BICICLETAS: ACABANDO COM A MISTIFICAÇÃO

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BICICLETATEXTO: OSWALDO AMORIM (1986)

Quem quiser se deixar mistificar que se deixe, mas, em relação ao problema das bicicletas, a necessidade de ordem no trânsito não está em causa. A ordem é necessária e ninguém questiona isto. O que está em causa é a necessidade de se reorganizar o trânsito, também em função dos ciclistas, virtualmente marginalizados pelo atual sistema, criado em função apenas dos veículos automotores.

Numa cidade como Patos, onde as bicicletas predominam amplamente, numa proporção que pode chegar até 10 para cada carro de passeio, a implantação da mão única, numa série de grandes vias de tráfego urbano, só poderia ser feita com a compensação da ciclovia, para atender à conveniência dos ciclistas, e evitar, desta forma, as muitas voltas que agora é obrigado a dar para seguir na mão, a empurrar a bicicleta na contra-mão, para evitar as voltas.

Em Patos não se pode esquecer que as bicicletas não representam apenas a esmagadora maioria no trânsito: elas são também as responsáveis pelo transporte do maior número de passageiros, cuja soma supera a soma de todos os outros veículos juntos.

É certo que o carro de passeio pode levar muito mais pessoas. No tráfego urbano, entretanto, está provado que ele anda, na maioria das vezes, apenas com o motorista. Ora, devemos ter cerca de seis mil carros de passeio contra, talvez, umas 50 ou 60 mil bicicletas. Logo, não há como negar a ampla superioridade da bicicleta, em Patos, em termos de passageiros transportados. Sobretudo quando se leva em conta que o ciclista dá um uso mais intensivo ao seu veículo do que o automobilista ao seu, por emprega-lo até nos pequenos deslocamentos, devido, sobretudo, à incomparavelmente maior facilidade de estacionamento.

Se a bicicleta, em Patos, é a campeã disparada em número de veículos e em transporte de passageiros, é evidente que ela não pode continuar a ser tratada como uma espécie de pária do trânsito. Na verdade, por tudo isto, ela deveria receber um tratamento especial, como o rei dos veículos de nosso trânsito e até mesmo o veículo símbolo de Patos. Principalmente quando se leva em conta que ela não faz barulho, não polui o ar, não consome combustível, não desgasta o calçamento, ocupa um lugar ínfimo no tráfego, é barata, durável, de manutenção fácil, de baixo custo, e fácil de guardar.

Não se pode esquecer também que, em Patos, a bicicleta realiza, em geral, um percurso obrigatório muito mais extenso do que o do carro de passeio, considerando-se a necessidade de deslocamento entre a casa e o trabalho. Basta verificar que a maior parte dos carros de passeio está no centro, enquanto a grande maioria das bicicletas está fora do centro. Numa representação esquemática, podemos traçar no papel ou no quadro negro um grande círculo e, em seu interior um círculo menor. O primeiro seria toda a cidade, incluindo os múltiplos e, em vários casos, longínquos bairros periféricos. No segundo, o centro. Como o local de trabalho da maioria dos automobilistas é no centro, é fácil deduzir que a maioria precisa deslocar-se não muitos quarteirões para chegar ao trabalho. Enquanto isto, o ciclista, que impulsiona seu veículo com a força das próprias pernas, tem que deslocar-se dezenas e dezenas de quarteirões ou mesmo alguns quilômetros para chegar ao trabalho ou à escola. Vejam a ironia: o veículo movido a motor tem de vencer distâncias menores, enquanto o movido a muque tem de vencer distâncias maiores. A ironia cresce quando se percebe que os que menos precisam são os mais contemplados no trânsito urbano, enquanto os que mais precisam e merecem são justamente os mais maltratados.

A reorganização do trânsito, de forma a contemplar de forma adequada também os ciclistas, não é nenhum favor: é uma questão de justiça.

Ademais, a reorganização do trânsito, objetivando a eliminação das voltas compulsórias para os ciclistas (através do retorno à mão dupla, em alguns casos, e da criação de ciclovias, em outros), além de beneficiar os ciclistas, agora sacrificados por um sistema injusto para eles, irá facilitar o trabalho das autoridades do trânsito, na medida em que irá facilitar também a movimentação das bicicletas. Ou seja: a eliminação das voltas que agora o ciclista é obrigado a dar para andar na mão, ou a empurrar a bicicleta na contra-mão para evitar as voltas, acabará, a grosso modo, com a compulsão do ciclista de seguir na contra-mão, para driblar a volta – mesmo enfrentando a severa repressão policial.

* Fonte: Texto publicado na edição de 18 de janeiro de 1986 do jornal Correio de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Patoshoje.com.

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