SOBRE O RIO PARANAÍBA EM 1956

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“O Rio Paranaíba era um dos caminhos naturais para a penetração das Bandeiras nas terras de Paracatú do Principe”, escreve Saint Hilaire em seu maravilhoso livro “Viagem pela Bacia do Rio São Francisco”. Ao Rio Paranaíba cabe, assim, papel saliente na historia do desbravamento do Município de Patos. Às suas margens nasceram as primeiras choupanas de capim sapê e que mais tarde cederiam lugar às modernas vivendas de hoje.

Os valentes desbravadores que galgaram às terras riquíssimas de Paracatú, naquela época consideradas inigualáveis, pelos ricos veios de ouro ali existentes, era o novo eldorado perdido nos confins das Minas Gerais, e, por causa dessa corrida ao ouro de Paracatú, é que os intrépidos exploradores não respeitavam os obstáculos que se deparavam em sua frente, “nem mesmo o caudaloso Paranaíba, com a fúria de suas águas”. Escreve Saint Hilaire, a natureza era vencida, pêla força indomável do homem de antanho, e assim foi dominado o nosso Rio Paranaíba, para surgir em suas fraldas a Cidade bela de Patos de Minas.

E hoje, passando quase um século, bem verdade que o rio perdeu, aparentemente, a sua magestade, transformando-se dentro da cidade que êle mesmo ajudou a surgir, o depositário de sujidades da éra moderna, melancólico destino do bravo rio, testemunha muda da história, pioneiro dos primeiros desbravadores da nossa terra. Sobre as suas águas, os tempos correram…

ENCHENTES

O Paranaíba de hoje já quase não oferece os perigos das descomunais enchentes de outrora. Houve tempo em que anualmente havia uma enchente. E cada vêz que vinha a cheia, lá pêlo mês de Janeiro e Fevereiro, o pânico se apoderava dos moradores ribeirinhos, as estradas ficavam obstruidas, a cidade sitiada. Em 1914, segundo depoimento dos mais velhos, houve uma enchente terrivel. Os prejuizos talvez não tivessem sido dos maiores naquela época, mesmo porque há 50 e poucos anos atráz, as margens do Paranaíba não estavam tão povoadas como atualmente. Mas, em 1922 registrou-se a maior enchente até aqui observada. As águas invadiram furiosamente todas as casas existêntes num raio de quase 2 quilometros. A propósito dêste fenômeno, conta-se um episódio muito interessante ocorrido naquela época e nas anteriores. Vivia ao lado da ponte do rio, um preto de nome André, ali construira êle a sua moradia, ali comerciava com os viajantes, os mais diversos artigos, desde a pinguinha “Paracatulina”, a bala calibre 44, e também se aprovisionavam das saborosas brôas de fubá, que fabricava, a mulher de André. Aliás, era uma mestra, na fabricação dessas iguarias…

O preto André era afeito àquele lugar, ali construira seu primeiro lar, o coração do velho André soube amar em toda essência aquele pedacinho de terra e não seria a fôrça poderosa das águas do Paranaíba que o expulsaria definitivamente daquelas paragens.

Mas acontecia, ano após ano, a destruição, a desolação se abatia sôbre o pobre lar de André, êle subsistia, mas, em grande parte, os béns materiais se perdiam, a fúria avassaladora das águas tudo arrazava, lá se ia o seu lar, que com sacrifícios imensos construira, suas bem cuidadas plantações, suas criações, tudo ia por água abaixo…

Sòmente o idealismo de André, ou a teimosia? permanecia intacta, não sossobrava ao oceano de água. Vinha a vazante. Com ela, emergia mais lutador do que nunca, o birrento André. Da sua casa, restava apenas o esqueleto; mas ali, ali mesmo naquêle alicerce semi-destruido, se ergueria novamente, a morada de André. Assim era a luta contra a fôrça poderosa da natureza.

O povo ficava intrigado com a perseverança de André, as advertências se avolumavam a cada episódio, temiam os perigos a que se expunha o velho e muitos lhe diziam: “Velho teimoso! Qualquer dia você vai, com a sua casa e tudo!…”. “Que nada – respondia – a água pode levar os meus trapos, a minha casa, quasi tudo, menos eu”. Era do contra o preto velho; as advertências em nada influiam no seu espírito, “enquanto eu viver, daqui não sairei”. Ali, à beira da ponte do Rio Paranaíba, queria morrer o André. Ali morreu o preto velho André. “Há razões que a própria razão desconhece”.

PEIXES

Também já se foi o tempo em que as margens do Rio Paranaíba se coalhavam de pescadores principalmente aos domingos e feriados. Hoje ainda há quem, de anzól e vara, pesca, passando (entre estes pescadores “inveterados” está o autor dessas linhas, pobre de mim¹…) longas horas, pacientemente, esperando que um peixe menos avisado lhe venha morder a isca…

Não há mais pescadores no Paranaíba por uma razão muito simples: Não há peixes. E os ariscos especimens que lá existem são “propriedade particular” do Vavá & Gumercindo, ditadores eternos da fauna paranaibana… Mas, isto é satirismo sem graça, piada sem essência… Vamos falar de coisa séria. A escassês de peixes no Paranaíba é em grande parte devido à nenhuma observância ao Código de Pesca Brasileiro. Aqui se pesca em qualquer época do ano e todos os dias, esta é a verdade. Existissem drásticas punições aos infratores, proibindo terminantemente a pésca nos períodos de procriação, ou desova, por certo a fauna seria preservada, aumentando o volume de peixes e assim nas épocas adequadas, teriamos a satisfação de fisgar algum “peixinho”… Não é verdade, senhores pescadores?

AREIA

É hoje explorado comercialmente a areia existente nas suas margens. Vê-se a existência de portos de areia, embora em escala pequena. O fato é que se desponta como um negócio vantajoso, pois a areia dali retirada é empregada em larga escala nas construções diversas e, como hoje, se constrói muito em Patos, é fácil avaliar a renda auferida pelos exploradores da areia do Rio Paranaíba.

PLANOS FUTUROS

Mas o Paranaíba está fadado à desempenhar em futuro muito próximo, um papel preponderante em nossa economia e progresso. O volume de água é bastante elevado e dali se poderá tirar o suficiênte para o abastecimento de uma população de 300 mil habitantes ou mais. Há ainda o fatôr hidro-elétrico. É admissível que no futuro se explore a potencialidade de cavalos fôrças, ali sepultados, à espera do homem empreendedor. O fato é que o nosso esquecido Rio Paranaíba, nos poderá abastecer de água e energia eletrica a vontade. É só querer…

* 1: Na publicação original não há o nome do autor da matéria. Talvez, quem sabe, o texto tenha como autoria o editor e proprietário do jornal, José Maria Vaz Borges.

* Fonte: Texto publicado com o título “PARANAÍBA! Um Rio que fará andar o Progresso!” na edição n.º 1 (24 de maio de 1956) do Jornal dos Municípios, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Doada por Donaldo Amaro Teixeira ao arquivo da Fundação Casa da Cultura do Milho, publicada em 23/05/2014 com o título “Enchente do Rio Paranaíba em 1938 – 2”.

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