POESIA E OS DIAS, A

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POESIATEXTO: MARIA ESTHER MACIEL (2014)

Na sexta-feira, 21 de março, comemorou-se o Dia Internacional da Poesia. Fui lembrada da data por uma ex-aluna, que me enviou um poema de Drummond logo de manhã, a título de celebração. Assim, comecei a sexta com a (ingênua) expectativa de que aquele seria um dia especial. Mas tão logo abri os jornais, vi que a data não trazia nenhum tipo de encantamento para o mundo. As notícias eram puro desencanto. Entre elas, a falta de pistas sobre o avião da Malaysia Airlines, misteriosamente desaparecido com 239 pessoas a bordo; o agravamento da crise na Ucrânia; o absurdo dos preços no Brasil; a libertação dos policiais que arrastaram Claudia Silva Ferreira, numa viatura, pelas ruas do Rio de Janeiro; a confissão feita por um coronel reformado do Exército quanto à sua responsabilidade na ocultação do corpo de Rubens Paiva, cruelmente torturado no período da ditadura militar. E muitas outras coisas lamentáveis. O que, entretanto, me salvou desse dia sem poesia foi o contato com os surpreendentes poemas do livro O corpo no Escuro, de Paulo Nunes, recém-publicado pela Editora Companhia das Letras. Altamir Fernandes – professor e historiador de Patos de Minas, que sempre me envia textos e notícias interessantes por e-mail – sugeriu-me essa leitura, acrescentando que o Paulo era de Patos e tinha atuado na vida cultural de nossa terra, tempos atrás. Na mesma hora, encomendei o livro, que só pude ler na sexta. E, coincidentemente, ao receber o Estado de Minas no dia seguinte deparei-me com a ótima entrevista feita por Carlos Herculano Lopes com o referido poeta, o que me deixou ainda mais entusiasmada. Altamir tinha razão: a chegada da poesia de Paulo Nunes ao mundo literário brasileiro é algo a ser, mesmo, comemorado pelos seus conterrâneos. Ele é um poeta e tanto, desses que não aparecem por aí todos os dias.

Ainda na esteira das revelações poéticas, recebi, na tarde de domingo, outro e-mail do Altamir. Desta vez com a cópia de um número antigo do jornal patense Folha Diocesana, em que era noticiado o acidente de carro que deixara o grande poeta Altino Caixeta de Castro em estado grave num hospital de Patos, em outubro de 1959. Esclareço que Altino (o Leão de Formosa) foi mestre de praticamente todos os poetas de Patos ao longo de várias décadas, até sua morte, ocorrida em 1996. Mas o mais curioso na tal notícia de 1959 é a referência à situação precária da energia elétrica na cidade da época, o que poderia comprometer a cirurgia a ser feita no poeta, à noite. Para que sua vida fosse salva (afinal, ele era “o único menestrel da capital do Alto Paranaíba”, segundo a matéria do jornal), a prefeitura decidiu cortar – como prova do apreço dos patenses por ele – a energia de vários pontos da cidade, incluindo o Centro, de modo a concentrar, ao máximo, a força elétrica na região onde ficava o hospital. Assim, a operação poderia ser feita com segurança. Deu certo. Altino não apenas se salvou, como continuou, mais do que nunca, a se dedicar à poesia.

Um gesto como esse da cidade patense dos anos 1950 seria impossível no mundo desencantado de hoje. Mas que a memória desse gesto fique aqui como uma homenagem aos poetas e à poesia de todos os tempos.

* Fonte: Texto originalmente publicado na edição de 25 de março de 2014 do jornal Estado de Minas e republicado na edição de 29 de março de 2014 do jornal Folha Patense, versão digital.

* Foto: Poesiapoemaseversos.com.

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