RISOLETA MACIEL BRANDÃO − 1

Postado por e arquivado em PESSOAS.

RISOLETADona Risoleta, patense, filha de Farnese Dias Maciel e Adelaide Caixeta de Melo Maciel. Aprendeu as primeiras letras na escolinha da Gameleira (fazenda de seu pai) onde passou a infância; cursou o primário no Grupo Escolar “Marcolino de Barros”, em Patos. A seguir, foi aluna interna nos Colégios N. S. de Sion da Capital de São Paulo e Sagrado Coração de Jesus de Belo Horizonte. Novamente na terra natal, tomou aulas de Português, Francês e Conhecimentos Gerais com a Prof.ª Maria Madalena Prieto da Silva, licenciada pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Em janeiro de 1947, acompanhou o marido¹ (médico) na sua transferência para Belo Horizonte. Aí, mais tarde, de 1960 a 1969, frequentou uma série de cursos populares de Literatura, Astronomia para amadores, Alimentação Saúde, Catecismo para adultos e encontros culturais sobre a Religião Católica Romana. Foi secretária das “Obras Sociais da Paróquia de São José” (Centro), em Belo Horizonte, durante vários anos.

Na meninice costumava fazer teatros em casa com amiguinhas, criando e ensaiando comédias, cançonetas e diálogos.

Somente em 1958 experimentou um conto intitulado “CONTRASTE” o qual obteve Menção Honrosa no “Concurso de Contos da Prefeitura de Belo Horizonte”. Dez anos depois começou a escrever e vem publicando crônicas, discursos, e conferências realizadas em Belo Horizonte e Patos de Minas; pequenas biografias histórias antigas da cidade onde nasceu (vivência e personagens) em revistas e livros de coletâneas de artigos de autores diversos e jornais. Nos JOGOS FLORAIS (1972) XI Nacionais – VI Luso Brasileiros – Grupo Desportivo da CUF – Barreiro – Portugal, foi premiada com o Conto “BERERÊ”, trabalho este, com que participa da Antologia “ESTÚDIO 44” da Editora do Escritor, de São Paulo. Tem colaborado assiduamente na imprensa periódica, na Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro; Diário Mercantil, de Juiz de Fora; Minas Gerais e Estado de Minas, de Belo Horizonte; O Popular, de Goiânia e Jornal dos Municípios, Folha Diocesana e Correio de Patos, de Patos de Minas; além de colaborações especializadas em revistas Católicas. Em 1970, na Imprensa Oficial de Belo Horizonte, editou “FEIJÃO FEIJOAL”, ensaio muito bem aceito pela crítica, inclusive o Jornal “REPÚBLICA”, de Lisboa. Além de vários trabalhos menores, tem inéditos “VIDA DE SÃO GERALDO MAJELA” (teatro), “TRINDADE: MUNDO NAS GERAIS” (romance de costumes); e outros ensaios. Também, possui versos publicados.

É membro da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais (Belo Horizonte), onde representa o Município de Patos de Minas; Membro Correspondente da Academia Paulistana de História (São Paulo) e membro titular da Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater (São Paulo).

Dona Risoleta escreveu um pouquinho sobre seu modo de viver familiar na nossa Patos de Minas de outrora:

Recordações: Vêm e voltam… Umas persistentes, nítidas, quase palpáveis; outras fugidias e esmaecidas, – retalhos de lembranças a se diluírem na fimbria do horizonte azulado. Vêm e voltam, na brandura do entardecer carinhoso, trazendo ambientes de suaves coloridos, revivendo seres amoráveis, entes, afeiçoados: Meu pai… minha mãe. Ele, serenidade, amparo, respeito; ela, alegria, vivacidade, ternura. – “Pai, aí fora tem um homem perguntando pelo senhor”. – “Quem é?” – “Eu num conheço ele não senhor…” – “Manda entrar”. E o homem – branco, preto ou pardo – era recebido na cordialidade costumeira. “Manda entrar…” Velhos tempos da simplicidade e do sossego em que muitos falavam da aparição de almas penadas e lobisomens nos becos, em horas mortais; até da mula-sem-cabeça lançando fogo pelas ventas, relichando, estalando ferraduras nas imediações da cadeia, – trem doido que galopava numa volta de sete léguas ao derredor das povoações; – porém, de ladrão não se falava. De tal flagelo público ninguém dava notícia e a comunidade pacífica, hospitaleira, mantinha abertas suas portas, do amanhecer ao recolher. Nessa esfera de bonanças, em matinas, eu iniciava as atividades no quintal catando pitangas, umbus, coquinhos secos e amarelos derriçados na maciez da folhada. Naquela negação por qualquer tipo de calçados, os pés nus zanzavam espertos na frieza do orvalho das madrugadas. Comumente arriscava-me nas grimpas das galhas, na façanha de colher as jabuticabas mais doces, as laranjas mais graúdas, especialidades que oferecia à Mamãe. Diligente, varria a casinha de mentira ao pé da mangueira, a mais alta e copada. Aspirava a felicidade no aroma das flores do pessegueiro, na harmonia da natureza com o alarido da passarada e, condoída, assuntava o pintassilgo prisioneiro na arapuca do baianinho. O embezerrado, o malino urdidor de armadilhas, tinha a cachimônia de afundar um velho penico esmaltado na trilha das formigas-cabeçudas, abismo no qual o laborioso exército, disciplinado, precipitava-se com a pesada carga. Entre nossos domésticos via-se outro rapazinho: expedito mandalete, este, de boa catadura, todavia, nem olhava para o nosso lado. Soberbia de menino homem: “Ié, cré com cré”. As duas irmãs do baianinho, sim! Nessa época os três órfãos moravam conosco, sendo a maior deles uma graça de baiana em esparrames! Um agente batuta no engenho das gangorras, das folias no terreiro e na vasta cozinha de piso atijolado. Aí, quando o batuque atingia as raias da matinada, o cozinheiro da fala mansa, experimentava por água na fervura: “Quieta co’essa sinagoga, sirigaitas!” E a antiga pagem (babá) do meu bem-querer, caçadeiras de arengas, fula, explodia: “Sirigaita é seu nariz, intriqueiro! deixa as coitadinha pagodiá.” E em pagodeiras varavam secas e verdes.

Na cidadezinha de aproximadamente, três mil e trezentas almas, não existiam (conforme hoje), clubes campestres, tampouco praças de esportes. Em compensação, o extenso, farto e umbroso pomar de cada moradia ofertava um campo de sadias distrações para o regalo da meninada; e o nosso Éden não fugia à rotina. À sombra das árvores pejadas de frutos, em ajuntamentos de amiguinhas, havia guisados, cantigas de roda, batizados de bonecas com a pequena mesa de peroba atulhada de pires de biscoitos, suspiros, doces e café nas xicrinhas. Para a rua destinávamos as correrias de pique, tempo-será, boca-de-forno, acusada; também pular corda e as “quedas de maré e do vagon”, riscados com caco de telha no passeio à frente da casa. No páteo, brinquedo de-cantinho, de cabra-cega, jogar peteca; no alpendre, passar-anel e berlinda; no quarto, costurar muitas roupinhas das minhas queridas tetéias: lindezas de biscuit já um tanto caolhas, capengas e de cabeleiras carcomidas.

Em todas as residências onde eu ia sozinha, ou com a Mamãe e irmãs, encontrava companheiras em disponibilidade para os folguedos. Brincava no adro da Igreja-Matriz nas noites de leilão: nos recreios do Grupo Escolar era presença no meio da algazarra e dali costumava trazer colegas. “Esta sujeitinha é o próprio chamarisco! Aparece com meninas do Cerrado, da Vargem, de Tra-Banda da Lagoa.” Comentava Mamãe, pasmada e satisfeita da popularidade da caçula, – décima da família. De tarefa cotidiana eu arrumava a mesa dos almoços e jantares e gostava de regar as begônias e tinhorões no jardim e, apesar de não pertencer à turma das melhores alunas, jamais me decuidava dos deveres da escola. Atraia-me a História do Brasil, (da coleção de Carlos Góis, adotada nos Grupos Escolares, em Minas); atenta, escutava a prosa dos adultos naquelas narrações de viagens, contando as grandezas das Capitais. Num deslumbramento, ouvia as estórias de bicharada, de príncipes encantados e, em arrepios, os casos de assombrações e do Capeta disfarçado num bode preto: vasto repertório cheio de acréscimos – particularidade da contadora, uma crioula empregada da casa vis-à-vis à nossa. O certo é que, não obstante a impertinência dos irmãos, “Zoleta, conversa direito… Vai calçar os sapatos!…” a vida sorria-me na perene floração de radiosas primaveras.

OS TEATROS: A epidemia dos teatros às vezes, grassava no Grupo Escolar “Marcolino de Barros” e raras disciplinas do afamado estabelecimento de ensino – único na cidade – saiam ilesas de um surto tão pegajoso. “Hoje é na casa da Fulana… amanhã da Cicrana…” e assim por diante. Minha mãe, apreciadora do civilizado divertimento, incentivava-me e eu improvisava o teatrinho criando e distribuindo  as partes de cantorias e “sketch” entre primas e amigas. Levávamos avante o nosso ideal sem nos afetar a impiedosa crítica: “teatro broco-balofo”! Do último deles guardo indeléveis as cenas, como que ocorridas há pouco: os ensaios na meiágua do nosso jardim, a confecção do guarda-roupa das artistas – vestidos de papel de seda colados a grude – e a Grande Noite!

Tudo que cheirasse à festa a juventude aderia. Portanto não careceu segunda ordem de Mamãe para os manos transformarem a espaçosa sala-de-jantar em sofrível auditório com o palco adequado à circunstância. Às manas, no entusiasmo da adolescência, exultavam cooperando nos enfeites do cenário e expedindo recados à vizinhança, aos pais das atrizes, familiares e pessoas da intimidade. Ninguém devia ficar esquecido e, avisado, ninguém se fez esperar…

Em afobação, a diretora supervisionava o movimento, com o corpo de baile fervilhando no camarim. “As Flores” (bailado e cantoria) foi o número de entrada, (este, da contribuição de Vanda Mourão); seguiram-se diálogos, monólogos,  cançonetas; nada de criatividades nossas e sim, peças de verdade tendo a participação do elenco: Vanda e Célia Mourão, Maria Olímpia de Melo, Madalena Maria de Melo, Zenaide Bueno, Nair Alves de Oliveira, Iracema Barros, Zenóbia Caixeta, Carolina Araújo, Anita Campos.

Duas agradáveis surpresas contribuíram para o brilhantismo do espetáculo. Primeira, a orquestra: o Maestro Randolfo Duarte Campos, trazendo os filhos músicos, surgiu no prazer de acompanhar as cantoras; em especial, sua filha Anita – voz meiga numa bela melodia que ele, o pai, ensinara. Segunda, a comédia em um ato, encenada por Carolina Araújo, em trajes de Barão e seu irmão Antônio Secundino no papel cômico de criado do Barão. (Antônio, já então ginasiano do Colégio de Uberaba, em férias, de lá trouxera as novidades). Para encerramento, o mesmo, dedilhando um violão em estréia, cantou “A Tristeza do Jeca”, toada sertaneja de alta sensibilidade. (Este aplaudido ator extra programa, seria mais tarde o Dr. Antônio Secundino de São José, professor catedrático, presidente da Agroceres S.A. Nacional, etc., e altamente conceituado no mundo da agricultura). Em expansões de contentamento findou-se o teatro de brinquedo e a fim de se prolongar a alegria da noite, rapazes e moças puseram-se a dançar. Meus pais, no aprazimento de verem a reunião de convidados da filha menorzinha, tudo na mais pura harmonia… os pares deslizando felizes ao ritmo das valsas, marchinhas e fox-trotes. Entrementes, no jardim, quem não perdia quadra de brincar, com a garbosa “troupe” em animação, saltava canteiros nos alvoroços do chicotinho-queimado.

NOTA: Risoleta Maciel Brandão faleceu em 21 de dezembro de 2009.

* 1: Dr. Paulo do Prado Brandão.

* Fonte: Texto publicado na edição n.º 36 da revista A Debulha de 15 de novembro de 1981, do arquivo de Dácio Pereira da Fonseca.

* Foto: Arquivo Família Maciel.

Compartilhe