GRUPO GRUTA E O TEATRO PATENSE

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GRUTA 1É possível traçar uma história do Teatro Amador em Patos de Minas iniciando-se, na década de 1960, com a criação do Grupo TAPA (Teatro Amador Patense) fundado pelo Sr. Vicente Nepomuceno. Seguiu-se ao TAPA o MOPS (Movimento de Orientação e Promoção Social), liderado por Jorge Eduardo Araújo Caixeta. Tratava-se de um grupo, conforme o nome indica, voltado para ações sociais que promovia peças teatrais como um veículo de conscientização e cidadania junto às camadas populares. Dos elementos que compunham o MOPS nasceu o GRETECOLEMA (Grupo de Teatro do Colégio Marista), fundado nos idos da década de 1970, e o GRUTA (Grupo de Teatro Amador), fundado na década de 1980. Fazia parte do GRETECOLEMA, além dos irmãos Consuelo e Romero Nepomuceno (filhos de Vicente Nepomuceno), João Marcos Pacheco. Já o GRUTA nasceu pela liderança de Maria Célia Costa Santos e, nos anos de 1990, continuou desenvolvendo suas atividades com a denominação de “Grupo de Teatro Amanhã Tem Mais”.  O GRETECOLEMA deu origem ao CET (Centro de Estudos Teatrais), fundado também na década de 1970, e que será a raiz da futura FUCAP (Fundação Cultural do Alto Paranaíba). Em meados da década de 1980, no período de reabertura política, o cenário cultural de Patos de Minas vibrava. Dentro deste cenário de efervescência, pelo menos cinco a sete grupos de teatro disputavam a cena, sendo que os mais importantes foram, sem dúvida, o CET e o GRUTA.

O início dos anos de 1990 conheceu uma espécie de declínio da produção teatral. Já no final da década, houve a chegada do grupo ENCENA, liderado por Adélio Gonçalves, que se configurava muito mais como uma companhia de teatro do que como um grupo de teatro amador. A fundação do CAC (Centro de Arte e Cultura), uma “escolinha” de teatro organizada dentro da FEPAM (Fundação Educacional de Patos de Minas, futuro UNIPAM), culminou com a criação do NAC (Núcleo de Arte e Cultura), em 2004. Foi dentro deste núcleo que se gestou o Festival de Teatro Universitário de Patos de Minas, que ocorre todo mês de setembro, bem como o grupo TUPAM (Teatro Universitário de Patos de Minas). Embora o TUPAM tenha nascido dentro de uma instituição universitária, nem todos os seus componentes pertencem aos quadros da instituição, sendo, portanto aberto aos membros da comunidade. Além disso, o TUPAM atende a uma demanda cultural interna do UNIPAM, a empresas da região e está atualmente à frente de um projeto social denominado “Andarilhos de TUPAM”, voltado para a promoção da cidadania e setores carentes da população. Além do TUPAM, a cidade conta nos dias de hoje com o trabalho da “Trupe dos Remendos e Retalhos”, que, ligada à Igreja dos Capuchinhos, também executa atividades de cunho social.

Outra questão substancial a ser considerada é a concretização do espaço físico do “Teatro Leão de Formosa”, que ao final da década de 90, tornou-se o palco de referência para as apresentações teatrais de grupos de fora e da cidade. Com capacidade para mais de 200 pessoas, o teatro possui estrutura física de palco italiano e é um ponto de referência para inúmeras formas de apresentações artísticas. Recebeu esse nome em homenagem a um famoso poeta natural de Lagoa Formosa (na época, Distrito de Patos). Importante observar que esse breve contexto descrito com foco na cena teatral patense remonta à questão da história e da memória cultural de um lugar. Sujeitos ativos iniciaram processos culturais que fixaram as tradições e elevaram a qualidade artística de um lugar. Não é só a arte que reflete grandes centros urbanos que deve ser valorizada. A valorização tem de ser dada também a outras formas de representações de centros importantes, nem sempre grandes ou urbanos, que focalizam menos a produção de bens de consumo industrializados, e mais a produção de significados. A cidade de Patos de Minas vive há mais de um século em ativa promoção da cultura teatral.

GRUTA 2Grupos teatrais com diferentes estéticas impulsionaram um importante cenário cênico a partir da metade do século XX. Alguns extintos, uns “adormecidos”, outros em plena atividade marcaram e marcam época concretizando a história e a memória teatral. O Grupo GRUTA foi fundado em 25 de setembro de 1976, sob a denominação de GRUTA (Grupo de Teatro Amador). A finalidade do grupo, registrada em cartório, foi a de desenvolver atividades artísticas e culturais, com foco em apresentações teatrais. Seu estatuto contou com onze assinaturas de sócios-fundadores que se comprometeram naquela época a disseminar a arte cênica na cidade do milho. Porém, ao longo de sua existência, o nome da professora Maria Célia Costa Santos destacou-se pelas suas múltiplas funções e dedicação à história do GRUTA.

Assumindo a direção de boa parte das peças encenadas, Maria Célia Costa Santos participou desde o início da constituição do grupo, desempenhando papel primordial para que as peças do GRUTA ganhassem projeção nos âmbitos municipal, estadual e em alguns casos, nacional. Em entrevista cedida, a diretora de teatro relata que se envolveu com o teatro desde cedo, atribuindo isso a alguns responsáveis pela sua inserção na linguagem teatral: “Eu tive um incentivo desde pequena, na fase escolar. As interpretações poéticas, as encenações que tinha na escola, eu participava; eu era aquela que declamava poesia. Também, na época da minha infância, eu morava no fundo do Colégio Nossa Senhora das Graças e lá tinha um palco onde passava filmes e tinha peças e isso ficou no meu consciente. Eu cresci dentro desse meio, mesmo não sabendo do que se tratava. Depois, quando maior, aos 17 anos, um grupo de pessoas montou uma peça chamada Arena Conta Zumbi, texto de Gianfrancesco Guarnieri, e aí eu trabalhei nesse musical. Era um musical um teatro de arena, texto de Augusto Boal, muito poético que narrava a história de Zumbi dos Palmares. Fui convidada pelo poeta de Patos, Wander Porto, e, eu, naquela época, em 1973, ainda muito inocente, fui participar dessa montagem. Eu gostei muito e daí para frente… aliás, antes disso, eu vivenciei muito de perto as montagens do senhor Vicente Nepomuceno. Ele montava algumas comédias, alguns dramas e as apresentava no auditório da Rádio Clube. Depois, eu fiz parte de um movimento social daqui de Patos que precisou de uma pessoa para suporte nos bastidores de uma peça que se chamava Maroquinhas Frufru, texto de Maria Clara Machado, então eu era encarregada de ser o ponto. Eu seguia o texto e soprava, se preciso”.

É perceptível que diferentes situações traçaram o caminho da professora para seu efetivo envolvimento com o processo artístico. A escola, educadores e sujeitos, que já estavam no percurso das linguagens culturais, a motivaram e a inseriram em oportunidades cênicas, já que o interesse perdurava por parte dela. Além disso, esse comprometimento desde a tenra idade, fez com que Maria Célia buscasse fundamentar a parte da teoria teatral e considerasse o contexto social e cultural dos períodos vivenciados pelas apresentações do GRUTA: “As décadas de 70 e 80 apresentavam uma conjuntura externa efervescente e o teatro soube captar isso, de certa forma, essa imagem externa contribuiu muito para o amadurecimento do grupo. Eu comecei a fazer parte da diretoria da Federação de Teatro de Minas Gerais. Em 1985, fui eleita presidente da Federação de Teatro (FETEMIG) e eu me mudei para Belo Horizonte permanecendo lá até 1987, administrando, inclusive, teatros da capital. Foi um período muito efervescente e o GRUTA ganhou muito também. Foram remontados, nesse período, alguns espetáculos”.

GRUTA 3O inicio da constituição do GRUTA se deu pela união de interesses em comum. A Igreja que, no período medieval, usou o teatro como forma de catequização, ainda reconhece a forma direta e encantadora dessa arte. Por isso, é trivial na cidade de Patos de Minas o início de grupos de teatro se ligar aos templos cristãos: “Em Patos, me juntei a amigos da Igreja dos Capuchinhos e começamos a montar parábolas e peças para a Igreja. Foi desse grupo que saíram os fundadores do GRUTA: José Humberto, Selma Marques e o Roberto Castro, esse último era um artista plástico. Nós fundamos o Grupo e montamos nossa primeira peça que foi O Noviço. A partir daí, fundamos oficialmente o Grupo em 25 de setembro de 1976. Usamos o nome de GRUTA pela a imagem que uma gruta apresenta, o nome era bem sugestivo. Na época, éramos um teatro amador”.

Surgido então nos anos 70, ligando-se inicialmente à Igreja, o GRUTA alavanca peças com diferentes funções. Destacam-se nessa década: em 1976, O Noviço, de Martins Pena (comédia); em 1977, A Gata Borralheira, de Maria Clara Machado (infanto-juvenil) em 1977, Pic-Nic no Front, de Fernando Arrabal (comédia); em 1978, A Bruxa, de Nestor de Holanda (comédia); e em 1979, A Onça de Asas, de Walmir Ayala (infantil).

Nos anos 80, o GRUTA elevou-se no cenário teatral da cidade, conquistando inclusive premiações de âmbito estadual. Foi um período de ebulição e maturidade, o qual contou com as seguintes montagens: em 1980, Por Trás das Câmeras (sátira musical, com coletânea de textos e poesias); em 1981, Maroquinhas Fru-Fru, de Maria Clara Machado (infantil); em 1982, S.O.S – A Verdadeira História de um Povo, (sátira musical, com coletânea de textos e poesias); em 1983, Morre um Gato na China, de Pedro Bloch  (drama); em 1983, O Circo Rataplan, de Pedro Veiga (infantil); em 1984, Alzira Power, de Antônio Bivar (comédia); em 1985, Guerra Mais ou Menos Santa, de Mario Brasini (comédia baseada em fatos reais acontecidos na cidade de Patos de Minas na década de 60); em 1986, Pic-Nic no Front (remontagem), de Fernando Arrabal (comédia); e em 1989, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna (comédia).

Registra-se também uma efervescente cena de atuação do grupo nos anos 90 com apresentações de cerca de oito expressivas montagens na década. São elas: em 1991, As Ruínas do Rei Solimão, de Geraldo Jorge (infantil); em 1992, Libertas Quae Sera Tamen, de Ronald Cláver, Cecília Meireles e outros (drama épico); em 1993, História de Lenços e Ventos, de Ilo Grugli (musical infantil); em 1994, Velório à Brasileira, de Aziz Bajur (comédia); em 1995, Xeque Mate: Ilusões Perigosas, livre adaptação do texto A Bruxa (Nestor de Holanda); em 1996, O Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato (infantil com livre adaptação); em 1998, O Auto do Circo Colorido (adaptação de O Auto do Sapo Mágico), de Rita de Blasiis (infantil); e em 1999, Só Faraó Tem Alma, de Silveira Sampaio (comédia).

GRUTA 4A partir dos anos 2000, apesar de ter menos peças, o GRUTA continua se dedicando ao cenário teatral, centrando em remontagens, peças infantis e projetos diferenciados Destacam-se: em 2004, Eu Nunca Fui Santa, livre adaptação do texto de Alzira Power (comédia); em 2005, A Bailarina de Cristal, de Rita de Blasiis (infantil); em 2007, A Formiga Fofoqueira, de Carlos Nobre (infantil); e 2009, A Formiga Fofoqueira (remontagem).

Uma trajetória que contou com a diversidade, trazendo textos de autores renomados no parâmetro do teatro brasileiro alicerçou o que o grupo produziu em mais de 40 anos de atuação. As peças apresentadas configuram um caleidoscópio, uma colcha de retalhos, trazendo uma história de diversas cores e estampas. Sobre essa diversidade e o início das apresentações, Maria Célia comenta: “A peça O Noviço estreou em novembro de 1976 e foi um sucesso. Era muito engraçado, pois nos revezávamos nos papéis e nas funções. Foi uma época boa, mas éramos imaturos, pois ainda não tínhamos noção de temporada. Continuamos montando uma peça atrás da outra. Em 1978, nós conhecemos a Federação de Teatro de Minas Gerais que nos convidou para participar de um Festival em Uberaba. A peça era uma montagem que se chamava A Bruxa, nós já estávamos mais maduros. Este festival não era competitivo, mas era uma amostragem do que acontecia no estado de Minas a respeito da temática: teatro. Entramos nesse contexto e dele não saímos mais. Anualmente, fazíamos uma montagem para apresentar neste festival. Foram etapas de amadurecimento. Em 1981, partimos para a linha do texto político. Íamos até Belo Horizonte pedir licença para a censura e partes de textos eram cortadas. Montamos então SOS: a História de um Povo, peça na qual recontamos a história do Brasil. Usamos a linguagem corporal, misturando teatro e dança, trazemos um coreógrafo de Belo Horizonte, ele selecionou musicas e preparou o grupo corporalmente para essa encenação. Foi um super espetáculo que fez uma crítica à história do Brasil, partindo de um texto meu, com colagens de textos de poetas como Drummond e Vinicius de Moraes. Em 1984, nós montamos Alzira Power, que foi uma “afronta” à sociedade de Patos, pois eu participava da peça seminua. Queríamos dar uma “sacudida” na sociedade. E a peça lotou. Nós íamos a festivais de outras cidades, víamos o que estava acontecendo, chegávamos aqui e tínhamos coragem de fazer muita coisa. Essa montagem foi apresentada em inúmeras cidades de fora, como Diamantina e Belo Horizonte.

Nesse percurso, é perceptível o compromisso que o grupo estabeleceu de se aperfeiçoar, trazendo textos e montagens complexas. O fato de se envolver com a Federação de Teatro de Minas Gerais e também com apresentações em festivais fora da cidade instigou o grupo a se profissionalizar e a buscar variadas linguagens e expressões possíveis através dos atos cênicos. Maria Célia cita o quão foi essencial o intercâmbio e a abertura a novas estéticas para dar uma nova dimensão à configuração do grupo que apresentou, inicialmente, textos para fiéis, chegando a montagens mais contestadoras, com cenas de artistas seminus.

Interessante observar que o grupo apresenta um ecletismo, primando pela multiplicidade de gêneros dramáticos. Questionada sobre qual é o tipo de peça em que o grupo se especializou, Maria Célia esclarece: “Nosso forte era a comédia, tínhamos uma veia cômica. Mas experimentamos muitas vertentes. Um marco foi antes do Alzira Power, em 1980, quando montamos Por trás das câmeras. Esse texto criticava a influência da televisão e a escravidão das pessoas diante a TV. Criticava ferrenhamente também a dependência que nosso país tinha dos EUA. A cena final da peça apresentava uma bailarina que estava vestida de baiana, mas na sua cabeça o arranjo tinha bananas e Coca-Colas e seu vestido tinha a estampa da bandeira brasileira, mas quando ela girava aparecia a bandeira dos Estados Unidos. Essa peça teve uma recepção fantástica, inclusive na mídia. Depois disso, fizemos temporadas e apresentações em boates, pois começamos a ter uma linguagem mais corporal, mais sensual. Tivemos muitas vertentes, estávamos antenados com o que acontecia na época e para o período e pela falta de incentivo, apresentávamos coisas refinadas. Caprichávamos no visual, na maquiagem, nas pesquisas”.

Não foram só as escolhas de textos e autores da cena do teatro brasileiro que proporcionaram um crescimento estético para o grupo. A preocupação com figurinos, representações semióticas e simbólicas para questionar aspectos sociais e culturais também fizeram a diferença. A inserção de exibição de montagens em boates, dando vazão à expressão corporal, demonstra também um lado audacioso e eclético que o GRUTA inscreve em suas montagens.

GRUTA 5No final dos anos 80 e início dos anos 90, o Grupo passou por transformações. “Tivemos uma fase de declínio ao final dos anos 80, pois muitos integrantes da primeira versão do grupo mudaram, foram estudar fora. Porém, começamos a fazer oficinas e outros atores vieram”, salienta Maria Célia. Depois, o grupo se fixou de vez como um essencial expoente para apresentações na cidade, montando espetáculos e apresentando-os de forma sistemática. Partiu também dessa forma de organização a necessidade de se aperfeiçoar através de oficinas com atores profissionais, aumentando assim a capacidade interpretativa do GRUTA.

Décio Rodrigues, jornalista da revista patense A Debulha, informa no exemplar de 30 de junho de 1989: “O GRUTA (Grupo de Teatro Amador) de Patos de Minas está de volta. Depois de três anos de inatividade – e treze de existência –, eis que surge o Auto da Compadecida, uma comédia de Ariano Suassuna. A direção é de Maria Célia Costa Santos e a intenção do grupo é fazer duas apresentações antes de seguir para Belo Horizonte, onde o espetáculo será mostrado no dia 8, dentro do XIII Festival de Teatro Amador de Minas Gerais”.

A opção por uma peça satírica marca o retorno do grupo e sua capacidade de montar um clássico do teatro nordestino e brasileiro na capital. Essa volta configura um momento muito produtivo e eloquente do GRUTA que ecoará nas suas produções futuras. Maria Célia comenta: “Quando foi em 1992, eu retomei alguns projetos e fizemos uma peça sobre a Inconfidência Mineira e antes disso, em 1991, fizemos um espetáculo infantil que se chamou História do Rei Solimão. Em 1994 representamos uma peça importantíssima para a nossa história, chamada Velório à Brasileira. Era um texto conhecido, mas que readaptamos à nossa maneira. Ela foi bem elogiada e apresentada em várias cidades. Inclusive o autor do texto nos assistiu e disse que foi uma das melhores adaptações desse texto”.

A montagem, em 1992, da peça Libertas Quae Sera Tamen do poeta mineiro Ronald Cláver, utiliza a linguagem do teatro expressionista e simbolista, expondo o ecletismo do grupo ao mostrar suas diversas faces através de uma peça que retrata um momento significativo para nosso Estado. Num excerto, publicado no jornal patense Correio de Patos, Maria Célia Costa Santos retrata: “Nós, pessoas de teatro, do GRUTA, apesar de todas as dificuldades de sempre sensibilizados  e atentos, retrataremos os fatos de maneira artística, a partir do texto literário do professor e poeta Ronald Claver. O texto, entremeado de alguns momentos descontraídos nos dá uma visão crítica, nos permite o debate, a reflexão e o questionamento, através da montagem encenada por vinte atores”. Essa passagem explicita o compromisso do grupo em abordar temáticas históricas e que proporcionam a criticidade sobre fatos já ocorridos. De uma forma contestadora, o grupo eleva a linguagem cênica ao elucidar um tema já conhecido, que é a Inconfidência Mineira, porém atinge um assunto que ronda nossas memórias históricas de uma maneira inovadora e reflexiva. “É muito fácil cultuar memória de herói, que na verdade foi usado, servindo de bode expiatório para acomodar e amedrontar os demais, por séculos e séculos. Um herói vira estátua na praça. Estátua não incomoda, não fala”, opina Maria Célia.

Velório à brasileira é uma montagem que também retrata costumes e vivências mineiras, porém o cômico é marca registrada da peça. Montada por diferentes companhias teatrais no país, o GRUTA adaptou à sua forma o enredo e conseguiu prêmios significativos para o grupo. A notícia editada no jornal A Voz de Patos apresenta dados que indicam o quão a peça notabilizou o grupo em questão: “O GRUTA (Grupo de Teatro Amanhã… tem mais) regressou coroado de êxito após destacada participação na IV Mostra de Teatro de Araxá. O GRUTA conquistou a menção honrosa de melhor espetáculo e melhor atriz, dentre 15 espetáculos e mais de 100 atores. Tal reconhecimento fez jus ao grandioso trabalho impetrado pela diretora Maria Célia e equipe, que não vem medindo esforços para mostrar ao público um espetáculo realmente de qualidade”.

Aziz Bajur, autor do texto, teve a oportunidade de assistir à apresentação da peça, Velório à Brasileira, na cidade de Araxá, e esquadrinha o seguinte elogio: “Eles fizeram um excelente trabalho e não ficaram devendo nada a outros grupos profissionais que já montaram a mesma peça em Belo Horizonte e São Paulo”. Esse excerto mostra a capacidade do grupo de Patos de Minas e sua equidade com companhias profissionais.

O início dos anos 90 foi um momento de ebulição que divulgou a capacidade do grupo de elevar o nome da cidade na cena teatral nacional. Entretanto, após essa fase fértil de apresentações, Maria Célia narra: “Depois desse período, o contexto da violência na cidade e a implementação do estatuto da criança e do adolescente acabaram nos prejudicando, pois os mais novos não podiam ensaiar até mais tarde, enfim, foi uma fase de declínio. Entre 1996 e 2000 demos o foco no teatro empresarial, oferecendo oficinas. Empresas como a CICA, a Agroceres nos contratavam para trabalharmos jogos teatrais e improvisacionais. Nesse período, teve também a implementação do Projeto “Brincarte” do artista Vane Pimentel, então apresentávamos, dentro desse projeto, peças infantis. A partir de 2000, o GRUTA começou a adormecer e ficou mais tímido no cenário teatral da cidade. Mas lá se vão quase 40 anos de muita história e memórias”.

Registra-se nessa fase, além da organização de jogos teatrais com cunho comercial, apresentações com focos em textos infantis e remontagens de peças que o grupo apresentara em outras ocasiões. A peça História de Lenços e Ventos foi um musical infantil que povoou o imaginário da criança, através de músicas e performances poéticas.

GRUTA 6Para a conquista de uma história, é preciso que ações e dinâmicas sejam exercidas por intermédio de sujeitos que se comprometam com algum tipo de propósito. A cena artística em Patos de Minas ramifica-se em diversas linguagens, e o teatro buscou seus feitos insignes. Maria Célia atribui essa narrativa de êxito a diversos agentes que, a seu modo, auxiliaram o GRUTA e a cena cênica da cidade. Indagada sobre sujeitos que auxiliaram na escrita dessa história, a professora afirma: “Destaco a figura do fundador José Humberto e da professora Vilma Boaventura. Tínhamos muito problema de infraestrutura, então diretores de escola ajudaram nessa parte, cedendo espaços para ensaio. Destaco a figura dos diretores da escola Polivalente. Também, no início, os padres da Igreja Capuchinhos nos auxiliaram bastante, o senhor Clarindo, do Sindicato da Construção Civil, e também os diretores da Rádio Clube, pois deixavam nós ensaiarmos no auditório de lá. Enfim, não só esses, mas todos que passaram pelas formações do GRUTA”.

A expressão artística existe desde que o homem existe. O teatro possibilitou que esse tipo de expressão conseguisse seu êxito, revelando o encantamento, a ludicidade, a inconstância, a reflexidade dos atos humanos através de textos e encenações que mostram as trilhas da vida. O GRUTA, nos seus mais de 40 anos de memórias e histórias, trouxe sua própria estética, pautando suas apresentações em pesquisas, conhecimentos e unicidade. Buscando textos de autores conhecidos, mas encenando a sua maneira, o Grupo perpassou diferentes gêneros, conseguindo elevar seu profissionalismo. Uma amostra do que Patos de Minas é capaz, por meio da linguagem cênica, circulou por diferentes cidades e eixos artísticos, circunscrevendo momentos que marcaram e que marcarão aqueles que valorizam as diversas vivências da arte comuns à história de todos nós.

A cultura é edificada em conjunto. Todos, através de atos, materialização de pensamentos, costumes e expressões colaboram para que a cultura seja cíclica e dinâmica, representando um conjunto de ações. O teatro é uma linguagem artística que expressa a mente humana, assuntos que precisam ser pensados ou simplesmente apreciados e que auxilia para o fortalecimento cultural de cada lugar. O grupo de teatro GRUTA, desde seu início, tratou com profissionalismo seu compromisso com a cultura de nossa cidade. Um estatuto foi criado para que ações fossem regulamentadas em prol da cena artística da cidade. Algumas décadas contaram com apresentações praticamente anuais, encenando textos de respeitados dramaturgos nacionais, mostrando a capacidade estética do grupo. Diferentes gerações participaram ativamente da constituição do grupo, aquecendo o propósito do GRUTA de desenvolver atividades artísticas e culturais, por meio do teatro. Indagada sobre se o grupo GRUTA foi essencial para que a linguagem teatral na cidade de Patos de Minas se fortificasse, Maria Célia pontua: “Acho que nós fizemos a nossa parte sim, contribuímos para o momento de efervescência da cena cultural da cidade, assim como a música e os festivais de dança das academias. Patos é uma terra que é um celeiro cultural mesmo. Na nossa época tiveram outros grupos como o CET que era um grupo próximo ao GRUTA, mas anterior a ele. A FUCAP, que tem o espaço físico, mas não está atuando como antigamente. Hoje nós temos o espaço físico do Teatro Municipal que era o nosso sonho, mas o teatro ficou pronto e nós não estamos mais lá… olha que incoerente! Imagina se naquela época tivéssemos aquele espaço central, que todos soubessem que aquele lugar era a nossa casa. A gente tem que tomar coragem de contar essa história não remontando só peças antigas. Quem sabe conseguimos retomar uma fase, mais uma década, pois pelo menos temos um teatro. Não considero que o grupo morreu, considero que está adormecido”.

* Fonte: “Grupo Gruta e suas contribuições para a história do teatro na Cidade do Milho”, de Cristina Matos Silva e Dias, Mestre em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG. Licenciada em Letras pelo UNIPAM, e em Artes-Teatro pela UNIMONTES. Monografia na íntegra publicada na edição n.º 14, de novembro de 2013, da “Revista Alpha” (UNIPAM).

* Fotos: Adriane Magalhães, constantes na monografia.

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