PERDIDO NO MATO

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

Na penúltima quarta-feira do mês retrasado, a PRK-25, Rádio Periquitão, a mais ouvida de Periquitinho Verde, viveu um momento especial. Naquele dia, essa emissora apresentou ao público a primeira edição do Eu vi, eu vi, ninguém me contou, atração radiofônica bolada por Zeca Detefon, eficiente plantonista esportivo e festejado animador do programa semanal Vesperal Sertaneja, que concretizava dessa forma um antigo sonho seu: o de tornar conhecido de todos o depoimento dos moradores mais antigos da cidade, sobre fatos importantes ou interessantes acontecidos no passado.

Antes disso o Zeca defendia seu projeto alegando que o testemunho feito de viva voz por pessoas que presenciaram no ontem e anteontem os fatos de maior repercussão registrados na cidade, daria muito mais verossimilhança ao que ficaria registrado como a história verdadeira do lugar, ao contrário das versões arrumadas por gente que nasceu e cresceu nos tempos de agora, baseados no ouvi dizer, no me contaram que foi desse jeito.

E completava seu pensamento afirmando que como esses indivíduos a quem desejo ouvir, já têm idade avançada, sua permanência entre nós provavelmente não será prolongada, o que nos permite concluir que isso acontecendo antes que se faça o que estou pretendendo, parte da memória periquitinhoverdense desaparecerá para sempre. O que será extremamente lamentável”.

O fato é que com esse papo de camelô de esquina ele conseguiu que Edmar Pomes, gerente da  rádio, lhe desse o horário das 21 horas, às quartas-feiras, sendo a primeira apresentação do programa em gestação marcada para acontecer no tal dia mencionado, no palco montado diante da igreja matriz, na praça da avenida Tertúlio Pargas.

E foi assim que naquela data, e na hora certa, quando o povão que compareceu à praça começava a demonstrar impaciência porque o pessoal empacado firmemente nas filas da frente já se encontrava bem espremido e sem ter para onde ir, o Zeca Detefon pegou o microfone e deu início ao espetáculo, explicando em primeiro lugar qual era a finalidade do programa, e informando depois que o primeiro convidado a ser apresentado seria o Juquinha Barbosa, um periquitinhoverdense com mais de noventa anos de idade, mas ainda dono de excelente memória.

Em seguida, depois que o mencionado Juquinha subiu ao palco, os minutos seguintes foram perdidos naquele tradicional chove-não-molha que todos conhecem, mas daí em diante o que realmente importa é que das revelações feitas pelo longevo cidadão, as mais importantes aconteceram neste trecho da entrevista gravada para a posteridade:

– O senhor pode nos contar qual a passagem mais divertida que lhe aconteceu durante esses quase cem anos de vida? – perguntou o radialista.

– Ah, filho, tem uma de que eu não esqueço de jeito nenhum. Foi no meu tempo de moço, eh!…eh!…eh!…, quando a cabra da dona Bastiana se perdeu no mato. Eu e mais alguns homens saímos para procurá-la, acabamos encontrando a fujona atolada num barreiro, trouxemos ela de volta, mas antes de devolvê-la ao dono, eh!…eh!…eh!… cada um de nós transou com a bicha. Eh!…Eh!…Eh!… Esse era o costume da época, você entende…

O Zeca Detefon ficou desconcertado com aquela revelação meio safada, mas sem perder o rebolado, e para não deixar a peteca cair do seu lado, ele tratou de disparar outra pergunta:

– Deixando esse caso de lado, “seu” Juquinha, qual a lembrança que o senhor guarda com mais carinho, com mais saudade?

– Bem, meu filho, isso aconteceu pouco tempo depois desse imbróglio da cabra  que acabei de lhe contar. Foi com a mulher do farmacêutico Juvenal, um trenzinho danado de bonito e com um corpo de deixar qualquer um vesgo, sem saber pra onde olhar com mais atenção, eh!…eh!…eh!… um corpinho desses que não tem defeito que a gente possa criticar, eh!…eh!…eh!… Ela se perdeu no mato, e então eu e mais alguns homens saímos para procurá-la. Acabamos encontrando a coitadinha quase morta de medo, tremendo de frio, e por isso a trouxemos de volta o mais depressa que pudemos, mas antes de entregá-la ao marido, eh!…eh!…eh!… cada um de nós transou com ela, eh:…eh!…eh!… Esse era o costume da época, você entende…

Preocupado com o rumo imprevisto que a entrevista estava tomando, Zeca Detefon tentou consertar as coisas, e por isso indagou, sem pensar :

– E a coisa mais triste que lhe aconteceu, “seu” Juquinha, o senhor se lembra?

O ancião hesitou alguns segundos, nesse meio tempo o sorriso desapareceu de seu rosto, seus lábios se apertaram num esgar de raiva, sua fisionomia tornou-se sombria e triste. E quando ele respondeu, duas lágrimas lhe desceram dos olhos, acompanhando as palavras:

– Bem, meu filho…  Aconteceu que certo dia eu me perdi no mato…

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