SOBRE AS MULHERES DE OUTRORA

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MULHERTEXTO: NEWTON FERREIRA DA SILVA MACIEL (2014)

Ao passar em frente a uma loja no centro de Patos de Minas percebi que a mesma é especializada na venda de enxovais. Esta observação, factual, levou-me para o mundo encantado das divagações. Conversei com minha esposa sobre o assunto e rememoramos os tempos decorridos. Não muitos anos, apenas quarenta. Os nossos pensamentos voaram para o passado, ela expondo os detalhes dos enxovais e eu recordando a minha caprichosa e amada irmã na sua labuta em produzir os enxovais das filhas que se preparavam para casar. Usando a habilidade que Deus lhe deu e que, possivelmente, a minha mãe ajudou a aperfeiçoar, a mana bordava todas as peças usuais com o maior carinho. Suas mágicas mãos transformavam o tecido, comprado aos metros, em lindas confecções que só mesmo uma mãe amorosa sabe fazer. Todos os detalhes na composição das obras de arte, que seriam usadas posteriormente, eram rigorosamente observados. Afinal, não podemos nos esquecer de que o enxoval, sem dúvida, representava um dote fornecido pela noiva.

A mulher, desde criança, preparada de acordo com os costumes vigentes na ocasião, para desempenhar o seu papel principal na sociedade: ser uma boa esposa e ter muitos filhos. A dedicação ao marido e seus rebentos eram, não só esperados, mas também exigidos. Uma condição essencial para uma mocinha se casar. O meio usado para alcançar tais objetivos consistiam em desempenhar as suas funções de dona de casa. Geralmente o marido não participava dos acontecimentos caseiros. Fornecia, dentro de suas possibilidades, o dinheiro imprescindível para a manutenção do lar à sua esposa e a ela as resoluções necessárias. O importante para ele, ao retornar à sua residência seria encontrá-la impecável e as refeições quentinhas, aguardando-o. Não era importante a mulher estudar, fazer qualquer curso superior. Recordo-me de ouvir minha mãe contar sobre a sua tentativa de estudar no colégio de freiras na cidade mineira de Oliveira, assim como, mais tarde aconteceu com sua irmã caçula. Como em Patos não havia escolas de cursos mais sofisticados, limitado, portanto, apenas ao primário, só restava uma solução: partir para cidades mais avançadas para desenvolver-se intelectualmente. Minha genitora, então uma menina de treze anos, no início de 1907, já havia se despedido de seus pais e parentes que assistiriam ao princípio de sua longa viagem à cavalo, devidamente acompanhada por pessoas de inteira confiança familiar. Ao se apoiar no estribo para alcançar o arreio fixado sobre o lombo do cavalo, resvalou-se e caiu. Pronto! Já estava decidido. Seu pai não lhe permitiu que viajasse, pois fora incapaz de se manter sentada à lateral, amparando-se no silhão (arreio confeccionado para sobre ele apoiar as senhoras vestidas de saias), como era costume. A consequência de tal inabilidade de uma criança resultou na sua limitação às trevas do semianalfabetismo…

Retornando à década de 1950, bastava à jovem completar o curso de “normalista” (equivalente ao ensino médio), quando muito, existente na Escola Normal de Patos. Ser normalista poderia retornar muitas benesses para o cônjuge, pois eu conheci alguns que sobreviviam com os parcimoniosos proventos de suas mulheres, professoras primárias. Às vezes, ao contrário, ela dispunha de conhecimentos superiores ao consorte, o que poderia dificultar o relacionamento do casal, pois o “machão” poderia sentir-se inferiorizado. Era hábito na sociedade de antanho a mulher ser submissa ao “senhor” seu homem, todo poderoso e dono da verdade… A mãe adaptava a filha, desde a pré-adolescência, a ser uma “expert” na cozinha. Era importante que fosse educada para esse fim, pois um dos objetivos, como “rainha do lar”, visava preparar, com seus conhecimentos culinários, o almoço e a janta, que com frequência tinham que ser distintos um do outro. Certos maridos não aceitavam, de forma alguma, que os alimentos fossem repetidos nas duas principais refeições. Embora, na oportunidade, não fossem encontradas as variedades de hortifrutigranjeiros como hoje, a capacidade feminina de criar novos pratos era infinita.

As famílias de classe média adotavam um costume impregnado através dos tempos: excetuado o almoço e a janta, era servido, pela manhã, o café torrado e moído em casa pela empregada doméstica. Bem forte, ou seja, esturricado, leite quente e bolachas variadas, confeccionadas por receitas herdadas através de gerações. Outro lanche deveria ser posto à mesa, com a imprescindível toalha feita por ocasião do noivado, geralmente em torno de quinze horas. A subordinação da esposa era bem notória. O machismo então dominante tornava-se sempre exaltado e disseminado por meio de costumes óbvios. Alguns homens casados mantinham uma “mulher por conta”, expressão rotineira na época e pouco conhecida no presente, ou seja, tinha uma amante. Se fossem ricos, nos conceitos da época, fazendeiros possuidores de grandes rebanhos bovinos, chegavam a ter algumas mulheres à sua disposição. Acredito que o motivo principal da aceitação da conduta das esposas ao aceitar seus maridos traidores, embora haja possibilidade de outras variáveis, estava mais ligado à total impossibilidade da mulher gerar meios de se manter. Ela não possuía estudos, nem quaisquer independências financeiras. Só restava a solução tomada por todas as suas congêneres: a aceitação dos fatos, tal como se apresentavam.

Outro fator do manifesto conformismo fixava- se no futuro dos filhos. O que fazer? Como cuidar de seus rebentos? Como sustentá-los? Mais uma vez, o caminho encontrado seria jamais questionar. Tal situação levava, evidentemente, ao apego à religião para obter a força necessária para sobreviver aos percalços da vida. Afinal, a fé remove montanhas… Na ocasião, como sabemos, não existia o divórcio, pois este meio de separação surgiu, depois de muitas querelas, através da Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, sendo os processos lentos, burocráticos e minuciosos. Posteriormente, a Emenda Constitucional 66 de 13 de julho de 2010 criou a nova Lei do Divórcio, com o objetivo de acelerar o processo de separação dos casais brasileiros. A solução para a mulher menos adequada à situação era o malfadado desquite ou, o mais comum, a separação. Sobre o desquite, regulado pelo Código Civil Brasileiro de 1916 (sic), as pessoas se separavam, Incluído seus bens, mas não podiam os cônjuges casar-se novamente.  O homem desquitado, às vezes chegava a se vangloriar do fato. Era recebido com tolerância pela sociedade. Já a mulher era tida como uma enjeitada, uma pessoa que não teve a habilidade suficiente para salvaguardar o seu casamento. Na realidade, comumente a desquitada se sentia refutada pelos homens e mulheres. Muitas vezes, olhares maliciosos eram lançados de soslaio, sempre marotos.

Outra situação, esta prática, como mencionada, era a separação, pura e simples, sem qualquer providência judicial. A conjuntura se degenerava de tal forma que a solução mais fácil encontrada seria a chamada “separação de corpos”. A agressão quer por meio de palavras e, até mesmo física, era frequente por parte do esposo. O marido, de maneira cômoda e econômica deixava a mulher com os filhos e ia morar em outro local. Tanto quanto a mulher desquitada, a separada era discriminada por muitos. Se mais jovem e bonita os gracejos tornavam-se inevitáveis e, muitas vezes, padeciam de assédios atrevidos. Os seus sofrimentos e sua ululante segregação eram bem perceptíveis. Oh vida difícil!

Ainda bem que a sociedade evoluiu bastante. A mulher, atualmente, está consciente de que ela é uma peça fundamental para a sociedade. Seu valor é igual e, muitas vezes, superior ao homem. Lutadora, valente, cuida sozinha de toda a família e com independência. Ser qualificada, como antigamente, de prendas domésticas, jamais. Viva a atual Constituição Federal Brasileira, em seu art. 5º, I: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

* Foto: Jornal.paraisopolis.org.

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