CONJETURAS SOBRE O CARNAVAL EM 1916

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CARNAVAL 1916TEXTO: JORNAL CIDADE DE PATOS

Carnaval, festa da carne, festa das orgias ao relento, onde impera o deboche e a licença dos costumes.

Trez dias, trez longos dias em que se adora Epicuro na alcova e se dedilha Lamartine ao luar.

Lá nas capitaes tudo se mistura, não há selecção; o janota debochado, em dado momento, apalpa as nadegas da matrona respeitavel; a maior parte das mulheres deixa o pudor em casa, e collocando uma mascara no rosto, lá se vão no meio da onda humana segredando obscenidades, destribuindo piparotes e recebendo beliscões.

Os confettis, os lança-perfumes, as bisnagas, substituíram os antigos limões de cheiro, os homens agarram as mulheres e as mulheres aos homens na parte do corpo que acham mais a mão.

Ouve-se gritos, assobios, cornetas, clarins, bombos, latas, em uma barulhada de ensurdecer, uns cantam de gallo, outros latem, outros zurram.

Ao lado da gente honesta estão as féses das penitenciarias, assassinos e ladrões, todos cobertos com mascara que a todos unifica. De quando em vez aquella multidão que perpassa lança um gritto de horror. O que foi? O que aconteceu? Perguntam todos a uma. Foi o namorado que para vingar-se dos desdéns de sua deidade lhe atirou á cara com um vidro de acido phenico e desapareceu, deixando a infeliz com o rosto todo chagado.

Os punhaes saem da sombra brandidos por braços traidores como as mascaras que levam no rosto. Na quarta-feira de cinza estão cheios os hospitais e regurgitam as cadeias.

O carnaval é uma festa bruta, e caduca mas ha de existir sempre, como ha de existir sempre, tudo que tenha por base a licença. Na antiguidade era a festa que se dava aos escravos, na idade media era a festa do povo divertindo a nobresa, com as suas sarabandas de patifes e de truões, hoje é uma festa geral, grandes e pequenos, nobres e plebeus, titulares ou anonymos, tudo se confunde, tudo se mistura, tudo se apalpa, tudo se arranha, tudo canta tudo sorri.

Veem-se os sorrisos das donzelas ao lado das gargalhadas estrepitosas dos mégeras; as cidades se transformam em bachanaes immensas, á noite ha rendez vous nos palacios e os ha debaixo das arvores, uns esbofeteiam-se nas salas por causa de um Dominó e outros esfaqueiam-se nas ruas por causa de uma saloia, os grandes devassos gastam com as cocotes as ceias de contos nas brasseries, emquanto que os estudantes gastam com megéras os magros nickeis das mesadas nos fréges baratos. O jogo também tem a sua grande parte no carnaval; ao lado dos clubs funccionam as batotas, todos despejam as algibeiras parecendo que tem especial prazer em ficar promptos.

E custa acreditar: é esta mesma multidão desenfreada que contricta na quarta-feira de cinza rodeia os altares, emquanto que o sacerdote lhe desenha uma cruz na testa, murmurando o classico: “memento homo quia pulvis és”, julgando expurgir o peccado da vespera, como quem despe a camisa.

* Fonte: Texto publicado na edição de 05 de março de 1916 do jornal Cidade de Patos, do arquivo do Laboratório de História do Unipam.

* Foto: Artigos.softonic.com.br.

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