CANTO CHÃO / ENTREVISTA – 1980

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Numa entrevista concedida a Inez Marina, Marco Antônio e Vicente de Paulo, publicada na edição n.º 2 da revista A Debulha, de 31 de maio de 1980, o GRUPO CANTO-CHÃO expõe suas ideias. A Nota do Redator diz o seguinte:

Grupo musical que pode ocupar a linha de frente da música popular brasileira. Numa rara felicidade se reuniram quando já possuíam uma boa bagagem de composições. Infelizmente pelo que deixam transparecer nesta entrevista, acontece com o Grupo o mesmo problema enfrentado por todos os movimentos culturais ou artísticos em Patos de Minas – FALTA DE APOIO E ESTÍMULO. Temos nos preocupado muito com o fosfato (mineral) que têm tirado daqui. Será que não valeria a pena considerarmos a desvalorização que temos dado ao “fosfato” artístico de nossa gente?

Por que o nome CANTO-CHÃO?

Poderia ser canto-do-chão, uma coisa que a gente procura (Marco). Canto-Chão foi um nome que apareceu, todo mundo gostou e adaptou. O estilo musical varia do samba a rock progressivo (Heleno).

Vocês acreditam que a música possa ser usada como instrumento de crítica a situações sociais, políticas ou filosóficas?

Acho que sim. A música não é feita só de amor e carinho. Ela é a vida, ela tem que ter este sentido de denúncia (Marco). A música é a arte mais popular, por isto pode ser usada como instrumento político. O autor põe para fora aquilo que vê na rua e não é só amor que a gente tem visto… (Gilmar).

Dos compositores do grupo, algum já compôs música com sentido político?

Eu compus “SENHORES MOLEQUES DE MINAS GERAIS”, com este sentido (Gilmar). Quando compus “GADO MARCADO” eu não pensei somente em gado, pensei também no povo (Wagner).

O que vocês esperam do show do dia 24 de maio, em termos de “quantidade” de público?

Esperamos em torno de duzentas pessoas.

Vocês apresentariam este show que vai ser mostrado no auditório da Rádio, lá no Parque de Exposições?

Eu apresentaria (Marco, Heleno, Gilmar e Waldemar). Não, eu não (Waguinho).

Por que não, Waguinho?

Os cantores que se apresentam no Parque são de baixo nível cultural e musical. Nossa música é uma música trabalhada, música da terra.

Wagner, você acredita que quem assiste ao show no Parque, está lá com objetivo de ver e ouvir o cantor, ou simplesmente de ir à Festa?

Tudo mundo sabe que a Festa é lá. Vão por vício.

Não seria esta a razão de alguns considerarem que o nível da Festa está baixando?

Acho que não há outro remédio, se o que eles estão oferecendo é isto, o pessoal tem que ir. Mas, acho que a maioria não está satisfeita com este tipo de Festa.

Quando acontece o show de algum cantor no Parque o som das barracas é desligado?

Não. Gostaria de lembrar aqui a importância do rádio. Como as nossas emissoras quase só tocam os cantores que são contratados para a Festa, o pessoal que assiste sai satisfeito. Se o rádio tocasse “nego bom mesmo”, a influência seria muito grande e o nível da Festa seria outro (Marco).

O que vocês acham que falta em Patos para a expansão cultural?

Acho que o rádio é o instrumento de comunicação que mais chega ao nosso povo, e as Rádios locais não têm se preocupado muito em divulgar nossa cultura, com raras exceções (Gilmar). É fraca a divulgação da imprensa escrita. Só publicam aquilo que a gente pede, não nos procuram para saber o que vai acontecer ou está acontecendo. O público também não prestigia muito o trabalho cultural e muita gente que poderia dar seu apoio nem ao menos comparece às promoções culturais. O pessoal tem que entender que ultimamente é a música popular que está mandando (Wagner). Quero lembrar o nome do José Afonso, é um cara que dá total apoio e sempre pergunta pelo nosso trabalho. Muita gente “bem” que nos vêm tocando em rodinhas, nos elogiam e dizem: “Tá doido, este pessoal é bom demais!”… Aí vem mil promessas, mas é só naquela hora, (talvez por causa da cachaça), mas é uma gente muito falsa. Eles dão um impulso, mas é só falsidade. Quando a gente precisa do apoio mesmo… Por exemplo: o Sindicato nos deu cinco mil cruzeiros e o local do show (Rádio Clube), mas duvido que apareça um elemento do Sindicato no show. Quer dizer, não é só a parte financeira que a gente precisa. Precisamos do apoio moral, da presença. Há outra coisa: “santo de casa não faz milagres”. Vem muita gente aqui que não tá com nada e o pessoal acha que é o fim do mundo. Se a gente conseguisse fazer um show numa grande cidade e saísse bem, quando voltasse até queria ver a cara das autoridades (Marco). Em Patos eu acho que falta tudo. Falta mais atividade do músico, cultura, condições (Heleno).

Alguém tem alguma sugestão a fazer para a expansão musical mais rápida em Patos?

Minha sugestão imediata seria um entrosamento maior com a classe estudantil, seria a única salvação para a cultura de Patos (Gilmar). Fazer promoções culturais, musicais em Patos. Conhecer o valor da música (Waldemar).

Cite um grande músico brasileiro.

Egberto Gismonti (Marco), Milton Nascimento (Gilmar), Tom Jobim (Wagner), Alceu Valença (Heleno), Elomar Figueira de Melo (Waldemar).

Cite um grande músico internacional.

Paul Simon (Gilmar), John Anderson (Heleno), Bob Dylan (Marco e Waldemar), Crosby, Stills, Nash & Young (Waguinho).

Cite um grande músico patense da atualidade.

Dalla (Gilmar, Waldemar), Luiz Carlos (Waguinho).

Qual o músico que mais tem influenciado seu trabalho artístico?

Luiz Carlos e Gerson Beu (Heleno). Paulinho da Viola (Marco). Luiz Gonzaga Jr. e Dalla (Gilmar). Milton Nascimento (Waldemar). Soninho (Wagner).

Cite um político do passado e do presente, na área nacional e municipal, que tenha exercido alguma influência moral, intelectual, política ou mesmo artística em sua vida.

Da área nacional, do presente, Fernando Henrique Cardoso (Marco). Do presente não, do passado sim, Juscelino Kubitschek (Gilmar). Do passado, JK (Wagner).

Os elementos do grupo que não se manifestaram foi por não terem nenhum político do passado ou do presente, na área nacional ou municipal que tenha exercido influência sobre eles.

Na mesma edição da revista, há a seguinte matéria, com o título:”Grupo Canto Chão”:

O Grupo fez nova apresentação dia 24 de maio no auditório da Rádio Clube. Cantando para um auditório lotado, o grupo patense mostrou toda sua afinidade com o público que esteve empolgado, da abertura do show, feita por outros elementos, também de Patos, até o encerramento, com 2 horas de MÚSICA DA TERRA, daí o nome CANTO-CHÃO. Músicas como: AVISO, BUSCA, VIVÊNCIA MORTA, causaram grande entusiasmo ao público, mas o clímax foi mesmo ‘CANÇÃO AO BOIADEIRO” que a plateia cantou em peso com o Grupo, no término do show.

Um mês depois, o Canto-Chão fez três apresentações no Teatro Francisco Nunes, em Belo Horizonte. A edição n.º 6 da revista A Debulha, de 31 de julho, comentou:

O GRUPO CANTO-CHÃO acabou de chegar de uma apresentação de três dias de show no Teatro Francisco Nunes. No dia 25 p.p. o grupo se apresentou pela primeira vez ao público da Capital Mineira, às 13:00 e 16:30 horas e nos dias 26 e 27 (sábado e domingo) às 21:00 horas. O Grupo mostrou em BH toda a força da música patense, partindo da simplicidade, alegria, tristeza, etc… Enfim, uma música bem coerente à nossa realidade herdada de foliões, roceiros e urbanos do interior de Minas Gerais.

* Fonte: Revista A Debulha, do arquivo de Dácio Pereira da Fonseca.

Na edição n.º 7 de A Debulha, de 15 de agosto, o colunista José Afonso registrou a seguinte nota:

CANTO-CHÃO, grupo musical de Patos de Minas, deixou a melhor das impressões em Belo Horizonte, quando da sua participação no CURTIÇÃO CULTURAL, uma promoção da Prefeitura de BH. Gilmar, Marcos, Waldemar e Heleno, se apresentaram nos dias 25, 26 e 27, no Teatro Francisco Nunes, com o show “Aviso”, contando com a cobertura de importantes órgãos da Capital Mineira e sobretudo, recebendo fartos elogios da crítica.

* Fonte: Revista A Debulha, do arquivo de Dácio Pereira Da Fonseca.

* Fotos: Arquivo de Gilmar Ribeiro de Castro.

* Foto 1: Apresentação do grupo no I Encontrão-Cantar na Praça em 1981.

* Foto 2: Cartaz do show no Teatro Francisco Nunes em 1980.

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