DEIXAREI SAUDADE − 107

Postado por e arquivado em 2020, DÉCADA DE 2020, FOTOS.

Se tem uma coisa da qual me orgulho é o asseio das almas que me habitam. Elas me tratam com muito carinho, cuidam de minhas paredes, de minhas entranhas, de tudo, proporcionando-me uma vida imobiliária salutar. Digo com convicção que sou uma das casas mais limpas da Cidade, ora se não. Você aí pode vir aqui¹ e dar uma espiada para conferir. Se encontrar um cisquinho ou uma folhinha dessas plantas na frente podes crer, meus donos estão doentes. É assim diariamente, e fico toda prosa com a admiração dos passantes. Era para ser só alegria de minha parte. Era. É um trem ruim, disgramado de esquisito. Começou já faz um tempo razoável, depois que o primeiro edifício foi erguido no meu entorno. Depois do segundo começou a me dominar uma sensação pesarosa de dor ao perceber o desaparecimento de minhas semelhantes.  Depois do terceiro, veio uma autocomiseração ao reparar em mim mesma a sutileza de minhas formas simples e bem cuidadas. E danou de vez quando me fiz pela primeira vez a pergunta: pra que todo esse cuidado comigo se meu destino é o mesmo delas? Não há como fugir da triste realidade: estamos numa edifíciocracia! Não tardará muito e todo o Centro da Cidade estará dominado por edifícios, e nós, eu e todas as minhas colegas, não mais existiremos. Por isso aquela pergunta faz sentido: pra que tanta limpeza, tanto asseio e tanto cuidado para comigo se um dia vão me derrubar? É como criar um bezerrinho com todo carinho e quando adulto matá-lo para comê-lo. Cruel! Pelo menos ficará a convicção de que faço parte da História de Patos de Minas. E depois das máquinas arriarem as minhas paredes e eu partir para o além, deixarei saudade!

* 1: O imóvel localiza-se no n.º 77 da Rua Major Carlos Soares, entre suas colegas Cesário Alvim e Teófilo Otoni, no Centro.

* Texto e foto (01/02/2020): Eitel Teixeira Dannemann.

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