DEIXAREI SAUDADE – 50

Postado por e arquivado em 2018, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

A ilusão do tempo faz transparecer emoções inimagináveis a um imóvel como eu¹, que surgiu no mundo com a simples e única finalidade de abrigar almas desesperançadas, um mundo de insensibilidades onde o eu é severamente superior ao nós. Não se trata aqui de queixas à minha condição miserável. Eu nasci miserável, vivo miseravelmente e sabe-se lá até quando me manterei miserável. Sempre me mantive ponderada com a situação, pois no meu entorno, na roda viva das fases lunares, no ir e vir dos raios solares, a permissiva ocupação do vasto espaço foi caracterizada por pessoas não encaixadas no escol, extracampo de uma sociedade que reinava no centro da cidade. Acolá, eles, os ricos; cá, eles, os pobres. Sempre foi assim, sempre será. Quando paredes insípidas como as minhas surgem num pedaço de chão é como o primeiro bolor num pedaço de pão: o insípido abraça com força as migalhas da terra, enquanto o miolo do pão desaparece nos filamentos bolorentos. Joga-se fora o pão, mas aos homens restam as migalhas das paredes que denotam a pobreza.

Não sei quantos anos tenho. A certeza para imóveis como eu e as centenas que surgiram junto comigo nos idos tempos é que a desesperança é o tônico que alimentou as várias almas que me habitaram e as outras almas que habitaram as congêneres. Enquanto lá embaixo reinava o espírito desenvolvimentista, aqui em cima reinava a esperança de se manter vivo para justamente colaborar com o desenvolvimento lá embaixo. Era uma via de mão única. É uma via de mão única. Sempre será uma via de mão única. Pergunto-me diariamente: como, em pleno século 21, ainda existem imóveis como eu? E, absurdamente, não sou o pior deles. O mundo sempre será uma via de mão única. A nós, tipo eu, resta unicamente a esperança do nada, o alvorecer do nada, pois nada mais somos do que o diferencial entre o cá em cima e o lá embaixo, na incrível inversão estrutural das altitudes. Não importa, sei que fui registrada nos anais da existência. Ontem, foi-se uma irmã. Amanhã, quem sabe, serei eu. E assim, como elas, estarei para sempre guardada na História de Patos de Minas como representante do outro lado. E, verdadeiramente, deixarei saudade!

* 1: Rua Padre Antônio de Oliveira, entre Rua São Bento e Rua Dona Maria Resende, exatamente na divisa dos Bairros Vila Garcia e Aurélio Caixeta.

* Texto e foto (24/05/2018): Eitel Teixeira Dannemann.

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