BERENICE, A SINCERA

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A simplória Berenice, esposa do Gervásio, salgadeira de mão cheia que fornecia quitutes às festas de casamentos mais badaladas da Cidade e aos mais frequentados bares, como o saudoso Chalé, tinha uma mania que incomodava o marido: o dia inteiro, e para variar à noite, dizia-se preocupada com a morte. Aquilo enfezava o ajudante de marceneiro Gervásio, que durante muitos anos prestou serviço para a Oficina dos Cariocas¹. Mas o que mais o deixava cismado era quando ela dizia:

– Se um dia a morte resolver levar você, Gervásio, ela há de me levar em seu lugar, porque não sei viver sem você.

Assim foi durante um longo tempo, até que, sabe-se lá o motivo, ele começou a duvidar da sinceridade da mulher:

– Será, será mesmo que se um dia a morte vier me buscar a Berenice vai se oferecer para me salvar por que não consegue viver sem mim?

Não resistindo mais a essa dúvida, arquitetou um plano para por à prova a sinceridade da esposa. E disse-lhe:

– Berenice, meu amor, você vive falando da morte e que se um dia ela vier me buscar você vai se oferecer para ir em meu lugar porque não vive sem mim. Mas, por um acaso, você saberia reconhecer a morte quando ela aqui aparecer?

A mulher, com toda a sinceridade, respondeu que não tinha a mínima ideia de como era a morte. Foi a deixa para o homem estabelecer o seu plano:

– Ela sempre aparece na figura de um bode. Então, no dia em que um bode aparecer aqui em casa, assim do nada, pode ter certeza de que é a morte em pessoa que vem me buscar.

A simplória Berenice arrepiou os cabelos de medo, mas, nem assim, deixou de confirmar o seu desejo:

– No dia em que o bode aparecer aqui em casa para te buscar, pode ter certeza que me oferecerei para ir em seu lugar, pois não sei viver sem você.

Numa noite, às escondidas, Gervásio trouxe um bode para casa. Berenice estava na cozinha preparando seus salgados. Banho tomado, foi até o quintal, pegou o animal e o deixou à entrada da porta. Deu um beijo na mulher e foi para o quarto. Curioso, o caprino resolveu explorar o ambiente, atraído que estava pelo aroma agradável que chegava às suas narinas. De repente, lá estava ele na porta. E de repente, Berenice viu aquela figura. E mais de repente ainda, horrorizada, pensou alto:

– Ó meu Deus, é ela, a morte, veio buscar o meu amado esposo − e incontinente, apontou para o quarto.

E foi assim que o Gervásio, ardilosamente, tomou conhecimento do altíssimo grau de sinceridade da amada esposa!

* 1: Leia “José Amâncio Filho até 1996”.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.

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