DEIXAREI SAUDADE – 63

Postado por e arquivado em 2018, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

Palavras são palavras, nada mais que palavras. Eu ouvi demais da conta essas palavras saindo de uma televisão preto e branco, se não me engano ditas por um tal de Walfrido Canavieira¹. É que as almas que me habitavam naquela época gostavam de ouvi-las, e como minhas paredes têm ouvidos afinadíssimos, ficava ouvindo aquilo sem prestar muita atenção. E essa de não prestar atenção no cotidiano das coisas é que me cegou perante o que aconteceu desde que fui erguida aqui na Avenida Paracatu². Assim como não prestei atenção naquela discussão do instala ou não instala o esgoto³. Nesse caso, se eu tivesse prestado atenção, teria percebido que, na realidade, eles estavam discutindo se queriam ou não o progresso. É, o progresso, essa máquina devoradora do passado, pois o progresso não permite a existência do ontem, em qualquer setor da cidade. Só agora, tardiamente, estou percebendo a mudança de visual à minha volta. Só agora estou percebendo a mudança de comportamento de meus donos.

Um dia um dos meus habitantes ficou doente e veio a falecer. Só então percebi que eles não eram eternos. Sempre imaginei que eles me habitariam por todo o sempre e que eu também seria eterna. Então foi aí que comecei a reparar ao meu redor e perceber que meus semelhantes também morriam, mas de maneira totalmente diferente. Enquanto os humanos perdem a vida e eu nunca mais os vejo, sem ter a mínima noção do que acontece com eles, eu, tristemente, vislumbro meus semelhantes sendo derrubados e transformados num monte de escombros. Depois tudo é limpo e no lugar surge uma nova construção, geralmente um edifício. Assim, depois de uma longa vida, clareou-se em minhas estruturas que esse será o meu inevitável destino: ser consumida pelo progresso. E como do destino não se consegue fugir, resta-me uma única alternativa: esperar o progresso vir me buscar para ser eternizada na História de Patos de Minas. E quando eu for, deixarei saudade!

* 1: Personagem criado por Chico Anísio para o programa Chico City, Walfrido Augusto Canavieira era um prefeito populista que driblava as cobranças do povo em relação à situação econômica da cidade, inaugurando todos os dias alguma obra pública, mesmo que inútil e mal acabada. Para os eleitores que exigiam o cumprimento das promessas de campanha, o prefeito tinha sempre uma resposta na ponta da língua: Palavras são palavras, nada mais que palavras.

* 2: O imóvel localiza-se à Avenida Paracatu, entre a Rua João XXIII e Avenida Marechal Deodoro, no Bairro Sobradinho.

* 3: Leia “Quando Alguns Moradores Não Quiseram Rede de Esgoto na Av. Paracatu”.

* Texto e foto (09/08/2018): Eitel Teixeira Dannemann.

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