FOLHA MISTERIOSA, A

Postado por e arquivado em LENDAS.

Meados da década de 1950 no povoado de Capelinha do Chumbo. Enquanto muitas outras coisas aconteciam pelo país e pelo mundo afora, as horas avançadas da noite seguiam a Lua e as estrelas encobertas por nuvens carregadas. A chuva fina e constante, com períodos de pancadas fortes, caia teimosamente há três dias. A Serra da Quina já apresentava indícios de saturação. Alguns deslizamentos se mostravam aparentes, prejudicando em demasia a cavalgada de Arnaldo¹ nos trechos sinuosos. Confiando no instinto apurado do animal, um garanhão de doze anos sem raça definida e de pelagem castanha, que tantas vezes havia percorrido aquele local, a dupla seguia cautelosa pelo trecho íngreme. O céu escuro era cortado incessantemente por relâmpagos e seus deslumbrantes clarões. Os olhos de Arnaldo não enxergavam além de dois metros à frente, mas confiava na acuidade visual do parceiro, muito mais preparada pela natureza que a dele.

Entre um esfregar de folhagem molhada e outra no rosto, Arnaldo segurou a folha de um arbusto que não pode identificar por causa da escuridão. Instintivamente, pôs a folha à boca e começou a mastigá-la. Sentiu um sabor adocicado e logo uma leve dormência. Foi quando avistou as esparsas luzes do povoado. Chegando em casa, tomou um banho e tratou de descansar o mal tratado corpo. Teve uma noite serena, tão serena que a esposa foi obrigada a acordá-lo por causa do avançar das horas: o relógio marcava nove da manhã. Arnaldo estranhou o fato de ter dormido tanto, pois tinha por hábito se levantar às cinco. Sentindo-se relaxado, sentou-se à mesa para um delicioso café. Quando mastigou um pedaço de pão de queijo, vários dentes se soltaram. Foi um espanto. Passando a língua entre os dentes, um a um foi se soltando com raiz e tudo sem provocar um mínimo de dor. Passados cinco minutos, Arnaldo não tinha um único dente na boca.

Naquele dia na Capelinha do Chumbo não se tocou em outro assunto senão o problema do Arnaldo. Todos queriam saber o que tinha acontecido. Ninguém tinha a mínima noção sobre o ocorrido. Apenas repetiam uns aos outros que o Arnaldo perdera todos os dentes após mastigar uma folha misteriosa. Dizem que foi Jorge Veneroso quem teve a atitude de enfrentar o tempo ruim e as condições da rústica estrada para, à cavalo, ir até Patos buscar explicações com algum entendido. O pessoal da sede se interessou pelo assunto. Tanto é que poucas semanas depois, já com o tempo amainado, uma equipe de entendidos de Belo Horizonte esteve na Capelinha do Chumbo para estudos do problema do Arnaldo. Este tinha apenas um pouco de noção do local onde apanhara a folha misteriosa. No local imaginado, coletaram folhas de todas as árvores e arbustos. Feito o trabalho, voltaram para a Capital. E depois disso, nunca mais deram notícias, apesar de solicitações insistentes de Jorge Veneroso.

Todos os personagens que estiveram diretamente envolvidos neste grande imbróglio já se foram desta para melhor. E o caso da folha misteriosa ficou apenas como uma amarga lembrança sem solução.

* 1: Nome fictício.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann, coletado no distrito de Major Porto.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto de rfitaperuna.com.br.

Compartilhe

You must be logged in to post a comment. Log in