CERCAS DE ARAME, VALOS, VADIAGEM E AMBULANTES EM 1907

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TEXTO: EUPHRASIO JOSÉ RODRIGUES (1907)

É lemma que corre de boca em bocca do zé-povinho e dos grandes da terra que: “cada terra tem seu uso e cada roca tem seu fuzo”. Mas isto da terra com seus usos dos tempos ominosos; uso de comer-se gato por lebre não combina de modo algum com o genio cá do dégas, que, sendo assim ou assado, segundo a lingua dos invejosos, é meio doido ou doido inteiro, tenho as minhas partes bem boas e gosto mesmo do que é bom, bonito e gostoso, visando sempre o adeantamento da terra que habito.

Vi, vi e tornei ver, pondo reparo em tudo, sem arrepará nas cercas de arame e vallos¹ nas immediações da cidade e quasi, quasi no centro dos arraiaes com trezentas mil bombas de barbante. Si eu fosse italiano diria a cada instante per bacco, Dio mio! Oh! abuso dos abusos! Já seremos carneiros, bois ou cabras? É verdade que de entre nós pode se tirar muitos cabras, mas são marca rodger de duas cruzes. As cercas de arame, as cercas de madeira e os vallos, mesmo nas nossas ventas, dão a fallar até ao proprio Judas que só visava arame e muito arame e tudo cercado e embellezado com todas as precações.

Nada, meus amigos, vamos nos implicando com esses tapumes, porque sinão? Sinão u que? Ficamos cercados e muito bem cercados.

E’ um horror, horror dos horrores!!!

Hein? Do pau torto até a cinza é torta. Mas o nosso chefe das cousas chefiadas e execuções etc. e tal está resolvido a concertar tudo e levar a obra ao cabo, não da bôa esperança, mas ao fim do X, pedra filosofal que nos embriaga de goso, só no pensar.

Gosto da liberdade em tudo, menos para se fazer cercas e vallos dentro das ruas da cidade e dos arraiaes, menos para limparem os curraes e chiqueiros e jogarem o lixo immundo nas ruas e nas praças, menos para os senhores fiscaes dizerem que não podem chamar a’ ordem da execução da lei e esses Senhores que pro como sua prejudicam ao asseio, a’ hygiene, e a educação do povo.

Ah! se eu sesse alguma cousa!!! Não me implicaria tanto.

Adeus.

Implico-me agora com a criminosa tolerancia com que este meu povinho vae apoiando certos forasteiros vadios, que entre nós se collocam, e sem dizerem a que vieram, põem-se a’ fresca, comendo e bebendo a custa dos tôlos e incautos.

Ha pouco, um desses velhacos, mas adiantado do que aquelles doctores de que fallavam as ultimas “Implicancias”, entre outras petulancias, que aqui tem praticado, foi envolvendo, endoçando uma senhora, e trax-zaz! sugou-lhe 30$000 para tirar o feitiço que em casa da mesma lhe estava atrapalhando a vida. Bonita e faustosa pescada!

Há ainda uma especie de ambulantes, que merecem especial atenção da parte dos catholicos: são os taes mascates de bíblias troncadas que por aqui apparecem de tempos em tempos. Esses emissarios do erro, especulando o nosso cobrinho, procuram arruinar-nos o tesouro mais precioso que possuimos sobre a terra − a nossa Fé.

Alerta! Alerta!

Implicante².

* 1: O valo era um tipo de muro ou paliçada usado, na arquitetura militar romana, como parte de uma fortificação. Normalmente, era colocado sobre uma muralha de terra, muitas vezes reforçada com madeira e pedras, e protegida por um fosso profundo (fossa) exterior. Os antigos Gregos já usavam uma fortificação semelhante ao valo romano, desde tempos muito remotos.

* 2: Pseudônimo do Dr. Euphrasio José Rodrigues.

* Fonte: Textos “Implicancias” e “Implicando…” publicados na edição de 10 de março de 1907 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Início do texto “Implicancias”.

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