GINECOLOGISTA, O

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, e deve ser verdade, mesmo, pelo menos no que diz respeito à população feminina de Periquitinho Verde. Porque, como diz o Zé Corneteiro, a cidade está cheia de mulheres de todos os tipos, e para todos os gostos.

Tem altas e baixas, gordas e magras, louras e morenas, brancas e escurinhas, discretas e espevitadas, econômicas e gastadeiras, inocentes e maquiavélicas, religiosas e atéias, fiéis e vai-com-qualquer-um, caladas e faladeiras, dengosas e insensíveis, frias e quentes, dispostas e indispostas, topam tudo e topam nada, e assim por diante. É só o candidato escolher aquela que mais embaralha os seus sentimentos e instintos de homem à procura da outra metade, e deixar que a roda do destino tome conta do resto.

Mas às vezes a receita não dá certo, e é por isso que de vez em quando aparece gente que não se controla e acaba saindo da linha na hora que não deve… e que não pode. Foi o que aconteceu com o doutor Apolinário Constantino, médico ginecologista do Hospital Municipal de Periquitinho Verde, protagonista de uma ocorrência que não só deixou estupefata a população da cidade, mas acabou forçando a sua transferência para uma outra cidade cujo nome, por razões óbvias, deve continuar sendo mantido em sigilo.

Apesar de tudo, também não se pode deixar de lado o fato de que muitos periquitinhoverdenses defendem o ponto de vista de que o médico foi muito mais vítima que qualquer outra qualificação que se pretenda dar a ele, pois consideram que como ninguém é de ferro, quem procura acaba achando, não é mesmo?

Acontece que a Maria das Dores, mulher de Roberval Pimenta, o Miquimba, dono de uma casa comercial na rua Vigário Fornalha, região central da cidade, era uma dessas mulheres exuberantes em todos os sentidos, vocês entendem, não é mesmo? Ela sempre gostou de mostrar essas exuberâncias por onde passava, não tudo, é claro, mas o que era  possível deixar à vista graças ao artifício das saias de palmo e meio, às calças compridas com cós quase um palmo abaixo do umbigo, os decotes tão largos e profundos que ninguém entendia como seus seios não saltavam para fora e disparavam a dar bom dia aos passantes.

Para completar, dizia-se também que quanto aos reclamos da carne, ela, apesar de mulher casada, era useira e vezeira na arte de fazer sua canoa navegar pelo oceano do prazer usando o remo de terceiros, se é que me expliquei bem, o que por si só já constituía motivo suficiente para que a platéia masculina, dos imberbes em início de carreira, aos prostrados pelo peso da idade, ouvissem claramente dentro de si o toque de sentido que só quem é macho conhece. O doutor Apolinário, apesar de sério, não era diferente de nenhum outro homem da coluna um, tanto que o seu corneteiro interior não deixava por menos e o avisava toda vez que ela se aproximava, obrigando-o a disfarçar procurando alguma coisa no interior do bolso lateral da calça, até as coisas se acalmarem.

Um dia, a Maria das Dores foi consultá-lo no primeiro horário da manhã, e apareceu linda e perfumada no hospital, esbanjando aquela sensualidade superabundante sobre a qual não é necessário dizer mais nada.  Foi então que o problema  explodiu como  uma  bomba, porque o doutor Apolinário, ao que tudo indica, não resistiu a tanta tentação e acabou fazendo uma besteira sem tamanho.

Ninguém sabe explicar direitinho o que foi que aconteceu lá dentro do consultório,  mas pelos comentários que durante dias fervilharam  nos quatro  cantos da  cidade, a mulher  do Miquimba, ao sentir que o médico estava transformando o exame de toque em algo muito mais chegado a um alisamento desproporcionado de pele e de pêlos, deu um pulo da maca, vestiu-se o mais depressa que conseguiu, e saiu correndo da saleta do consultório com cara assustada, gritando a plenos pulmões:

– Socorro! Tarado! Esse cara é um tarado!

Não é preciso dizer que o fato provocou espanto generalizado em todos que estavam por ali, pois jamais alguém poderia supor que algum dia uma ocorrência daquele tamanho viria a acontecer no hospital da cidade. E a situação ficou ainda mais dramática quando o doutor Apolinário surgiu à porta do consultório, encarou os que o olhavam de boca aberta, e esclareceu meio sem jeito:

– Espero que vocês desculpem esse transtorno. Infelizmente, a minha paciente que acabou de sair sofre de uma síndrome terrível, tão séria que em determinadas horas chega mesmo a se tornar incontrolável. Eu a estava aconselhando a procurar um psiquiatra, mas de repente, quando menos esperávamos, ela teve um surto… e deu no que deu. A pobre coitada fez esse escândalo todo, mas eu espero que vocês entendam o problema e esqueçam o que viram ou ouviram. Obrigado.

Dizendo isso ele balançou a cabeça como se estivesse pesaroso, e  voltou a entrar  em sua sala. Imediatamente a secretária que o atendia levantou-se da cadeira, em seu posto, e fez a mesma coisa.

– E aí? – perguntou o médico. – Você acha que fui convincente?

E ela, quase sem conter o riso:

– Seu discurso até que foi bom, doutor, mas faltou um pequeno detalhe: o senhor se esqueceu de vestir as calças!

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