ELOGIO AO JORNAL “O TRABALHO”

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DSC01109Honra hoje a primeira pagina do nosso jornalsinho uma carta do distincto moço Dr. Joaquim Marra, que é filho deste município. Como se vera da leitura da carta, as referencias que nos são feitas são por demais honrosas e muito honram ao seu illustre signatario. Publicando-a, esperamos que o Dr. Joaquim Marra, com seu talento de escol, continue a nos honrar com sua collaboração, para que a imprensa de sua terra a qual tanto estremece, possa contar com o seu triumpho seguro.

Ilmoº Snr. Dr. Antonio Nogueira de Almeida Coelho.

Meus cumprimentos!

Entre os impressos que o mercantilismo remette e espalha por todos os recantos do mundo e que sem mais exame são atirados a sesta de papeis inuteis, surge-me um jornalsinho onde se me deparam trechos do scenario da minha infancia: as coisas, as pessoas… vagas reminiscencias de sonhos acariciados que, desmantelados agora, mostra a fantasia que os gerara, fallam-me ainda alto pelos echos das pessoas e das coisas que formavam o meio onde creança vivi.

Garanto-lhe que o jornalsinho de V. me fez muito mal, mas muito! A começar pela denominação suggestiva – Trabalho, que traz a mente todo um passado amargo, de composição e decomposição, de coragem e desfallecimentos. E… a saudade! Esse canto de Minas, com a matta da Corda ao lado, o vasto plateau uberio, o Paranahyba que desce chorando angustiado pelas pedras… a lagôa onde tanto nadei com os meus amiguinhos hoje talvez mortos… a escola… e até as eleições!… É-me impossivel juntar aqui, um a um, esses pedaços de roupas e carne que deixei pelos espinhedos da vida onde me precipitaram as desapiedadas circumstancias. O Trabalho me fez mal!… mas muito!…

Eu quizera reviver todo o passado, quizera rever os logares, as pessoas, as coisas… as festas! Quizera banhar-me nesse sol, por todo o dilatado horizonte de Patos! A vida campestre e pastoril, contrastando com a das fazendas, as boiadas, os carros chiando pelas ruas, apinhados de mantimento ou cheios de gente da roça que vinha ás festas do Divino… E seu jornal me faz muito mal… soprando as cinzas da minha saudade e deixando arder a braza, arder violentamente…

No entanto, Patos já tem imprensa, não imprensa de guerra convidando aos combates, nem alarma incitando o povo a conquista de liberdades reprimidas; Patos tem uma imprensa de trabalho, trabalho, fonte de alegria, de luz, de poesia! Trabalho que canta, porque Patos não conhece nem miseria nem mendigos; trabalho que ri, porque ahi não mora a inveja açulada por desigualdades sociaes, mas sim a consciencia bôa e sã de um povo forte que aspira á luz. Bemdito povo! bendita imprensa!

O jornal, pois, de V. que tanto mal me causa, também me faz bem e me conforta o espirito. E perdou-lhe a magua pelo muito bem que vae fazer a meus conterraneos, aos meus tão numerosos parentes, á minha terra onde me choram lagrimas de Mãe, e donde, do sepulchro em que habitam, meus avós e meu Pae me acompanham, e abençoam minha vida inteira!…

Queira V., desculpar a expansão que não me foi dado soffrer ao agradecer-lhe a remessa do Trabalho. Felicito-o pelo grande melhoramento com que dotou a minha terra que lhe ha de ser muito grata.

Auguro a V. e ao seu jornal uma brilhante carreira, e peço que me inscreva no numero dos seus amigos offerecendo-lhe desde já o meu insignificante concurso.

E acceite os protestos de alta consideração de quem é, etc, etc.

Joaquim Marra

S. Paulo – 29-11-905.

NOTA: O patense Joaquim Marra, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, foi Advogado importante naquele Estado na primeira metade do século 20, tanto que lhe homenagearam com o nome de uma rua no Bairro Vila Matilde na capital paulista.

* Fonte: Edição de 20 de dezembro de 1905 do jornal O Trabalho, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Capa da edição n.º 1 do jornal, de 15 de agosto de 1905, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

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