PADRE ALMIR: O IDEALIZADOR DA FESTA DO MILHO − 3

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No início do mês de maio de 1966, Fábio Helvécio Borges, amigo de Padre Almir Neves de Medeiros, farmacêutico e proprietário da “Pharmácia São José”, situada na Rua Major Gote, solicitou dele dados históricos da Festa do Milho. Afinal, a filha de Fábio, Sandra Maria Borges, que era candidata à Rainha do Milho, poderia, numa ocasião qualquer, precisar falar sobre o assunto.

Padre Almir enviou-lhe esta carta, poucos dias depois:

Fabinho, meu querido amigo:

Vivo de há muito catando uma oportunidade para lhe prestar um favor. Tentaria, assim, mostrar-lhe o quanto sou grato pelo muito que faz por este magrela. Não há jeito. Hoje, vem você me fazer um pedido. O mais fácil. Sem qualquer trabalho para a minha cabeça cansada. Mas, convenhamos, bastante odioso para mim. Ter que falar da Festa principal da cidade, sabendo que ela nasceu sob inspiração minha. Pela primeira vez − à força de uma amizade e de uma gratidão profunda − você me faz sair do “sério” para falar na primeira pessoa. Tá doido! Isso custa, acredite-me.

Vamos aos fatos que tenho gravados na memória.

Nós estávamos em plena campanha para a construção do Colégio Municipal. Não se tratava ainda, do “Municipal”. Interessava-nos a construção de um prédio, para que ali fosse instalado o curso científico. A batalha era travada a duras penas, pela noite adentro, com um grupo de estudantes que tinha o seu QG no meu quarto − ainda no Palácio. Ali estruturávamos tudo. Desde as passeatas com cartazes, até a propaganda escrita e falada. Ali, medíamos o fracasso, se não contássemos com a aprovação da Câmara. Lá fui eu, de casa em casa, suplicando aos srs. Vereadores, para que aprovassem a matéria. Vencemos. Mas faltava o prédio. O sr. Sebastião Alves do Nascimento, então candidato à Prefeitura, prometera aos estudantes, por meu intermédio, oferecer-lhes um Colégio que fosse Municipal… Olhamos aquilo com suspeita. Era a “política” metendo a sua mãozinha… Mas, não aceitamos e nem deixamos de aceitar. Não tínhamos cores políticas. Queríamos vencer.

Em meados de abril, estava eu sozinho a pensar uma modalidade de se ganhar dinheiro. Tudo já havia sido pensado. E víamos que renderia pouco. Um longo tempo duraria até que tivéssemos dinheiro para comprar o prédio do Colégio Municipal, oferecido pelo sr. Mário Garcia, um entusiasta do nosso movimento. Foi quando surgiu a ideia… Faiscou lá dentro… Busquei uma revista sobre a Festa da Uva, lá no Rio Grande do Sul. Olhei, pensei, meditei e julguei que talvez fosse viável uma festa semelhante aqui em Patos. Uma coisa que muito me aborrecia, era ver que a festa da cidade (24/V) era festejada somente no TG 91. Ali havia discursos, relacionados, apenas, com as festividades de aniversário do TG e da Batalha de Tuiuti (aliás neste ano de 66 faz 100 anos da dita batalha. Vamos ver se vão se lembrar disso…). Não havia desfiles, nada de nada. Ficava chateado com isso. Nada mais justo que fizéssemos uma festa no dia 24 de maio. Pensei muito e saí para a rua. Fui andando atrás de uma pessoa que me fosse capaz de ajudar na empreitada. Eu não conhecia quase ninguém. Somente estudantes. Estavam planejando a primeira Semana Ruralista e nós estávamos por dentro, pois era uma das metas do Episcopado. Ali em frente ao Hotel da Luz, havia uma casa de modas, dirigida pela dona Ordalina. Passei lá e me lembrei que ela era entusiasta dessas festas. Perguntei-lhe se não gostaria de ajudar a eleger a Rainha, ou do Milho, ou do Feijão ou do Trigo. (Eu não sabia ainda qual o maior produto, mesmo, de Patos). Conversando, chegamos à conclusão de que o Milho ficaria melhor. E ela topou arranjar candidatas e dirigir essa parte da festa. Só sei, Fabinho, que tive que ir ao Rio, tentar a vinda de D. Helder para falar na Semana Ruralista. Quando voltei, o negócio estava pegando fogo… Mas o pior é que tinham colocado bastante política na história. Diziam que fazer uma festa para dar dinheiro ao Binga para fazer política com o tal colégio… não daria certo. E o PSD começou a engrossar a história. Vi que, assim, a cidade não poderia ter uma festa à altura. Resolvi optar por uma solução bastante chata para nós. Desde que a festa já estava pegando fogo mesmo, nós mudaríamos a finalidade dela. Não mais seria para a compra do prédio. Aí então é que surgiu uma decisão que partiu da Dona Ordalina: que o dinheiro seja para o Seminário Pio XII. Eu dera a sugestão para os Vicentinos. Ganhou a ideia dela, caso fosse aprovada pelo Exmo. Sr. Bispo Diocesano. Imediatamente organizaram-se Comissões, tendo à frente o sr. Bispo… e mais um grupo de senhoras da Associação São José e mais a turma toda que já estava trabalhando. E foi aquela estrondosa vitória que você viu. O dinheiro foi entregue ao sr. Bispo. E a nossa campanha mixou… pois o sr. Prefeito fez mesmo o que prometera, apesar de todas as políticas, é evidente. Mais do que natural. O que interessa é que a cidade ganhou mais um Colégio, já com o curso científico e mais ainda uma Festa que entrou para o calendário da cidade. Posso dizer a você que no ano seguinte… eu nem fui convidado… para a festa que eu mesmo sonhara, idealizara e etc. e tal…

O que mais achei engraçado nesta história toda da Festa do Milho, é que nunca vi tanto “Pai da Festa do Milho” na minha vida… Já falaram em Binga, em Pai Vaca, um dos grandes incentivadores e, inegavelmente, um dos responsáveis pela jornada vitoriosa de hoje. Posso lhe dizer − e isso lhe é reservado − que jamais tocaram no meu nome. Até a Associação Rural já achou de encontrar paternidade para isso…

Lembro-me de que, quando a Ione Hamada era candidata a Rainha do Milho, fui tentar arranjar umas mesas para uns convidados que, possivelmente, viriam de São Paulo e Rio. Nós convidáramos o Sr. Embaixador do Japão e outras pessoas… Tive que arranjar emprestado da Diocese, uns 200 mil, para não passar vergonha. No final, as mesas foram vendidas, havendo eu colocado 5 meninos na fila… Nem esse favor pude receber dos donos da festa… Jamais tiveram a delicadeza de me enviar uma mesa no Baile. Mesmo que eu não fosse, teria quem mandar em meu nome, como no caso do meu irmão que veio do Rio e tivemos que suar frio para arranjar uma mesinha mixuruca… Isso é que é duro mesmo. Houve anos em que nem se dignaram a me mandar um convite para a festa… Pouco liguei para isso, mas que a gente sente, ora… sente mesmo.

Uma vez disse ao Binga: “É engraçado, a gente põe ovo, choca o dito, sai o pinto e quando está franguinho… todo mundo é a mãe do pinto…”. Isso por causa daquela estátua em homenagem ao Homem do Campo. Ideia, inspiração e tudo mais deste magrela que lhe escreve. No final, na hora da inauguração, não fui convidado, e ouvi uma distinta política dizer: “Esta é uma realização do Exmo Sr. Prefeito Sebastião Alves do Nascimento…”. E as palmas coroaram a mentira! Dei uma bronca danada com o Binga, mas… é política. Daí pra cá, fui enfiando o rabinho entre as pernas e não me meti mais nessas histórias de “gerar” filhos para os outros lhe darem o nome… Voc~e entende!

É, Fabinho, aí está o magrela falando de si mesmo. Isso é que eu não gostaria. Foi quase um desabafo diante de uma ingratidão chata que mordeu lá dentro da gente. Hoje, está aí essa festa, que lançou Patos aos quatro cantos do país. E a gente, para poder dela participar… precisa pedir licença… e ainda é chamado de intrometido… Graças a Deus! O que importa é que Patos hoje é senhora de seu nariz. Tem uma festa que projeta o seu nome, sua grandeza, para além do Rio Paranaíba. Isso é que importa. O resto, a gente morre mesmo, semeando para que outros colham. Mas a história é essa. Muita gente aí está, a quem se deve muito desta festa: Dona ordalina, que foi a entusiasta número 1 de tudo. Sem essa pessoa, talvez a festa não houvesse vingado. Mas vingou e pronto!

Fabinho, de tudo, tenho a alegria: o que sonhei, pensei e idealizei, está aí: um Colégio que já é Estadual; uma Festa que já é Nacional; e eu, mais do que nunca, patense de coração, alma e corpo! O resto, pouco importa!

Se houver qualquer dúvida, e você quiser saber de qualquer coisa, mande-me chamar. Estarei às suas ordens para o que puder. Mas, não toque no meu nome nesta história toda. Prefiro continuar assim. Se houver necessidade da sua menina dizer qualquer coisa, a verdade é essa. Caso não seja solicitada, peço-lhe que isso morra com você. Fico mais contente assim.

Desculpe-me pelo que disse. Muito de mim. Isso é feio e odioso. Perdoe-me.

Um abração enorme e até quando você tiver que me aturar com minhas dores de cabeça…

Sempre seu amigo,

Pe. Almir.

* Fonte: Padre Almir Neves de Medeiros − O Que a História não Conta, de Donaldo Amaro Teixeira.

* Foto: Arquivo de Donaldo Amaro Teixeira.

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