ANTÔNIO PAULO XIMENES DE MORAIS – DISCURSO EM 1981

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A2Quarenta e dois anos de trabalhos médicos prestados, sendo quarenta ao povo patense! Na noite de 12 de junho de 1981, a Regional da Associação Médica de Patos de Minas promoveu em sua sede uma merecida homenagem ao Doutor Antônio Paulo Ximenes de Morais, onde colegas, amigos ou simplesmente admiradores puderam congratulá-lo. Ao fim das homenagens, o Dr. Ximenes proferiu as seguintes palavras:

Meus prezados amigos; Meus prezados colegas,

Hoje, por mais que me esforce para fazê-lo, não consigo me conter dentro da minha costumeira modéstia. Sinto-me verdadeiramente envaidecido e engrandecido e a culpa é de vocês. Ao chegar ao final de minha carreira profissional, sinto-me, ao receber esta grandiosa homenagem, como o soldado que encarregado de hastear a bandeira da vitória no cume da montanha, enfrentando o troar dos canhões, a explosão das granadas e a matraca da metralha, consegue fazê-lo e, ao voltar é festejado por seus companheiros que não lhe regateiam aplausos e manifestações de apreço e simpatia.

Como a missão do soldado, não foi fácil, meus amigos, posso chegar de cabeça erguida à meta desejada e olhar para trás satisfeito e orgulhoso com a consciência do dever cumprido.

Precisamente, no dia 1.º de agosto de 1940 chegava eu a esta cidade para tentar o início da minha carreira. Isolada nestes confins do Alto Paranaíba ela contava como meios de comunicação com o resto do mundo, apenas com o correio que a ela chegava e saia três vezes por semana, um precário serviço de telégrafo e como meio de transporte um trem sujo e vagaroso que, partindo de Catiara chegava a Belo Horizonte depois de 23 horas de viagem, quando tudo corria bem. Aqui cheguei trazendo um esterilizador a álcool, meia dúzia de pinças homostáticas, meia dúzia de pinças de dissecção, um fórceps, um estetoscópio e um aparelho de pressão. Muito bem recebido pelos sete colegas que aqui viviam, comecei o meu trabalho aprendendo a fazê-lo com os parcos recursos de que dispúnhamos. Orientado pelos mais antigos, fui aprendendo a suprir com a ausculta, percussão e palpação, a falta dos exames complementares que eram então inteiramente inexistentes. Como eles fui conseguindo me adaptar às circunstâncias até que, aos poucos, fomos conseguindo instalar pequeno laboratório e fazer funcionar o arcaico aparelho de raios X existente no Hospital Regional, único da cidade. O hospital só era procurado ou aceito em casos raríssimos, quando não era realmente possível um tratamento domiciliar. Os pacientes da zona rural, ao contrário do que fazem hoje, chamavam o médico em suas fazendas onde o atendimento era feito nas mais precárias condições possíveis. Viajando em estradas esburacadas e lamacentas, em lombo de animal e às vezes, até a pé, nós chegávamos à casa do paciente para então, depois de uma viagem dura e cansativa, começar o serviço.

Dos 42 anos de trabalho nesta terra, cerca de 15 anos foi desta maneira que vivi. Posteriormente, com a chegada de novos colegas e abertura de novos hospitais, a cousa foi melhorando, o serviço se aperfeiçoando e o entrosamento dos profissionais permitindo que se fizesse uma medicina muito melhor e em condições mais favoráveis de trabalho.

Ao sair de Belo Horizonte, onde fiz os dois primeiros anos de minha vida profissional, já estava “embengado” com aquela que num futuro próximo seria minha grande companheira de lutas. Resistindo ao grande assédio das moças casadouras de então, fui buscar a minha Julinha justamente em 19 de junho de 1943. Com 22 anos de idade, nascida e vivida na capital, sem conhecer o interior a não ser por minhas informações, ela se dispôs a me acompanhar; veio comigo, enfrentou todas as dificuldades de uma vida de pobre em uma cidade de poucos recursos e, até ontem, jamais pediu ou ao menos insinuou que procurássemos outra moradia. Ela, como eu, integrou-se logo aos problemas da cidade, tomou amor a ela e a adotou como sua segunda terra. Durante esta nossa vida de lutas ela se transformou no velho jequitibá onde eu me apoiava nas horas difíceis e onde me chegava para gozar as delícias das glórias alcançadas. Ela chorou quando eu chorei, riu-se quando eu me ri, preocupou-se quando eu me preocupei, tomando assim parte integrante na minha vida, ajudando-me a lutar e a vencer. Por tudo isto eu peço licença aos meus colegas e amigos que me homenageam, para repartir com ela as glórias desta vitória que tanto nos enche de orgulho. Tenho certeza, porém, que como eu, ela não desejaria que a homenagem fosse repartida somente entre nós dois; os sete filhos resultantes do nosso matrimônio aprenderam, desde cedo a compartilhar conosco das alegrias e tristezas e, quando ainda pequenos, sem entender bem o que se passava, como que adivinhavam as variadas nuances de nossa vida e conosco se alegravam ou entristeciam.

Tornados adultos eles lutaram conosco e nos animaram para que conseguíssemos os nossos objetivos; casaram-se e nos trouxeram três genros e duas noras que, integrados à nossa família, nos deram também seu incondicional apoio o que nos trouxe mais uma enorme força para vencermos na vida. Para coroar tudo isto deram-nos seis netinhas lindas, vivas e inteligentes que são hoje a menina de nossos olhos; é pois nosso desejo que estas homenagens que hoje recebemos sejam repartidas entre toda a família porque toda ela tem parte importante no alcance de nossa meta.

Meus caros amigos e colegas. Eu aceito esta homenagem; aceito e me orgulho dela porque como São Paulo, no fim da minha carreira eu me honro de poder dizer “combati o bom combati”. Sim, combati o bom combati porque dei tudo de mim pela minha profissão, pelos pacientes que em mim acreditaram e em mim confiaram; tudo fiz para que meu trabalho fosse sério, honesto e o melhor possível; coloquei o paciente pobre e o indigente em lugar de destaque procurando praticar a caridade. “Guardei a fé”. Sim, guardei a fé na minha profissão, nos ensinamentos que recebi e na vontade de acertar. E, finalmente, recebo a coroa que vocês colocam em minha cabeça como recompensa pela vida de trabalho honesto e sério que procurei fazer durante toda a minha vida profissional.

Agradeço de todo coração esta homenagem que recebo e como recompensa desejo que todos vocês sejam felizes como eu sou; que cada um tenha uma vida longa e feliz e que ao fim de sua carreira encontre gente boa como vocês que lhes dê o que vocês estão me dando.

NOTA: Dr. Antônio Paulo Ximenes de Morais faleceu em 28 de setembro de 1993.

* Fonte: Texto publicado na edição n.º 27 da revista A Debulha de 30 de junho de 1981 com o título “Dr. Ximenes – 42 anos de Medicina”, do arquivo de Dácio Pereira da Fonseca.

* Foto: Arquivo de Antônio Paulo Ximenes Filho.

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