COISAS DE FIM DE ANO ESCOLAR

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TEXTO: JORNAL FOLHA DE PATOS (1944)

No atropêlo do interminavel vai-vem da rua Benedito Valadares¹, ouve-se repentinamente a pergunta afoita de um rapaz a outros que pareciam esperá-la:

– Ela passou!…

Quem poderia naquele borborinho humano destacar uma pessoa e, mais difícil ainda, saber se ela passara uma ou mais vezes?!

A resposta, no entanto, demonstrou que o assunto não era de natureza amorosa, porque dava informes dos exames de certa senhorita, fino elemento de nossa elite social.

Dias depois, um dos nossos jovens se encontrava na esquina da Recreativa, embebido no vozerio mas moças que de longe já vinham em revoada, quando uma delas, figurinha de Tanagra², defrontando-o, disse a queima bucha – eu prefiro êste “grande simpatico”, êle já me penetrou o ser, sei-o de cór, tenho-o na pontinha da lingua – e lá se foram entre risos e tais considerações.

Surpreso, o jovem como que sentindo os efeitos inesperados de uma “declaração” direta, por indiretas, acompanhou emocionado o grupo, quando mais adiante compreendeu, decepcionado, que tratavam elas dos pontos de exame de História Natural, preferindo cada qual o mais estudado.

Fica assim a mocidade no fim do ano.

Tudo nela respira a escola e a exame.

Mesmo que os examinadores entrem nas classes predispostos a surpreender e bombear, saem surpresos e fumegantes com a inteligencia moça e buliçosa dos jovens de agora, embora fúteis e indiferentes pareçam.

Pelas solenidades de formatura é que se vê a diversidade de mentalidade entre as gerações.

Na formatura fala o velho professor e o orador da turma. Este, sempre o espirito mais brilhante entre os formandos.

O moço rasga horizontes com idéias proprias, candentes, revolucionarias, idéias de moço que vibra e delineia.

O professor vem com os velhos lugares comuns, chavões pesados, sonolentos e entorpecentes.

Inesperadamente as suas tiradas de papel sacodem a assistencia, em caso mesmo de “assistencia”, ao exclamar patético em tom conselheiro:

“Façai de sua parte que eu vos ajudarei”.

Claudicado o vernaculo, só alenta os ouvintes a certeza de que o Divino Mestre não falou em português.

O defeito era do tradutor canhestro.

O professor deve, tambem, praticar a religião da lingua para que deixe de assemelhar-se ao velho rabula que grave dizia ao júri:

“Hoje mihi cras tibi”.

E mais solene traduzia para os jurados que não capiscavam do latim:

“Hoje eu chorarei, amanhã vós chorarão”.

Dentro do quadro escolar de formatura, a gente lamenta que o orador da Turma deixe a Escola que nele perde uma inteligencia brilhante, e nela fique somente o professor retrogrado e decepcionante.

* 1: Hoje Rua Major Gote.

* 2: As estatuetas de Tanagra eram pequenas esculturas de terracota, produzidas pelos gregos antigos a partir do século IV a.C., reproduzindo principalmente mulheres jovens e de formas esbeltas, mas também crianças, divindades, máscaras, pessoas em afazeres domésticos e outras figuras. Finamente trabalhadas, raramente alcançavam mais de 20 ou 25 centímetros de altura. Eram produzidas em molde, ocas, tendo a parte de trás geralmente moldada à mão. Depois de cozidas, eram mergulhadas em uma solução líquida de argila e pintadas em cores vivas. O nome deriva da aldeia de Tanagra, na Beócia, onde os espartanos derrotaram os atenienses em 457 a.C.. Uma grande quantia dessas estatuetas foram primeiramente encontradas na necrópole dessa aldeia, um centro cerâmico em grande atividade desde o período pré-clássico. A partir de 350 a.C., tornaram-se muito admiradas por seu estilo naturalista, variedade e pela riqueza do colorido, sendo exportadas para muitas regiões e imitadas em todo o mundo grego (Wikipédia).

* Fonte: Texto de “Saul” publicado na edição de 02 de janeiro de 1944 do jornal Folha de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Mundodasmensagens.com.

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