DEIXAREI SAUDADE – 55

Postado por e arquivado em 2018, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

Minhas paredes já ouviram belas palavras a respeito do outrora e aprazível Vale do Monjolo, que corria célere por entre a vegetação característica do Cerrado. Não tive oportunidade de apreciá-lo na sua exuberância. Só me lembro que essa rua onde fui erguida era conhecida por Rua dos Crentes por causa de muitos moradores protestantes¹. Se por causa disso era uma rua abençoada, não sei, pois nunca senti sensações divinas por aqui. Sensações de verdade foram as mudanças céleres que se procederam na ocupação dos espaços. O progresso não mede esforços para desmatar e poluir cursos d’água. Assim se deu em todo o meu entorno, aliás, em toda a cidade. Vi muitas das minhas semelhantes destroçadas aqui e acolá. Vi as encostas sendo dizimadas para o erguimento de prédios, vi o Monjolo se tornando um esgoto a céu aberto, como é até hoje. Sei que na natureza só sobrevive quem mata. Quanto a nós, não temos saída, não há como sobreviver, sempre seremos destruídas em nome de mudanças arquitetônicas que chamam de modernas.

Os animais têm sentidos que fogem à compreensão dos humanos. E estes também não têm a mínima ideia dos nossos sentidos. Nós sentimos em cada pedaço de nossas estruturas o rancor do abandono, a sensação mórbida da rejeição, de saber que durante longos anos serviu de teto a muitas almas e, de repente, servir unicamente como apoio comercial para alguns, até chegar ao ponto de não servir a mais ninguém, vindo então o óbvio, a ruína, os destroços, para que no mesmo espaço surja o novo, o moderno, o vil progresso. Dizem que o humano tem espírito, que se desgarra do corpo inerte e sem vida para se agregar a outro corpo, jovem e repleto de vida. Para os humanos, o espírito é imortal. Nós não temos espírito. Nós só temos o espaço de tempo da existência, e é único, não há volta. Quando somos destruídas, encerra-se definitivamente o ciclo material, pois somos unicamente matéria, pó, nada mais que pó, pó sem espírito. Não sei quando partirei para a viagem sem volta, mas muitos se lembrarão de mim, pois faço parte da História de Patos de Minas, e deixarei saudade!

* 1: A Rua dos Crentes era o trecho inicial da hoje Rua Farnese Maciel entre a Avenida Fátima Porto e a Rua Major Gote. Desta até a Rua Dona Luiza, era conhecida como Rua da Chapada. Não se sabe quando foi definida popularmente como Rua Farnese Maciel, mas, indubitavelmente, assim ficou durante muitos anos. Somente em 06 de junho de 2007, através da Lei n.º 5.876, é que o poder público oficializou-a como Rua Farnese Maciel.

* Texto e foto (15/04/2018): Eitel Teixeira Dannemann.

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