PAPAGAIO, O

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O João do Beco, um dos melhores assentadores de cerâmica de Patos de Minas nos idos da década de 1970, cuja alcunha era devida a ele morar num dos becos da Rua Teófilo Otoni, tinha um papagaio. Não demorou muito conseguiu financiar pela CEF um apartamento num daqueles prédios antigos da Rua Olegário Maciel, entre a Major Gote e a Avenida Getúlio Vargas. E se gabava com os amigos:

– Vou morar quase em frente ao Binga.

Mas eis que surgiu um problema: não poderia levar o papagaio de estimação. Pensou então no amigo Afrânio, companheiro de profissão:

– Você sabe como é papagaio, faz uma sujerada danada, então a patroa não quer ele no apartamento.

– Quero não, João, papagaio é metido a falar palavrão e disso eu não gosto.

– Então está resolvido, Afrânio, pode levar sossegado, pois o bicho é surdo e nunca aprendeu uma única palavra, muito menos palavrão, e além do mais é muito inteligente, aprende rapidinho o que você ensinar.

E lá se foi o Afrânio com o papagaio, atitude que não agradou a esposa Joselita, que foi logo chiando:

– Ora, Afrânio, só faltava essa, você só chega em casa ao anoitecer e vai me deixar aqui sozinha com esse papagaio falando palavrão sem parar?

– Fique tranquila, mulher, ele é surdo e não consegue pronunciar uma única palavra.

Não demorou um mês o Afrânio, nervoso, procurou o amigo:

– Ô João, aquele papagaio é muito estranho. De uns dias para cá, toda vez que eu chego perto dele ele abaixa a cabeça, encosta um pé nela e estica um dedo. Ontem, trem esquisito, sô, ele se deitou de costas, encostou os dois pés na cabeça e esticou um dedo de cada pé. Ora, João, aquele disgramado papagaio, por um acaso, está querendo dizer que sou corno?

– É, Afrânio, o trem não é bão não, apesar dele não escutar e não falar nada, ele repara em tudo o que vê na casa. Te cuida, amigo!

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 02/02/2013 com o título “Avenida Paracatu na Década de 1920”.

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