamente 18 milhões de dólares. Além de suprir a unidade industrial da Cica, a Rheem Metalúrgica atenderá também os mercados regional, estadual e nacional. A previsão é de que a indústria admita 200 trabalhadores em sua etapa inicial. “É inadmissível termos passado tanto tempo sem os benefícios que ela já poderia estar dando ao município”, indigna-se o prefeito.

A Rheem Metalúrgica utiliza de alta tecnologia na produção de embalagens metálicas. São equipamentos de última geração que exigem trabalhadores especializados. Sua atividade deverá gerar algo em torno de 2 milhões de dólares em tributos para o município, segundo a previsão de técnicos financeiros da empresa. “Nosso negócio agora é esquecer o que passou e batalharmos para que a Rheem seja instalada o mais breve possível em Patos de Minas”, anima-se Cambraia.

DATA INDEFINIDA – Além do resultado da Ação Popular, outro fator que influi de maneira decisiva no projeto da Rheem Metalúrgica em Patos de Minas é a proposta de expansão da unidade industrial da Cica, que prevê a absorção de mais 720 empregados diretos e 5 mil trabalhadores indiretos, num prazo máximo de quatro anos. O projeto foi pauta recente de um encontro mantido pelo prefeito Jarbas Cambraia com diretores da Cica e o vice-governador Walfrido dos Mares Guia, em Belo Horizonte. Na ocasião, estavam presentes também o secretário de Estado da Indústria e Comércio, Reginaldo Braga Arruda, o deputado Antônio do Valle e o senador Arlindo Porto.

Embalados pela iniciativa da Cica, Cambraia, Do Valle e Arlindo Porto decidiram fazer gestões junto a diretoria da Rheem Metalúrgica, procurando incentivar a indústria a retomar seu empreendimento na cidade. Contados foram mantidos com o seu diretor-presidente, empresário Fernando Pernambuco, no sentido de que a indústria dinamize sua instalação em Patos de Minas. A expectativa é de que a Rheem Metalúrgica retome o seu projeto o mais breve possível. Não há prazo definido para que isto aconteça, mas o diretor da indústria já se comprometeu a estudar a proposta para que a mesma possa entrar em funcionamento ainda em 1996 com o propósito de produzir 100 milhões de embalagens metálicas por ano¹.

Em 30 de novembro de 1998, a Cica, comandada pela Van den Bergh Alimentos, recebeu o prêmio Top de Ecologia, concedido pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADBV). O prêmio é um reconhecimento pela entidade, de âmbito nacional, do trabalho realizado pela empresa no campo ambiental, desde suas atividades agrícolas, processamento industrial até o consumidor. Incompreensivelmente, pouco tempo depois a Cica cerrou definitivamente as suas portas em Patos de Minas. E com ela, foi-se a Rheem Metalúrgica.

* 1: Leia “Inaugurada a Rheem”.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Fontes: Edições do jornal Correio de Patos de 07/04/1993, 01/05/1993, 08/05/1993 e 15/05/1993, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam; Revista Diga, do arquivo de Luis Carlos Cardoso.

* Foto: Edição n.º 18 de abril/1996 da revista Diga, do arquivo de Luis Carlos Cardoso.

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