PAZOLIANA − CAPÍTULO 22: CIZÂNIA CELESTE

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Quem pode decidir quando os doutores discordam? (Alexander Pope − 21/05/1688-30/05/1744)

Na morada celestial, a temperatura chegava a 500º C por causa do repentino aparecimento dos sedrev e seu contato de terceiro grau com os humanos. O comandante Otap estava indignado.

– Raios, mil vezes raios, por que estes malditos resolveram aparecer neste momento em que nosso projeto está deslanchando? Com o infinito Universo à sua frente eles tiveram que vir justamente para a Terra?

– Há um lado positivo.

– Que lado positivo, Etnaduja? Só vejo problemas.

– Raciocine comigo, comandante. A notícia do aparecimento de uma nave espacial, confirmada por um alto comando do exército, já deve estar correndo o mundo. O que vão pensar? Simplesmente que são aquelas naves que procuram há tempos. Portanto, não temos mais que usar o escudo invisível ininterruptamente. Com isso a nossa necessidade premente de combustível diminui drasticamente. Afinal de contas os terráqueos não saberão quem é quem. Concorda?

– Única e exclusivamente neste ponto concordo contigo. Acontece que…

– Comandante Otap, nave Ojerb, dos sedrev, em contato. Comandante Opas na tela – intercedeu um assessor.

– Ok. Ora, ora, ora, depois de anos quem me aparece? Um sedrev.  Comandante Opas, suponho? Pois bem, sou Otap, comandante da Base Espacial Pazoliana. Antes de mais nada, com que direito a sua nave desceu à terra?

– Antes de mais nada, é um prazer conhecê-lo. Para ser sincero, nunca imaginaria que um dia eu fosse estar perante a um siuza.

– O prazer é meu e a recíproca é verdadeira. Responda à minha pergunta.

– Calma, comandante Otap, sem estresse, vou responder. Eu desci à Terra porque, creio, ela pertence aos terráqueos, ou estou enganado? Antes de descer, tentamos contato, mas vocês não responderam. Por isso, para evitar maiores conflitos, preferi descer e contatar seu oficial. Tudo na paz.

– Como me fala em paz se teve a audácia de atacar uma nave nossa?

– Outro mal entendido. Lá também entramos em contato. Sabe por quê? Atente comandante, somos a nova geração de nossos extintos planetas. Por causa de picuinhas estamos há milênios vagando pelo espaço sem um lar decente. Quando viemos para essa galáxia não sabíamos que estavam presentes. Eu seguia à frente de nosso comboio em passagem por aquele planeta quando detectamos a nave Atoirtap. Fiquei eufórico porque não havia ainda encontrado um único siuza. Considerei aquela uma grande oportunidade de nos reaproximarmos. Enviamos um contato. A sua nave nos identificou como sedrev e nos bombardeou. Revidamos e depois decidimos por abandonar a área para evitar um conflito maior.

– Esta sua versão é totalmente diferente da do comandante da Atoirtap, que disse não ter recebido contato algum. Vocês ficaram a certa distância até disparar. Só depois do nosso revide é que se retiraram. Mas afinal de contas, porque esse desejo repentino de aproximação?

– Eis aqui a palavra de Otap contra a palavra de Opas. Sobre o desejo repentino de aproximação, eu, como a nova geração, acredito não estar sendo leviano.

– Não estou preocupado com confronto de palavras. Tenho gravado na memória os relatos de meu falecido pai sobre a batalha de Andrômeda. E os documentos muito bem guardados são provas reais. Por causa deste relato não lhe dou crédito algum.

– Muito interessante, pois foi justamente por causa de um relato sobre esta tão falada batalha de Andrômeda, que coincidentemente foi de meu falecido pai, que resolvi me aproximar.

– Eis agora a palavra de Opas contra a palavra de Otap. Não acredito numa única palavra pronunciada por ti.

– Igualmente não estou preocupado com confronto de palavras. Entrei em contato para lhe comunicar que pretendemos viver neste planeta em paz com vocês. Precisamos estabelecer os planos em conjunto.

– O quê? Você ficou louco?

– De maneira nenhuma. É um direito nosso, igualmente quanto o de vocês.

– Oras bolas, comandante Opas, só me faltava esta. Com que direito você me diz que é um direito seu?

– Eu já disse que o planeta Terra pertence aos terráqueos e por isso não tenho que lhe pedir permissão para nele me estabelecer. Poderia fazer isso agora sem lhe dar a mínima satisfação. Mas optei pelo contrário e cá estou, humildemente, a fazê-lo em conjunto contigo. Com o mesmo direito que você se arvorou em possuir este planeta pretendo também invadi-lo. Repare bem no que estou dizendo: posso fazê-lo sem o seu consentimento, mas pretendo unir-me a ti.

– Sabe bem o que está falando? Sabe há quantos anos estamos neste espaço que os terráqueos denominaram de Sistema Solar? Você deve bem saber o que aconteceu com as nossas frotas após a batalha de Andrômeda. Tanto nós quanto vocês por pouco não sucumbimos totalmente. Viemos para cá e aqui estamos conseguindo recuperar a nossa frota. Eu nasci aqui perto, caro comandante. Cresci entre o trabalho árduo de nosso povo até assumir o comando geral. Estamos nessas redondezas há muitos e muitos anos. Elaboramos um projeto para a conquista desse planeta que já está muito avançado. E o que nos surge agora? Os sedrev para nos importunar e atrapalhar os nossos planos. Por que vocês não seguiram outro caminho? Por que esta insistência em nos perseguir? Não queremos absolutamente nada com os sedrev. Basta, nos deixe em paz.

– Belas palavras, comandante, emocionantes até. Há muita pretensão de sua parte em dizer que o estamos seguindo. Não precisamos de vocês para absolutamente nada. Igualmente recuperamos a nossa frota pós-batalha de Andrômeda. Digo-te, com sinceridade, que foi uma tremenda casualidade a descoberta deste sistema solar. Não há rastros no espaço para serem seguidos, a não serem sinais. Fomos a vários lugares, até que alcançamos esta galáxia. Nem imaginávamos que vocês estavam por aqui. Continuamos a nos deslocar passando por uma imensidade de astros, alguns já ocupados, outros nada interessantes, até que nos deparamos com uma nave. Foi quando fizemos contato e descobrimos que eram vocês. Seguimos em frente até nos defrontarmos com este lindo planeta. Monitorando-o, percebemos uma nave de vocês atacando algo lá em baixo. Assim chegamos àquele local onde estava o seu oficial.

– Tudo muito bonitinho, mas eu quero saber o que vocês pretendem.

– Já disse, e repito. Tanto quanto vocês, queremos um lar e este astro nos satisfaz.

– Pode satisfazer o quanto quiser, mas você esqueceu de um pequeno detalhe: chegamos primeiro e declaro a bom som que não há espaço aqui para os dois povos. Não é possível que você já se esqueceu de nossa história. Se não esqueceu ainda, sabe perfeitamente que nós dois não podemos ocupar o mesmo lugar.

– A coisa é mais complicada do que você imagina, caro comandante Otap. Isso porque o planeta não te pertence. E por não te pertencer, você não tem direito algum sobre ele, mesmo que tenha chegado antes de nós há muitos e muitos anos. Se por um acaso vocês já o tivessem dominado, seria outra questão. Mas o que vejo? Nada. Vocês estão no espaço e os terráqueos continuam soberanos lá embaixo. Portanto, com que direito se atribui dono da Terra? Por falar em vocês ainda estarem aqui em cima, por que raios de motivo ainda não invadiram aquele planeta?

– Comandante Opas, por favor, seja sensato. Nosso plano de domínio está em pleno vigor. Portanto, já iniciamos o domínio. De maneira alguma vamos permitir a sua interferência. Por que não vai explorar Marte? Basta instalar um gigantesco reator para derreter a crosta de gelo e terá atmosfera. Poderíamos ter feito isso por lá. Mas por que, se tínhamos a opção deste planeta já pronto? Portanto, que vá para Marte e o domine, está vazio e é todinho seu.

– A coisa está se enveredando por um caminho sinistro, prezado comandante Otap. Primeiro continuo sem entender o porquê não invadiram ainda o planeta. Isso é muito esquisito. Parece até que não têm condições para tal. E segundo, já decidimos que vamos invadir e, para tanto, estamos dispostos a dividi-la contigo. Nossa frota está aqui perto, muito perto, mais perto do que você imagina. Pelo que constatamos, vocês já estão instalados na parte escura daquele planetoide. Num instante, estaríamos aqui a seu lado divididos num confronto direto e no ataque à Terra.

– Está declarando guerra, comandante Opas?

– Não desvirtue minhas palavras, comandante Otap, se fosse a minha intenção declarar guerra neste momento eu não estaria aqui em diálogo. Será que porventura o nobre líder dos siuza poderia, gentilmente, nos contar sobre o porquê ainda não invadiram aquele planeta? Seria pedir demais?

– Resumindo, não é da sua conta, pois nada que se refere a nós lhe interessa. Estamos num impasse. De maneira alguma aceitaremos os sedrev neste planeta. Pelo que percebo, vocês estão decididos a se instalarem aqui. E agora?

– E agora é o seguinte: como comandante geral dos sedrev dou-lhe 48 horas terrestres para se decidir a dividir o planeta conosco. Se não concordar, sentirá a nossa força e se arrependerá amargamente por não ter se unido a nós.

– Agora sim foi uma ameaça real.

– Interprete como quiser.

– Tem tanta confiança assim em seu poder de fogo?

– Você nem imagina.

– Que seja eficiente então. Passe bem, comandante Opas.

– 48 horas terrestres. Passe bem, comandante Otap.

Desfeito o contato, imediatamente os oficiais de Sued se reuniram para as devidas deliberações. Enquanto isso, os principais governos, cada um a seu modo, discutiam sobre o aparecimento da nave espacial. Os telefones vermelhos tocaram nas principais capitais do planeta. O Vaticano estava em polvorosa. Os satélites detectaram a trajetória da nave dos sedrev, que ora se afastava, ora parava e ora se aproximava da Terra, para depois se afastar novamente, mas não adentrando à atmosfera. Na morada celestial, os siuza não se conformavam com o aparecimento dos sedrev.

– Raios, mil vezes raios, por que estes infelizes tinham que aparecer por aqui? – bradou Sued. Por um acaso vocês têm a noção exata do que significa a presença dos sedrev? Não, nem precisam responder, pois eu mesmo respondo: simplesmente é o fim de nosso plano. Raios, mil vezes raios, como tinha razão meu pai quando me dizia que os sedrev nos perseguiria pelos confins do Universo por toda a eternidade.

– Comandante, todos sabemos a história de nosso povo, desde o momento em que foi viver com os sedrev no pequeno planeta – atalhou Etnaduja. Mas há ainda um lado obscuro que não entendo e acredito que seja assim com todos nós. Não se trata de um enigma, talvez uma falta de compreensão melhor. Que os siuza e os sedrev se desentenderam por causa de espaço é notório para todos. Que quase se auto extinguiram por causa disso é outro fato notório. Depois, cada um seguiu um caminho pelo espaço. O que particularmente ainda não compreendemos é o porquê de todo este ódio entre nós e eles.

– Entre nós e eles já não é tanto assim, mas entre eles em relação a nós a coisa parece que não termina nunca – disse Sued. A causa que originou este ódio dos sedrev se deu a tanto tempo que o fato foi sendo esquecido por nós de geração a geração, ficando enraizado na memória apenas o ódio mútuo. Apenas os comandantes tiveram a preocupação de preservar a história. Acredito que este seja o momento adequado para refrescar a mente de todos vocês. Pouco antes da batalha final, houve um acontecimento que propiciou a revolta dos sedrev, provocado por um jovem representante de nosso povo. Este estava de romance com uma sedrev. Só que não era uma sedrev qualquer, era simplesmente a filha do comandante geral daquele tempo. Nem nós nem eles sabíamos disso, pois já éramos grandes inimigos naquele minúsculo planeta e o romance entre os dois acontecia sabe-se lá como e onde. Quando a tensão estava no ponto máximo, Atlover, o nosso jovem, percebeu que os dois povos se autodestruiriam numa batalha final. Para ele, não haveria sobreviventes por causa do poderio destruidor dos dois povos. Atlover, então, arquitetou um plano de fuga com sua amada, de nome Aneres. O nosso jovem era um engenheiro espacial muito inteligente e capaz, mas o engenheiro chefe da frota de então lhe podava todas as tentativas de participar da equipe. Isso o revoltava tanto que iniciou o romance com Aneres mais para provocar algum tipo de discórdia entre os dois povos. Como dizem os terráqueos, o tiro saiu pela culatra, pois Atlover se apaixonou perdidamente por Aneres, e vice-versa. Enquanto as desavenças entre os povos cresciam, na mesma proporção crescia o amor dos dois. Sabe-se lá como, o engenheiro chefe descobriu o romance. Chamou o rapaz e ameaçou tornar público o caso se ele não renunciasse àquele amor. Sem se revoltar, Atlover simulou uma concordância. Enquanto o jovem, por causa do engenheiro chefe, não tinha acesso às naves da frota, Aneres tinha como tio o engenheiro chefe de lá. A sobrinha contou ao tio o plano do amado e este, inicialmente, não aceitou, inclusive acusando a sobrinha de traição. Com muita argumentação, Aneres conseguiu convencê-lo de que não haveria nenhum sobrevivente na batalha final que estava próxima. Portanto, o plano de Atlover seria a única chance para eles reiniciarem a vida num planeta distante dali. Com a aceitação, o tio conseguiu entre seus subordinados dez técnicos de muito conhecimento. Estes conseguiram convencer suas namoradas, noivas ou esposas. Tudo foi arquitetado nos mínimos detalhes e em sigilo absoluto. Depois, arregimentaram mais alguns casais de cada povo para fazer parte da tripulação. Não se sabe a quantidade de pessoas que formaram a caravana. Até que, num belo dia daquele tempo, a maior, mais possante e poderosa nave dos sedrev levantou voo e sumiu no espaço infinito estocada com tudo o que seus tripulantes necessitavam para anos e mais anos de exploração pelas galáxias. Não é necessário dizer o tamanho da confusão que se instalou entre os sedrev, principalmente depois que a suspeita pelo ocorrido recaiu sobre Atlover, que se confirmou depois por causa de seu desaparecimento brusco. Pouco tempo depois houve a fatídica batalha final onde, além da destruição do planeta, os sedrev tiveram perdas bem maiores que os siuza. Eles nos responsabilizaram por causa da perda da melhor nave. E aqui chegamos à explicação sobre o porquê do ódio dos sedrev sobre nós. Este ódio passou de geração a geração e ei-los agora presentes para nos demonstrarem ao vivo.

– Eu tinha alguma noção, mas nem imaginava que foi assim. Por um acaso alguma geração do passado teve notícias sobre a nave?

– Pelo menos na nossa geração, nenhuma das naves com que tivemos contato pertencia ao povo de Atlover e Aneres. De acordo com meu pai, há relatos das gerações passadas de que pelo menos em três oportunidades eles estiveram próximos, mas não quiseram contato. Inclusive, meu pai afirmava com convicção que o Deus dos terráqueos era descendente deles. Hoje, nada sabemos sobre eles. A única certeza é que estão em algum recanto deste imenso universo. Quem sabe algum dia nos encontremos com eles. Agora, voltemos ao presente, e o nosso presente nos mostra que vamos ter que nos confrontar com os sedrev. Portanto, vamos iniciar a reunião do conselho para deliberarmos sobre o que fazer.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Desenho e montagem de Eitel Teixeira Dannemann.

Compartilhe