FREI ANTÔNIO DE GANGI E SUA INVESTIDA CONTRA AS PROSTITUTAS

Postado por e arquivado em HISTÓRIA.

Pelos idos da década de 1940, o Bairro Brasil era considerado periferia e se chamava Várzea. Aos poucos a população parca de recursos foi tomando conta da região. A carência financeira, junto à falta de costumes e moral, deu origem a um bairro cheio de problemas, com muitas brigas e prostituição. A localidade não era bem quista, coberta com muito mato e poucas casas, passando uma imagem de um lugar abandonado. O bairro era visto como uma localidade onde perpetuava a devassidão e suas orgias, os maus exemplos, a desordem, não sendo digno de ser frequentado por pessoas de bem e de família. Enquanto isso, com o financiamento para o incentivo da criação do gado zebu, o dinheiro tornou-se fácil para muitos criadores, que desviava altas quantias nas orgias. Foi o grande desenvolvimento da prostituição em Patos de Minas.

A Igreja Santa Terezinha, dos Capuchinhos, foi instalada em casa adaptada no ano de 1940. A sede própria foi entregue em 1962 e em 1981 sofreu uma ampla reforma. Com a chegada dos religiosos e a consequente urbanização da Avenida Paranaíba, a população foi se organizando, melhorando o nível cultural e religioso e com isso o bairro cresceu. Mas deixou uma sequela não suportada pelos capuchinhos e não muito bem aceita pela população: as casas de prostituição nas vizinhanças da igreja.

Sentindo-se incomodado com a situação, Frei Antônio de Gangi fez inúmeras incursões às autoridades competentes no sentido de tentar acabar com a zona boêmia ao lado do santuário. Mas as autoridades pensavam de maneira diferente e não estavam dispostas a acabar com a prostituição, e sim mudá-la de lugar, para longe do centro da cidade. A queda de braço entre o Frei e a Prefeitura foi árdua.

Em 26 de julho 1960, surge no Brasil um movimento denominado Tradição, Propriedade e Família (TPF). Sua fundação derivou da necessidade de um grupo de católicos leigos, muito identificados com a doutrina tradicional da Igreja Católica, de obter estatuto jurídico civil (independente da hierarquia da Igreja Católica) para as suas atividades e de reunir, de forma associativa, a vasta família de almas que comungava dos mesmos ideais de seu líder espiritual e doutrinário, Plínio Corrêa de Oliveira (1908 – 1995). Conforme seus estatutos, os principais objetivos da TPF eram combater o socialismo e o comunismo e ressaltar os valores positivos da ordem natural, em especial, a tradição católica, a família monogâmica e indissolúvel e a propriedade privada e inviolável.

Esse movimento teve grande repercussão em Patos de Minas. Não há relatos nem documentos oficiais que comprovem ações da TPF no combate à prostituição na cidade, mas coincidentemente, foi nesse período que o Frei Antônio de Gangi iniciou sua batalha para a dizimação dos prostíbulos nas mediações da Igreja Santa Terezinha. Tanto para o religioso quando para a organização, combater a prostituição era uma forma de manter viva a tradição da família e os valores pregados pela Igreja. Além do mais, a presença das pecadoras profanava o local.

Mesmo com todo o empenho da Igreja em acabar com a zona boêmia, algumas prostitutas se recusaram a vender suas propriedades e sair do local. Foi então que o Frei Antônio resolveu agir por conta própria. Em 02 de dezembro de 1962 ele reuniu um grupo de crianças e alguns adultos da Paróquia para realizarem uma imensa passeata empunhando cartazes e faixas com dizeres alusivos à moralização do bairro. Sua ideia era invadir as casas resistentes e, na base da força, obrigar as mulheres de vida fácil a abandonar, senão a cidade, pelo menos o Bairro Brasil. Algumas versões contam que houve uma quebradeira geral nas casas. Não há relato de vítimas com ferimento nos dois lados do confronto. Apenas o autor do plano foi atingido com uma pedrada na cabeça, sem maiores consequências.

Outros relatos dizem que o objetivo do Frei Antônio de Gangi era apenas promover uma passeata com as crianças, levando bandeirinhas brancas. Mas alguém de dentro de um dos prostíbulos jogou uma pedra que atingiu o religioso. Nesse momento apareceu o Delegado, todo vestido de terno e começou a tirar satisfações com o Frei. Este falou muita coisa para a autoridade, e foi o Frei Davi que interferiu para que ele não fosse preso. A atitude do Delegado, de acordo com algumas opiniões, deixa evidente que ele queria manter a ordem e principalmente proteger a zona boêmia.

O imbróglio tornou assunto predominante na cidade e as autoridades se movimentaram para tomar as providências necessárias que o caso estava a exigir. De imediato houve o partido a favor das mulheres, e o contrário às atitudes das prostitutas. Este em um maior número, está claro. Chegando a notícia bastante deturpada a Belo Horizonte, a imprensa se movimentou. Assunto novo e diferente. Era o sensacionalismo a ser explorado e aproveitado. Imediatamente, repórteres dos principais jornais e revistas da Capital e do Rio de Janeiro se deslocaram até à terra da Festa do Milho. Com isto, surgiram notícias na imprensa nacional deste teor: Guerra Santa em Minas contra a prostituição; Padre à frente da luta contra o leilão do sexo; Crianças e adultos saíram da missa para arrasar Buates e Bordéis; Padre comanda em Patos de Minas cruzada de morte à prostituição; Guerra é guerra.

O jornal Última Hora, do Rio de Janeiro, publicou em sua edição de 06 de dezembro de 1962, relato de seus enviados especiais a Patos de Minas, Alberico Souza Cruz e Theodomiro Lopes Ferreira. A matéria fala sobre o ataque do padre e de um grupo de crianças aos rendez-vous e dancings da proximidade da Igreja Santa Terezinha, localizados na Avenida Brasil e Rua Ouro Preto. No decorrer da reportagem insinua-se se o interesse dissimulado através da empreitada do Frei Antônio não poderia ser o de adquirir os imóveis das tais casas de tolerância. O Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, após relatar toda a trama de forma semelhante à Ultima Hora, associa a prática do Frei Antônio à Santa Inquisição. Tal o alvoroço da imprensa, chegando ao absurdo de no Jornal do Brasil, de 07 de dezembro de 1962, Ruy Rocha afirmar: A cidade de Patos de Minas está em pé de guerra. Cerca de 20.000 pessoas saíram às ruas domingo último para discutir o assunto

De notícia nacional, passou para o âmbito internacional através da edição de 21 de dezembro, à página 21, da revista Time, sob o título The Padre & The Prostitute, onde ela afirma que a conduta do Frei procura erguer, no tecido urbano da cidade de Patos de Minas, fronteiras entre os espaços da moralidade cristã e áreas do pecado e dos vícios da carne.

Independente se foi lícito ou não, a ação comandada pelo Frei Antônio de Gangi conseguiu alcançar seu intento: tirar os bordéis famosos e grandes das proximidades da Igreja Santa Terezinha e grande parte da Rua Ouro Preto. Moralizou muita coisa na região. Houve um efeito positivo, apesar de tanta calúnia pela imprensa afora. Patos de Minas tornou-se uma cidade ultrajada. Mas, com o passar do tempo, quase ninguém mais falou no assunto. Tudo se aquietou, enquanto a prostituição se firmou no centro da cidade, onde persistiu até mais ou menos na década de 1990, só sendo extinta depois da morte de uma das prostitutas mais famosas da cidade, conhecida como .

* Fontes: Monografia Frei Antônio de Gangi: A Cruzada Contra a Prostituição – Patos de Minas – Década de 1960, de Edi Marcos Furtado Ferreira e Eunice Aparecida Caixeta (do arquivo do LEPEH – Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História do Unipam); Patos de Minas: Capital do Milho, de Oliveira Mello.

* Foto: Frei Antônio de Gangi, do arquivo da Igreja Santa Terezinha.

Compartilhe