BEIJO, O

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Nos idos de 1940, a viúva Dona Cacilda dava um duro danado, de segunda a segunda, lavando roupas para os endinheirados no intuito de arcar com as despesas da casa e dos estudos do filho único, o esbelto Geracindo, respeitado estudante na afamada escola particular Ginásio Municipal de Patos (Benedito Valadares), do Professor Anair José de Santana¹. Ela queria demais da conta que seu rebento fosse alguém na vida, importante como aqueles que pagavam seus trabalhos, tanto que o matriculou no internato da escola, para que ele se concentrasse unicamente nos estudos².

Certo domingo, de acordo com as regras do internato, o jovem passeava com alguns colegas pela Praça da Matriz, hoje Praça Dom Eduardo, em frente à instituição de ensino, quando perceberam uma linda garota, filha de um dos poderosos da Cidade, zanzando pelo amplo espaço acompanhada de uma serviçal. Ele se encantou com a belezura da garota e os companheiros notaram. Um deles caçoou:

– Gostou da moça, né, sua mãe lava as roupas da família dela, mas não é pra você, ela já está encaminhada para alguém de réis da família dela, da nossa família. Caso você não saiba, é minha prima, e eu sou um dos seus pretendentes. Você está com uma vontade danada de conhecê-la, não é? E até já sonhando beijando-a, entre outros desejos, com certeza. Pois bem, te pago um dinheirão se você for até ela agora e der um beijo no rosto daquela doçura. Vamos, vai lá, vamos…

Geracindo engoliu em seco as palavras do colega e foi. Alcançando a garota, cumprimentou-a e disse:

– Linda donzela, sou filho da Dona Cacilda que lava as roupas de sua família. Sou um pobre estudante do Ginásio e minha mãe trabalha muito para pagar meus estudos. Sabe aquele seu primo, ele me prometeu pagar uma grande soma de réis se eu conseguir lhe dar um beijo no rosto. Se eu conseguir, será um grande alívio para as despesas de minha mãe. Por favor, não me interprete mal, e, com todo respeito, permita que eu lhe dê um simplório beijo no rosto para que eu ganhe o dinheiro.

Quem ficou espantada foi a serviçal. A moça, surpresa e ao mesmo tempo encantada com a beleza do rapaz, depois de sorrateiramente mirar os outros e principalmente o primo, concordou:

– Todos de minha casa gostamos de sua mãe, e todos ouvimos falar do caráter de seu filho. Vá, beije-me no rosto, e arranque muito dinheiro daquele meu parente.

O simplório beijo no rosto foi dado, o primo da donzela pagou uma grande soma ao Geracindo e todos os colegas nunca mais zombaram dele.

Tão logo chegou em casa, a filha contou o ocorrido ao pai demonstrando enorme simpatia pelo rapaz, praticamente caracterizando amor à primeira vista. O pai, atendendo aos apelos da filha, conheceu o filho da Dona Cacilda. Foi simpatia à primeira vista. Pelo que se saiba, foi a primeira vez nos idos tempos de Patos sem ainda o “de Minas” que um pobre se casou com uma das filhas de um poderoso da Cidade.

* 1: Leia “Ginásio Municipal de Patos”.

* 2: Leia “Regulamento do Internato Dom Alexandre do Ginásio Municipal de Patos”

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.

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