TEMPESTADES DO FAZENDEIRO CRUEL

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Quando não existia a televisão nos rincões profundos dos distritos patenses, pratica frequente era um grupo de pessoas familiares ou amigos se reunirem à noitinha nas portas das casas para contarem causos, acontecimentos estranhos envolvendo a presença de anjos, santos e demônios. As crenças, lendas e superstições eram veiculadas oralmente dos mais antigos para os mais novos, que inexoravelmente tinham por verdade absoluta aquilo que ouviam.

Com o advento da chegada da televisão e posteriormente da era da informática, praticamente se extinguiu aquele sadio hábito. A consequência é que os mais antigos “partem para o além” e levam consigo, para sempre, parte da história cultural de seu lugar.

O Distrito de Major Porto é uma região rica em lendas. Uma das difundidas naqueles tempos de bate-papo às portas das casas conta sobre o falecimento numa localidade próxima de um fazendeiro cruel que já tinha matado ou mandado matar várias pessoas. Apesar da má fama do defunto, em vida era muito respeitado e temido justamente pelas crueldades que praticara em vida. O povo simples do lugar, naquela de solidariedade com os familiares que não haviam herdado de todo o temperamento do desaparecido, compareceu para as confraternizações póstumas.

Já era tardezinha quando um vizinho de fazenda chegou serenamente e depositou 10 mil réis numa das mãos do morto. Consciente do que estava fazendo, e sem se importar com o bochicho dos presentes, ajoelhou-se e em alto e bom som pediu ao defunto que, após ser enterrado, que lá das lonjuras do além transformasse aquela quantia de dinheiro em bastante chuva para amenizar a seca cruel que se abatera sobre a região. Enfatizou que a chuva seria uma espécie de redenção pelas maldades cometidas. Feito o pedido, o vizinho retirou-se e não acompanhou o féretro até o acanhado cemitério.

Nas portas das poucas casas do aglomerado residencial o assunto era a morte do cruel fazendeiro; alívio para quase todos e pesares para os familiares. O papo corria leve e solto e praticamente ninguém reparou no amontoado de nuvens negras e sinistras que se formava sobre o arraial. Por volta das vinte e uma horas desceu sobre aquele pedaço de chão uma violenta tempestade. Foi terrível e só na manhã do outro dia é que a população pode avaliar adequadamente os estragos: quase todas as casas destelhadas, inúmeras árvores arrancadas pelas raízes, muitos animais mortos, principalmente gado e equinos e o fazendeiro que havia depositado os 10 mil réis na mão do morto escapara por pouco de um raio que caiu sobre sua fazenda.

Conferindo os estragos, o doador do dinheiro deparou-se com um homem sentado no grosso tronco de um pé de jatobá caído no meio do pasto. Chovia ainda, pouco, tipo garoa. Chegando ao homem, o fazendeiro levou um enorme susto quando percebeu nele o seu vizinho morto na véspera. Com metade do dinheiro que recebera em mãos, ele, sorridente falou – “Vizinho, São Pedro mandou dizer que a chuva que ele enviou foi só 5 mil réis e o resto ainda vai chegar”. Dito isso, o morto simplesmente desapareceu. Imediatamente, o céu se escureceu com relâmpagos assustadores e outra tempestade se abateu sobre a região. Foram sete dias de fortes chuvas que causou mais estragos à comunidade. Passados os sete dias, o tempo se firmou e somente restou àquela humilde gente reconstruir suas casas.

Até hoje, contam os antigos de Major Porto, quando ameaça um forte temporal eles se lembram do velório fatídico, pois as tempestades por lá são quase sempre atribuídas ao cruel fazendeiro.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann, baseado em relato de Vicente dos Reis Santos.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto de rfitaperuna.com.br.

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