DR. EUPHRASIO JOSÉ RODRIGUES DESNUDA AS MAZELAS DA CIDADE EM 1911 − 2

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TEXTO: EUPHRASIO JOSÉ RODRIGUES (1911)

Não sei nem procurei saber, qual a impressão produsida na parte sã da sociedade, com a leitura dos soliloquios em o número passado, porque tive receio de que os meus mais appetitosos pratos e succulentos acepipes, fossem deixados ás moscas; todavia não receei melindrar o meu povo; pois que o medico não offende quando examinando o doente diz − aqui ha gangrena − o medico é o sacerdote de uma religião santa, muita vez representa Deus; na phrase de grande escriptor, resuscita muita vez os Lazaros que a espada dos valentes deixou por mortos nos campos de combate, era grande Napoleão nos rochedos de santa Helena, era grande Affonso Penna no governo da Republica, era grande Floriano Peixoto ao debellar a revolução de que fôra causador, porém maiores eram os médicos que se acharam em suas cabeceiras, nos seus leitos de morte; portanto, não me queiraes mal, meus charos conterraneos, porque eu sou quem vos cura e não quem vos aniquila.

Disia eu em o numero passado que as outras causas de crimes, são a má alimentação, a vadiagem, a má hygiene , e a falta de instrucção civica, politica e religiosa.

Má alimentação.

A alimentação nos sertões mineiros, é má em todos os sentidos; é má porque não contém phosphoro de que tanto precisa a substancia cerebral, é má porque contém muitas cinsas e poucos principios nutritivos, e a alimentação nestas condicções produz dyspepsias que irritam o temperamento.

Já vistes por acaso um dyspeptico em plena digestão? Não vistes de certo, pois é um individuo irritavel que não se lhe pode dizer uma graça qualquer, por que está sempre disposto a brigar; foge da familia, foge da sociedade, leva a existencia dos anachoretas, e ai daquelle que vai perturbar a sua solidão.

O modo de alimentar-se então é verdadeiramente condemnavel.

Como era bello, como era salutar mesmo, si todos os pais de familia, na hora das refeições mandassem lavar as mãos de sua familia, se assentassem ao lado da esposa, rodeados dos filhos, em volta da mesa, mansa e pacificamente procedessem a refeição, dando-lhes conselhos salutares, ora sobre a digestão, ora sobre a mastigação, ora contando-lhes anedoctas, por entre os risos argentinos das creanças que fazem a felicidade do lar! Em lugar desse quadro que eu acabo de desenhar, existe outro horrivelmente feio: a refeição faz-se a trancos e a barrancos, o pai de familia é o único que vai a mesa, e depois abandona o restos á sua familia; a mulher é tida como ente de condicção inferior, faz a refeição de pè juntamente com os filhos, ou sentada nas sóleiras das portas; na civilisação oriental, é crença firme, que ficam eternamente amigos, aquelles que repartem entre si na mesma mesa o pão e o sal; Christo deu-nos o exemplo da ceia com os apostolos; aquelles que a miúdo se banqueteam com sua familia e os seus amigos, não são nunca perigosos, porque na mesa é que se colhem as impressões alegres, e é a hora das expansões intimas; quereis mais um exemplo, lêde a parabola do filho prodigo, contada por Jesus, em que o pai dava um banquete a seus amigos para festejar o regresso do filho que o estouvamento houvera transviado; posso citar milhares de exemplos ainda, mas isso deixo para quando tratar da pysichologia e prophylaxia social.

A vadiagem.

A vadiagem ou malandrice, é outro factor sinão o mais importante que concorre para que os crimes se deem com tanta frequencia. Existem nesta Cidade desde pequenos garotos até velhos vagabundos; quando pequenos, educam-se na malandrice, escrevendo obscenidades nos muros, pintando o membro viril pelas paredes, armando urupucas, etc., passam pela porta da escola com terror, sem se lembrar do pão que existe naquelles celeiros e assim vão crescendo até que a sociedade severa como é, os atira no mundo; sem nenhum preparo, sem nenhuma aptidão, como hão de viver? Procuram trabalho, ninguem lhes dà, porque não inspiram confiança; de maneira que vemos em nossa sociedade, homens validos, redusidos a triste condicção de mendigos, outros a braços com a familia, desesperam-se pela crueldade da sorte, e nestes ultimos morrem o sentimento de piedade, estão sempre promptos a commetterem crimes; disiam os antigos com muita razão: −

A ociosidade é a mãe de todos os vicios, e que na casa onde não se trabalha, não pode existir abundancia.

* Fonte: Texto publicado com o título “Soliloquios” na edição de 18 de março de 1911 do jornal O Comercio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triãngulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Do livro Municipio de Patos, de Roberto Capri.

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