GLAYDE LIMA VERDE E OS BASTIDORES DA APAE

Postado por e arquivado em PESSOAS.

Agora que estamos encerrando o Ano Internacional do Deficiente Físico, nós lhe perguntamos: o que ele trouxe de positivo, em termos de Patos de Minas?

Em termos de Patos de Minas, acredito que houve mais foi conscientização da comunidade para um futuro trabalho da APAE. E a maior dificuldade que temos encontrado para o nosso trabalho é exatamente a conscientização, principalmente dos familiares em aceitar a necessidade de colocar a criança em uma escola especializada.
Acabamos de receber um ofício da Delegacia de Ensino e da Prefeitura, convidando-nos para fazer parte da sub-comissão de avaliação do Ano Internacional do Deficiente, que deverá ficar durante toda esta década, em estudo e avaliação. Podemos então dizer que o Ano Internacional vai começar realmente, no ano que vem, porque neste ano, foi apenas a parte social, pode-se dizer. A sub-comissão à qual me referi, terá a função de montar um plano de trabalho durante toda a década de 80. Com isto, vejo que o Ano Internacional surtiu efeitos positivos.

Financeiramente houve algum benefício?

No aspecto financeiro, posso dizer que não recebemos nada do governo por exemplo. Houve campanhas como a promoção nacional da CURT, que ainda não nos trouxe resultados. Aqui em Patos, o que houve, foi a campanha de novos sócios contribuintes, pois tínhamos apenas 245 sócios, muitos deles com mensalidades de 10 a 20 cruzeiros. Estamos distribuindo cartas e tendo contatos pessoais e esperamos no mínimo dobrar o número de sócios, com contribuições muito superiores às anteriores.
Recebemos da promoção do Festival de Ballet, a importância de 100 mil cruzeiros.

A APAE recebe alguma subvenção da Prefeitura?

No ano passado recebemos da Prefeitura, a importância de 2 mil cruzeiros e neste ano, já disse para o Prefeito que se for para receber na mesma proporção, nós agradecemos. Agora a Prefeitura nos dá na verdade quatro funcionárias, duas professoras formadas e duas funcionárias, que estão à nossa disposição e recebem da Prefeitura, que é uma ajuda razoável.

O que a Escola da APAE está em condições de oferecer aos seus alunos?

O estudo especial no Brasil é muito novo, pois a APAE no país foi fundada em 1954 e em Patos de Minas no ano de 1972. No ano que vem é que teremos condições de oferecer à comunidade, um resultado positivo da APAE, no seu décimo ano de funcionamento, quando apresentaremos um trabalho estatístico de todos os alunos que passaram por lá, por idade, por sexo, por casos patológicos e faremos um levantamento do aproveitamento de cada um, os anos que ficaram na APAE e da condição que eles vivem hoje na comunidade. Em menos de dez anos não há condições de se fazer qualquer avaliação, pois uma criança de educação normal gasta quatro anos para fazer as quatro primeiras séries (antigo curso primário) e na educação especial gastam-se de dez a doze anos para se atingir o mesmo alvo.
Agora, em termos de educação especial, devo lhes dizer que a nossa APAE é uma das dez boas APAEs de Minas Gerais, mas essa educação encontra sérias dificuldades em qualquer lugar. O que procuramos oferecer em primeiro lugar é a base, ou seja a autonomia individual que permite à criança ser independente e depois é que vem a fase de tentar educá-la, para que ela consiga ler e escrever, que é o grande sonho dos pais. Já chegamos à conclusão de que determinadas pessoas não têm condições de aprender e isso tem chocado muito os pais, que acham que o essencial é aprender a ler e escrever, o que para nós técnicos, não é, pois o essencial mesmo é fazer-se com que o excepcional seja independente, sabendo se portar em família e em sociedade.
Nosso trabalho então, é desenvolvido assim: através de testes e exames, procuramos avaliar a deficiência da criança e de imediato, sabemos se ela é uma criança educável ou treinável, isto é, se ela poderá aprender a ler e escrever ou apenas ser preparada para sua independência e comunicamos imediatamente à família, quais são as possibilidades do aluno.
Temos ainda a parte da iniciação profissional, na qual nossa APAE ainda está muito fraca, não por deficiência nossa, mas pela própria condição do mercado de trabalho. Temos no momento o trabalho de telas, que fazemos por encomendas e até quase não temos feito mais, por causa do alto preço do arame, que faz com que o trabalho não seja compensativo. Estamos iniciando uma fábrica de sandálias de couro e treinamento das meninas em bordado, em pinturas de panos de prato, em costura, em horticultura; coisas práticas e simples.

Existem muitos ex-alunos da APAE, já integrados à comunidade?

Sim, no ano que vem, como eu disse teremos condições de fornecer os dados concretos, mas, deficientes, que conseguiram vencer sua deficiência e graças a isto, respeitada sua condição, conseguiram vencer.

Quais os casos patológicos mais comuns?

A maioria dos casos que nos chegam, são aqueles cuja deficiência foi adquirida na primeira infância pela desnutrição, que são deficientes moderados-leves. Em segundo lugar, são os deficientes mentais em decorrência de partos demorados, pela falta de oxigenação. Já tivemos alguns casos de comportamento, por problemas de família, que são casos mais trabalhosos, mas passageiros.
Os casos de deficientes pela desnutrição, geralmente com um trabalho de quatro a cinco anos, são superados, podendo a criança ingressar depois em um grupo e continuar seus estudos.
Temos na APAE, no momento, sete deficientes auditivos e estamos lutando há vários anos, para aumentar o quadro, mas acontece, que vivemos praticamente da verba de convênios e a LBA não fez conosco o convênio para deficientes auditivos, porque na época, eles exigiam no mínimo quarenta deficientes e um foniatra, que em Minas só existia um. Havia uma portaria absurda, que felizmente agora caiu e diante disso, só pudemos receber sete alunos que tinham condições de pagar e que pagavam naquela época, 500 cruzeiros por mês, cada um. Hoje já temos crianças entre elas que falam (pois todos eram surdos-mudos) e que já lêem. O lamentável é que neste cadastro que fizemos, temos na cidade 28 deficientes auditivos na faixa de 7 a 8 anos, que precisavam estar lá na escola, mas que infelizmente não podemos receber, por falta de recursos.

De onde vem os recursos para manutenção da APAE?

Temos um convênio com a LBA (Legião Brasileira de Assistência) que representa 80% de nosso orçamento ou talvez até mais. Este convênio é baseado na portaria SAS-8 que exigia das escolas uma parte física muito boa e uma equipe técnica completa com uma carga horária determinada, mas eles fizeram uma portaria para o ano 2.000 e foi isto que provocou o fracasso de grande número de APAEs; em Minas por exemplo, muitas estão fechando, pois havia no Estado, apenas uns três terapeutas ocupacionais, pois creio que só há três anos passados se formou a primeira turma e as escolas foram obrigadas a buscar técnicos em São Paulo, que ficavam muito caros. Outras escolas não puderam fazer o convênio por não conseguirem um técnico no momento exato. Então essa portaria onerou em muito principalmente porque a maioria dos funcionários trabalham em regime de CLT, o que chega a fazer o reajuste semestral em maio e novembro, na base de 40% enquanto que a LBA nos aumenta 26,4% ou 32%, como foi neste ano, então há uma defasagem muito grande que no fim de dois ou três anos, passou a “quebrar” as APAEs.
Houve uma reclamação geral e o governo fez novo estudo, mudando a portaria e a sobrevivência das APAEs vai depender disso agora; nós vamos dispensar alguns funcionários, mas vamos enfrentar uma série de problemas. Por exemplo: nós tínhamos duas terapeutas ocupacionais e agora vamos ficar com apenas uma, para o mesmo número de alunos e teremos que contratar técnicos e não pessoas formadas em faculdades.
A LBA paga muito bem: 9 mil e poucos cruzeiros per-capta, por mês.

No ano de 1981, quanto a APAE recebeu de mensalidade de sócios?

80.000 mil cruzeiros. Vajam só!

Quanto é a folha de pagamento da APAE?

Não tenho muita certeza, mas são 600 e tantos mil cruzeiros. Pagamos agora o 13.º e com outras coisas, deu um total de 1 milhão e 800 mil cruzeiros, com um grande problema, pois a LBA não paga o 13.º, mas o que recebemos dela dá para cobrir a folha de pagamento. Creio que agora a coisa vai melhorar, com a queda daquela portaria.

Quais são os técnicos que atendem na APAE?

Médico, Psicólogo, Dentista, Assistente Social, Terapeutas Ocupacionais (que eram duas), Técnica em Recreação e Educação Física, setor de Psicomotricidade, parte de Foniaudiologia, Orientação Pedagógica e as Professoras que são chamadas Auxiliares de Reabilitação, em todas as áreas. Ao todo são 36 funcionários.

Quantos alunos frequentaram a Escola neste ano?

Cento e um. Há casos que necessitamos quase de um funcionário por aluno. A LBA estipula grupos, de acordo com a portaria: o grupo I atende crianças com deficiências muito graves e exige um Fisiatra, o que não nos foi possível, porque na época entramos em entendimentos com um que nos pediu 40 mil cruzeiros para vir aqui uma vez por mês.
Fizemos então o convênio para o grupo II que são crianças que apresentam deficiências de leve a moderada, associada ou não com a deficiência física. É por isto que muita gente às vezes não entende, quando procura matricular seu filho e nós temos vagas e não podemos recebê-lo porque ele se enquadra em outro grupo, para o qual não temos convênio.
O grupo III é o que trata de problemas de comportamento, problemas sociais; o grupo IV já é problema de visão e o grupo V, problema de audição. É para este que nós não temos convênio, mas estamos atendendo com uma luta tremenda; conseguimos sócios para ajudar a manter a professora e agora vamos ver o que podemos fazer.

Quantas horas o aluno fica por dia na Escola?

Neste ano, nós conseguimos ficar com eles somente quatro horas, mas o ideal é que ele permaneça oito horas e aí está o grande problema, porque teremos que quase dobrar o número de funcionários e no próximo ano teremos que ver se isso será possível para muitos, pois vamos manter a oficina. Na realidade, os 9 mil e tantos cruzeiros que a LBA paga por aluno/mês não cobre as despesas do aluno que deve ficar em torno de 14 mil cruzeiros por mês, para o aluno ficar na escola 8 horas por dia.

Existem na Escola, alunos que pagam alguma coisa?

Neste ano, dos 101 alunos, só 7 pagaram a importância de 2.300 cruzeiros por mês, que foram os deficientes auditivos, aos quais já me referi. Agora para o ano de 1982, cada família terá que contribuir proporcionalmente, de acordo com o levantamento social que foi feito.

A capacidade da escola está atingida, ou existe possibilidade de receber mais alunos?

Quando a escola estiver concluída, pois pelo projeto, falta ainda um pavilhão, ela poderá atender até 250 alunos, mas atualmente, podemos atender até 150 alunos, entretanto, nosso convênio com a LBA é para 80 alunos e os 21deste ano já eram excedentes.
Há poucos dias, esteve aqui uma funcionária da LBA para fazer uma reclassificação e nós tivemos que correr muito, porque a parte onde funcionou o jardim da infância há algum tempo atrás, nós a aproveitamos para a estimação precoce − nós vamos cuidar de criancinhas de alto risco − e quando eles chegaram aqui, o trabalho não estava concluído. Reunimos toda a Diretoria e conversamos muito francamente com ela para esclarecer que havíamos sido chamados há apenas quinze dias atrás para fazer as modificações o que não era possível ainda estar pronto. Ela fez uma vistoria na Escola e nos disse que entendia bem a situação: parece que nós vamos conseguir renovar o convênio com a SAS-1 que é a regulamentação da antiga portaria SAS-8.
Ah! Preciso também lembrar uma ajuda que recebemos da Prefeitura que é mensal e varia de 5 a 7 mil cruzeiros; é a participação em cada passagem que é vendida na rodoviária e que é de 20 centavos por passagem, isto desde 1973. Aliás é preciso que vocês façam um trabalho, para que consigamos aumentar esta participação, pois hoje gente, o que valem 20 entavos… e o pior de tudo é que cada pessoa que compra uma passagem e vê agora taxa a nós destinada, pensa que aquilo rende um absurdo para nós. Aliás uma das grandes  dificuldades que enfrentamos é que muita gente acha que a APAE é rica, porque na realidade, no pouco tempo de vida que temos, ela cresceu muito mesmo, graças à comunidade. Hoje nossa escola tem uma boa presença graças a muita luta e a muita boa vontade e muita gente acha que porque temos carro, somos ricos porque quem tem carro é rico; que somos ricos, porque temos piscina e quem tem piscina é rico. É por isso que precisamos trabalhar muito, numa campanha de conscientização do povo.

Não existe mais nenhuma ajuda financeira?

Temos uma verba anual do CENESP (Centro Nacional de Educação Especial) que é federal também e sempre nos dá uma verba que já vem destinada e que temos prestação de contas de tudo. Neste ano foram destinados a nós, 140 mil cruzeiros que devem chegar agora em dezembro. Recebemos do MEC outra verba de 3.350 cruzeiros por aluno/ano. Temos 42 alunos nesse convênio.
No ano passado, recebemos 45.000 cruzeiros de um deputado do Rio de Janeiro, por questão de amizade. Não é possível gente, precisarmos arranjar uns deputados para nós, para conseguirmos maiores verbas.

Existe um levantamento feito de quantos deficientes existem na cidade além dos alunos da APAE?

Sim. Fizemos um cadastramento que nos mostra um total de 110 crianças menores de 14 anos e pelo levantamento feito quando da Tarde Festiva que realizamos, verificamos que existe um grande número de adultos.

Existe um limite máximo de idade, para se tentar o trabalho com o deficiente?

Não. Está provado que a pessoa aprende durante a vida toda e que o cérebro desenvolve até os 30 anos de idade, mas após os 14 anos, o deficiente não é bom para ser trabalhado. Há um grande problema que é a inexistência de verbas do governo, para os maiores de 14 anos e além disto nessa faixa de idade, a criança já está cheia de vícios de família, de escola. Por outro lado, quando se inicia o trabalho com uma criança nova, existe a possibilidade de até, 70, 80% de rendimento.

E o limite mínimo, existe?

A partir do próximo ano, se aprovado nosso convênio, nós vamos trabalhar com recém-nascidos e vamos depender muito da colaboração da classe médica que deverá nos encaminhar toda criança que apresentar problemas.

É comum o caso de famílias que demoram a aceitar a excepcionalidade do filho?

Demais; é um dos grandes problemas, principalmente na classe média-alta. De uns dois anos para cá é que estamos conseguindo melhores resultados; havia até revolta de famílias, quando nos grupos se chegava à conclusão de que uma determinada criança deveria ser encaminhada à APAE, pela concepção que muitos têm de que “lá é escola de bobos”.

Em nome da APAE existe algum apelo a ser feito ou alguma sugestão?

Primeiro é aquele que já fiz, de aumento da participação na venda de passagens. Outro assunto de grande importância para nós é que nossa área já está se tornando pequena e existe anexa, uma outra que pertence à Associação Mineira de Criadores de Suínos, onde se iniciou uma construção que não teve sequência e a nós interessa inclusive a permuta daquela área, por quatro ou cinco lotes que a APAE possui nas proximidades da propriedade daquela Associação, que fica acima do Parque de Exposições e vocês poderiam nos ajudar nisto, quem sabe.
Outra coisa importante é o esclarecimento pelo qual não podemos atender a todos os deficientes, que é a falta de verba, pois temos convênio com a LBA, somente para 80 alunos.

Qual a sua mensagem a nosso povo?

Peço que o povo continue nesta década a dar total apoio à APAE, financeiro e principalmente tomada de consciência do que se passa na escola, para maior e melhor atendimento a todos. Peço ainda que o povo cuide de sua saúde para prevenção de muitos problemas, principalmente fugindo do uso de álcool e dos tóxicos, que são grandes responsáveis por problemas de deficiência nos filhos.

* Fonte e foto: Entrevista de Dirceu Deocleciano Pacheco e João Marcos Pacheco publicada com o título “Profa. Glayde Lima Verde” e subtítulo “Diretora do Centro de Recuperação Infantil-CRI (Escola da APAE de Patos de Minas-MG)” na edição n.º 39 de 31 de dezembro de 1981 da revista A Debulha, do arquivo de Eitel Teixeira Dannemann, doação de João Marcos Pacheco.

Compartilhe