POR QUE OS GATOS MATAM OS RATOS?

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Antes do professor chinês Kuo, que trabalha nos Estados Unidos, muitos outros pesquisadores haviam querido saber quais os fatores que determinam o comportamento dos gatos em relação aos camundongos e aos ratos. Que comportamento? A reação que consiste em atacá-los (com habilidade) e matá-los. Seria esse impulso matador um simples “instinto”, no sentido de uma resposta nativa, que aparece naturalmente por força de fatores genéticos, e nas condições normais de ambiente, ou seria antes, pelo contrario, uma resposta adquirida em virtude de aprendizado?

À primeira vista nossa tendência é para responder favoravelmente à primeira hipótese, pois desde que o mundo é mundo (esta é a impressão que em geral se tem) os gatos atacam e matam os ratos e os camundongos. A verdade, porém, é que não é possível resolver uma questão dessa ordem pela simples impressão que resulta da frequência com que vemos o gato matar aqueles seus “inimigos”. Não precisamos ir muito longe para encontrar gatos malandros, que não caçam camundongos. É certo que logo surgirão as desculpas e as explicações: caçar, eles caçam, mas não querem. Serão bichos degenerados, uns pobres infelizes, umas tristes exceções?

Se a reação agressiva dos gatos em relação aos ratos e aos camundongos fosse, realmente, universal, isto é, mesmo que não se conhecesse exemplo de nenhum gato incapaz de perseguir e matar esses animais, ainda assim não poderíamos afirmar que a reação fosse “nativa” e correspondesse a um instinto. O caso só pode ser deslindado mediante experiências bem controladas, em que se afaste de maneira absoluta toda influencia resultante do aprendizado. E isso não é fácil. Mas foi o que fez o Dr. Kuo. A experiência desse pesquisador abrangeu nada menos de 59 gatinhos. Trinta deles, os “não vegetarianos”, foram alimentados com leite, carne, peixe e arroz cozido. Os restantes, os “vegetarianos”, só recebiam leite e verduras, jamais tendo provado o gosto da carne. A metade deles encontrava-se em jejum de 12 horas, cheia de apetite portanto, ao passo que a outra metade se achava sempre farta. O plano geral da experiência constituiu em criar diversos grupos de gatinhos em condições de vida deferentes quanto às experiências havidas em relação a ratos e camundongos. Para tal fim, Kuo imaginou três situações bem diversas, pelas quais distribuiu, em números aproximadamente iguais, os 59 gatinhos.

Na primeira condição, chamada “isolada”, cada gatinho vivia inteiramente isolado, em uma gaiola só dele. Não tinha nenhum contato com ratos ou camundongos, a não ser, naturalmente, nos momentos de prova, em que era preciso justamente saber como é que o felino reagia à presença dos roedores. À noite a gaiola permanecia coberta, para evitar que algum rato ou camundongo vagabundo aparecesse pelas redondezas e fosse visto pelos gatinhos. Estes também eram completamente isolados em relação a outros animais da mesma espécie, a não ser a própria mãe, com a qual viviam até época da desmama do exame, sempre porém em gaiolas perfeitamente isoladas; como não havia possibilidade de algum rato aparecer na gaiola, ou nas redondezas, ou pelo menos de ser visto pelos gatinhos e suas mães, é claro que os filhotes não poderiam aprender, com estas, a reagir aos “inimigos”.

Na segunda condição, cada gatinho vivia numa gaiola separada, em companhia da mãe, como na condição anterior, mas tinha oportunidade de ver a mãe matar um rato ou um camundongo, de vez em quando, ou melhor, de quatro em quatro dias. Esses ratos ou camundongos não entravam na gaiola, ficavam do lado de fora e aí é que eram mortos pela gata. Esta, porém, não matava indiferentemente ratos ou camundongos. A cada gata só era apresentado sempre o mesmo tipo de roedor. E havia três espécies de roedores na experiência: ratos selvagens, ratos albinos e camundongos dançarinos. Assim, alguns gatinhos só viam as mães matar ratos médios, selvagens, ao passo que outros só as viam matar ratos grandes, e brancos, e outros, ainda, só viam morrer camundongos dançarinos. Além disso, as gatas só podiam matar, e não comer, os ratos ou camundongos que agrediam.

Na terceira condição, cada gatinho, a partir de seis dias de idade, vivia em uma gaiola isolada, em companhia de um roedor de uma das três espécies acima referidas. À noite o doutor retirava o rato ou o camundongo e colocava a gata. Após o desmame, a gata desaparecia completamente e os gatinhos viviam apenas na companhia dos roedores, e não podiam ver nenhum outro animal além da espécie de roedor que lhes fazia companhia.

Para todos os grupos se criou a mesma situação de prova: num certo dia o dr. Kuo colocava dentro da gaiola um grande rato branco. Se o rato branco não era atacado dentro de trinta minutos, era retirado e em seu lugar colocava-se um rato selvagem, de porte médio. Se também este não era atacado dentro de trinta minutos, cedia o lugar a um camundongo dançarino. A primeira prova desse tipo foi feita quando os gatinhos tinham de seis a oito dias. Depois disso, era repetida de quatro em quatro dias, até que o gatinho houvesse matado um roedor de cada uma das três espécies mencionadas, ou, em caso contrario, até a idade de quatro meses.

No final da historia os pesquisadores fizeram uma contagem dos ratos e camundongos mortos nos três grupos, e tiraram as conclusões possíveis. A primeira lição que se colheu da experiência foi a seguinte: a atitude agressiva dos gatos em relação aos ratos depende em grande parte da experiência anterior que eles têm em relação a esses animais. Quase todos os gatinhos que tiveram oportunidade de ver as mães atacar e matar ratos ou camundongos, acabaram destruindo, também ratos ou camundongos.

Mas no grupo que sempre viveu isolado de outros gatos e de roedores, a metade dos gatinhos acabou também destruindo os seus “inimigos naturais”. Por outro lado, entre os gatos que se habituaram ao convívio dos roedores, foi mínima a porcentagem dos que mais tarde atacaram esses animais.

Em relação à espécie de roedores atacada pelos vários grupos de gatos, colheu-se uma noção interessante: o gato que ataca o roedor maior também ataca os dois membros. Mas o que se habituou a atacar a espécie menor não ataca a maior, ou pode não atacá-la. O gatinho ataca de preferencia a espécie que viu a mãe atacar, e nunca a espécie com a qual conviveu. Kuo não estudou apenas a reação brutal, de atacar e matar. Registrou também varias outras reações, desde as de indiferença absoluta em relação aos roedores, até as de observação e espreita, tolerância, cordialidade (brincando com os ratos como de fossem gatos) e hostilidade (eriçamento, arqueamento do dorso, etc.). E observou que essas reações se distribuíam normalmente pelos vários grupos, conforme a atitude geral de amizade ou não. Não tiveram efeito sobre o resultado das experiências as circunstancias de estarem os gatos em jejum, ou de serem vegetarianos ou não vegetarianos. Em outras experiências, em que o aparecimento do rato na gaiola era seguido de um choque elétrico no gato, foi possível criar, neste, ou melhor, em alguns gatos, acentuada reação de medo em relação ao rato, em condições normais. E essa reação pode instalar-se mesmo em gatos que sejam ativos caçadores de ratos.

A conclusão final que Kuo tirou de suas experiências foi esta: o gato não possui nenhum instinto especifico dirigido contra os roedores. Seu corpo é construído de tal forma que se adapta perfeitamente à apreensão de pequenos animais, tais como ratos, camundongos, pássaros, etc. Mas adapta-se bem, tanto para devorar quanto para brincar. Os cavalos, os leões e os pardais reagem de maneira diversa diante de um rato, não porque lhes falte algum instinto especifico, mas sim por uma simples questão de tamanho de adaptação do corpo aos movimentos necessários para realizar as operações de caçar ou devorar os roedores. O tipo de comportamento que o gato manifesta em relação ao rato, isto é, o conjunto de reações que normalmente se desenvolvem no felino diante de um rato ou de um camundongo, como diante de um pássaro, é aprendido e modificado pelo ambiente. Mudando este, podemos fazer do gato um inimigo feroz ou um companheiro folgazão para o rato.

Dissipam-se desse modo os efeitos das primeiras impressões. Se nossa tendência natural é para dizer que os gatos matam os ratos por simples e puro instinto, e que não passam de gatos degenerados os que assim não procedem, a experiência mostra que tão natural é, entre os gatos, matar os ratos como ser amigos deles. E isso está de acordo, aliás, com a observação desapaixonada dos fatos, pois na verdade todos sabem que, desde que o mundo é mundo, sempre houve gatos bons caçadores e gatos maus caçadores de ratos.

Restaria explicar por que tantos gatos acabam matando um ou outro rato e se afeiçoando a esse trabalho. E também por que, nas experiências de Kuo, mesmo entre os gatos completamente isolados, cerca de metade acabou matando ratos ou camundongos. É que na vida diária o rato ou camundongo são acidentes comuns no caminho dos gatos. Estes os perseguem inicialmente como a tudo que corra ou se mova. Brincam, eventualmente mordem. E morrendo, sentem o gosto e descobrem que este é bom… E assim começa a historia, que não precisa do tão falado instinto para se explicar convenientemente.

* Fonte: Texto publicado na edição de 01 de junho de 1952 do jornal Folha da Manhã.

* Foto: Gauchazh.clicrbs.com.br.

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